Com apoio do Itamaraty, Bolsonaro pode prejudicar relações com o Chile

“Não compartilho em absoluto a alusão feita pelo presidente Bolsonaro em relação a uma ex-presidente do Chile”, disse Sebastián Piñera, opositor de Bachelet

Jornal GGN – Apos a repercussão no Chile com as críticas pessoais de Jair Bolsonaro contra a ex-presidente e atual Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, as relações bilaterais de ambos os países podem se ver ainda mais afetadas com o recado dado pelo Ministério de Relações Exteriores do governo Bolsonaro.

Na noite de ontem, paralelamente à reação da imprensa chilena e de boa parte dos políticos do país latino-americano, o Itamaraty emitiu uma nota apoiando a manifestação de Bolsonaro e afirmando que “rejeita firmemente” as declarações de Bachelet.

Em seu papel na ONU, Bachelet enviou um alerta em nome das Nações Unidas ao Brasil sobre a “redução do espaço democrático”, sobretudo diante dos ataques contra os defensores da natureza e dos direitos humanos. A Alta Comissária mencionou o aumento do número de mortos pela polícia no Brasil, afetando desproporcionalmente negros e pobres, com base nas estatísticas internas do próprio país.

Ao anunciar o comunicado da ONU, Bachelet destacou que “o discurso público legitima as execuções sumárias” e a impunidade no Brasil. Mas Jair Bolsonaro tomou o alerta da ONU como uma crítica pessoal e rebaixou os ataques diretamente contra a ex-presidente do Chile, que atua hoje nas Nações Unidas.

Pessoalmente, o mandatário brasileiro atacou não somente a ex-presidente chilena, como também recorreu a ataques contra o seu pai, morto em consequência das torturas sofridas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Ainda, Bolsonaro defendeu diretamente o ditador chileno. Na repercussão por toda a imprensa do país, o presidente do Senado, Jaime Quintana, chegou a dizer que Bolsonaro estava “ferindo a memória dos chilenos” [leia mais aqui].

O próprio presidente do país, Sebastián Piñera, que é opositor político de sua antecessora, Bachelet, e aliado de Bolsonaro, teve que sair em defesa da ex-presidente, afirmando que “é de público conhecimento” seu “compromisso com a democracia, a liberdade e o respeito aos direitos humanos em todos os tempos, lugares e circunstâncias”.

“Não compartilho em absoluto a alusão feita pelo presidente Bolsonaro em relação a uma ex-presidente do Chile, e especialmente em um tema tão doloroso como a morte de seu pai”, completou o presidente do Chile.

Mas a postura do presidente do Brasil não somente foi avalizada pelo Itamaraty, responsável pela manutenção de diálogos bi e multilaterais do país com o mundo, como o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também concordou que Bachelet tratou “com descaso” a situação de direitos humanos no Brasil.

Criticando a ex-presidente do Chile, o Itamaraty diz que Bachelet deveria se concentrar na questão da Venezuela, “que vive crise humanitária em escala sem precedente, que afeta toda a região”. A então Alta Comissária da ONU ja havia feito um acompanhamento do país e divulgado um relatório, ainda em julho deste ano, alertando que o regime de Nicolas Maduro estava perseguindo e torturando opositores e também denunciava a violência policial no país.

Nesta quinta-feira (05), o chanceler do Chile, Teodoro Ribera, tem um encontro marcado com o chanceler Ernesto Araújo, no Palácio do Itamaraty.

Ribeira também mostrou discordância do ataque tomado por Bolsonaro: “A história do Chile nos últimos 50 anos nos mostra a importância de proteger os Direitos Humanos e o Estado de direito e proteger sua institucionalidade. Essa visão é compartilhada hoje pela imensa maioria dos chilenos, que desenvolveram uma especial sensibilidade a todos que se viram afetados [pela ditadura]. Na construção do Chile atual, Michelle Bachelet, assim como os demais ex-presidentes da República, teve um papel determinante e o Chile reconhece e valoriza sua contribuição ao país”, disse, em vídeo.

 

Leia a manifestação de Sebastián Piñera:

“É de público conhecimento meu compromisso com a democracia, a liberdade e o respeito aos direitos humanos em todos os tempos, lugares e circunstâncias. Sem prejuízo das diferentes olhares que podem existir em relação aos governos que tivemos nas décadas de 70 e 80, sempre estas visões devem se expressar com respeito pelas pessoas. Em consequência, não compartilho em absoluto a alusão feita pelo presidente Bolsonaro em relação a uma ex-presidente do Chile, e especialmente em um tema tão doloroso como a morte de seu pai.”

