do Brasil de Fato
Há 9 dias em greve, médicos peruanos exigem renúncia da Ministra de Saúde
No Peru, os trabalhadores da saúde completam oito dias de paralisação exigindo pagamento de plantões, maiores investimentos em saúde pública e a renúncia da ministra de Saúde Pilar Mazzetti. O governo peruano decretou estado de emergência nacional ao contabilizar 1,07 milhão de casos e 39.044 falecidos pela covid-19. Nas últimas 24h, 113 pessoas perderam a vida, mantendo a maior taxa de mortalidade por covid-19 na América Latina, com 121 falecidos a cada 100 mil habitantes, segundo índice da Universidade Johns Hopkins.
Entre os profissionais da saúde, onze médicos faleceram e outros 44 profissionais estão em tratamento intensivo por conta do vírus sars-cov2, números que correspondem somente às duas primeiras semanas de 2021.
Os profissionais peruanos reivindicam maior investimento em saúde, o pagamento de um bônus para quem está na linha de frente do combate à covid-19, melhores condições de trabalho e a liquidação das salários pelos plantões trabalhados.
“Menos de 60% do pessoal está trabalhando, os médicos estão desmoralizados e mal pagos. Não recebemos bônus, nem o salário dos plantões. Inclusive há relatos de familiares de médicos que adoeceram e não conseguiram camas de UTI nos seus próprios hospitais”, conta o médico peruano César Glave.
Os grêmios grevistas e quatro centrais sindicais também pedem a renúncia da ministra da Saúde por considerar que a atual crise poderia ter sido contida.
Entre os motivos para exigir a renúncia de Pillar Mazzetti, os profissionais de saúde denunciam a falta de coordenação nacional do sistema de saúde, que gerou uma resposta descentralizada e descoordenada durante a pandemia.
Também acusam a chefe da pasta de atrasar a compra de vacinas e criação de uma plano nacional de imunização, além de não exigir que os fundos emergenciais da covid-19 estejam voltados para atender a saúde antes das empresas.
“A verdade é que a temporada de refluxo da pandemia não foi adequadamente utilizada para reforçar o sistema sanitário. As críticas ao enfrentamento durante a primeira onda era de que tínhamos um primeiro nível de atenção absolutamente empobrecido, desarticulado e sem um papel protagonista na prevenção das doenças. Hoje essa condição não mudou”, afirma o ex-presidente da Federação de Médicos do Peru, Jesús Bonilla.
Como resposta, o Executivo destinou 106 milhões de soles (cerca de R$ 155 milhões) para instalar 16 centros de isolamentos em todo o território nacional. Também fechou um acordo com 38 milhões de doses da vacinas da farmacêutica chinesa Sinopharm, e tenta adiantar o envio de um primeiro lote com 10 milhões de doses.
“Foi adotada uma estratégia centrada nos hospitais. Ainda que fosse necessário também fortalecer os hospitais, houve um descuido com o primeiro nível de atenção. Isso levou a que os pacientes crônicos estivessem desatendidos durante o pico da pandemia no ano passado, entre junho e julho, e agora nesta segunda onda, temos pacientes crônicos muito descompensados, enquanto aumenta a demanda dos pacientes covid”, relata o médico peruano César Glave.
Para reverter o quadro atual, o médico César Glave defende o aumento do número de testes, para rastrear os contágios; a abertura de mais centros de isolamento de profissionais e pacientes e a implementação de uma quarentena restrita.
Problema estrutural
Segundo relatório do Ministério de Saúde, em janeiro de 2020, funcionavam apenas 20% dos centros de atenção de primeiro nível.
O país possui 18 mil camas hospitalares e 1.600 de cuidados intensivos para atender uma população de quase 32 milhões de pessoas. Uma proporção que reflete o orçamento para a saúde, de apenas 2,2% do PIB. Se somado aos investimentos em saúde privada, a cifra chega a 4,95% do PIB. A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que ao menos 6% do produto interno bruto dos países deveria ser destinado para atender os sistemas de saúde.
Historicamente, o sistema público de saúde peruano é um dos mais precários da América Latina. O Fórum de Saúde denuncia que a estrutura de distribuição das verbas públicas está canalizada através dos privados.
“Tivemos políticas neoliberais que levaram a uma orientação de compra de serviços privados ao invés do fortalecimento do sistema de saúde e seus fundos de financiamento. Isso levou a um déficit de múltiplos fatores do sistema de saúde e suas funções”, analisa Luis Lazo Valdivia, coordenador do Fórum de Saúde do Peru.
Economia x Saúde
Outro aspecto que levou à crise sanitária no Peru é a vulnerabilidade social de grande parte da população. De acordo com o Instituto Peruano de Economia (IPE), 20,2% dos peruanos são pobres. Entre a população economicamente ativoa, cerca de 70% está empregada no setor informal. No último semestre de 2020, os ingressos através de salários diminuíram 56% no país.
Com uma retração de 12% do PIB em 2020, o desemprego chegou a 12% nas zonas urbanas.
Enquanto os planos de recuperação econômica aplicados pelo ex-presidente Martin Vizcarra e mantidos pelo atual mandatário Francisco Sagasti priorizam a recuperação das grandes empresas, sem prever um auxílio emergencial à população desocupada.
“Todos os fundos de reativação econômica durante a pandemia foram destinados ao grêmio de empresários do setor agropecuário, ao invés de oferecer maior proteção à população, para que pudesse permanecer em confinamento. A população estava sem trabalho, sem auxílio financeiro e sem alimentos”, denuncia o coordenador do Fórum de Saúde peruano.
Eleições gerais
O cenário de crise econômica e sanitária explode a menos de quatro meses para as eleições legislativas do país. Os peruanos exigem que seja instalada uma segunda urna para eleger uma Assembleia Constituinte no dia 11 de abril.
O processo irá renovar o parlamento do país, atualmente fragmentado. Somente para disputar a presidência do legislativo foram inscritas 12 chapas, a maioria de candidatos de direita.
O cenário atual não transmite muita esperança de mudanças ao povo peruano.
“É necessária uma nova constituição e consideramos que deve ser a partir de um processo de baixo para cima, que surja dos povos, e em um momento determinado, com toda a acumulação de poder popular possa criar uma nova constituição que garanta os direitos da população”, concluiu Luis Lazo Valdivia.
Edição: Luiza Mançano
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