 

Leia a nota do Itamaraty:

“O Governo brasileiro recebeu com indignação as declarações à imprensa, na manhã de hoje, em Genebra, pela alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Ao rejeitar firmemente essas alegações, o governo vem restabelecer os fatos sobre a real situação dos direitos humanos no Brasil.

Não é a primeira vez que a alta comissária trata o Brasil com descaso pela verdade factual: recentemente, antes que fossem concluídas as investigações sobre a causa da morte de indígena wajãpi, precipitou-se em afirmar que se tratava de assassinato, o que mais tarde se revelou inverídico.

O Brasil se orgulha da solidez e da resiliência de sua democracia. Nos mais de trinta anos passados desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o país demonstrou notável estabilidade institucional, que lhe permitiu atravessar, inclusive, graves julgamentos sobre corrupção, como o “mensalão” e a “lava jato”.

Democraticamente eleito com mais de 57 milhões de votos, o governo do Presidente Jair Bolsonaro recebeu claro mandato da população para garantir seu pleno exercício do direito à vida, à segurança, à integridade física e à propriedade, entre outros.

A valorização da atividade das forças policiais constitui componente fundamental desse projeto, que já começa a mostrar bons resultados: apenas nos quatro primeiros meses de 2019, as taxas de homicídios dolosos e latrocínios no Brasil caíram 21,2%, segundo o Sistema Nacional de Segurança Pública. Medidas adicionais a respeito do porte e da posse de armas de fogo, em exame pelas instituições competentes, inserem-se nesse contexto de fortalecimento da capacidade dos brasileiros de se prevenirem e se defenderem da violência e da insegurança.

O claro compromisso do Governo brasileiro com o combate ao crime não significa o aumento do encarceramento de forma indiscriminada. Ao contrário, a Coordenação de Monitoração Eletrônica e Alternativas Penais busca o desencarceramento e a ressocialização daqueles que não necessitam ser segregados do convívio social.

Outra grave imprecisão da Alta Comissária diz respeito à suposta redução do espaço da sociedade civil no Brasil. Ao contrário do que foi inferido sem qualquer evidência concreta, o espaço cívico e democrático encontra-se vivo e em expansão no Brasil.

Da mesma forma, o Brasil lamenta os erros factuais das declarações da Alta Comissária acerca dos incêndios que afetam a região amazônica. Esses equívocos transmitem visão equivocada e ideologicamente contaminada sobre a política ambiental brasileira, além de desconhecimento da realidade amazônica.

Os incêndios florestais na Amazônia são fenômeno sazonal, frequentes durante a estação seca. Os índices atuais encontram-se muito próximos à média dos últimos 20 anos e estão muito abaixo dos números verificados entre 2002 e 2005, em 2007 e em 2010.

A Alta Comissária também parece desconsiderar as ações do governo brasileiro, como a mobilização das Forças Armadas, para combater os focos de incêndio. Essas medidas evidenciam o engajamento do país em favor da Amazônia e do desenvolvimento sustentável da região. A Operação Verde Brasil conta, até o momento, com efetivo de mais de 4.500 pessoas, cerca de 250 viaturas e 11 aeronaves. Ao todo, as Forças Armadas mantêm contingente de 43 mil militares mobilizados para atuar na região amazônica, conforme a necessidade.

Causa surpresa a atenção desproporcional e injustificada dispensada ao Brasil no diálogo da alta comissária com a imprensa. No momento em que, por exemplo, a Venezuela vive crise humanitária em escala sem precedente, que afeta toda a região, o Alto Comissariado deveria concentrar seus esforços no encaminhamento de questões mais urgentes, evitando precipitações, falsidades e ilações indevidas ao comentar a política interna de um país democrático como o Brasil, onde os três poderes funcionam em absoluta independência e vigora o pleno Estado de Direito. 

O governo brasileiro coloca-se à disposição para fornecer as eventuais informações pertinentes, de forma a evitar equívocos desnecessários, sempre que a alta comissária desejar se pronunciar sobre a realidade do Brasil.”

Redação

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