No Brasil, ex-presidente do Paraguai diz que Dilma é mais lenta que Lula

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do Diário do Grande ABC

Para Lugo, Dilma é mais lenta que Lula

Ex-presidente do Paraguai, o atual senador do país Fernando Lugo não esconde sua predileção pelo modelo de governo do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tanto que, para ele, Dilma Rousseff (PT), sucessora do amigo petista, “é mais lenta”. “Lula tem mais penetração, dizemos no Paraguai que ele é mais ‘canchero’, para conquistar e se fazer presente. Dilma é mais lenta, na minha percepção”, afirmou Lugo, que concedeu entrevista exclusiva durante visita à sede do Diário, na sexta-feira. Ele evitou, contudo, opinar no processo eleitoral no Brasil. “Me considero analfabeto aqui (risos).”

Lugo relembrou de momentos de seu impeachment, em junho de 2012, e afirmou ter sido vítima de golpe. “Quem rouba uma galinha no Paraguai tem de dez a 15 dias para se defender. Eu tive 17 horas. Nas 17 horas, sete horas tive para poder fazer a defesa e duas horas para apresentar a defesa. Fui tratado pior que Jesus. Sem direito à defesa, sem tempo necessário e fui crucificado antes do tempo.”

O atual senador paraguaio traçou comparações a governos da América Latina, disse que o Brasil hoje é liderança regional com caminho para se colocar ao lado das maiores potências mundiais e contemporizou a promessa do presidente norte-americano, Barack Obama, de reaproximar a Casa Branca dos países latinos – articulação que, até agora, apenas engatinha.

Lugo esteve em Santo André para participar do seminário ‘Ditaduras no Cone Sul, 50 Anos Depois’, que relembra histórias de regimes militares em toda América do Sul.

No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner permaneceu à frente do poder de 1954 a 1989, o maior período de governo sem ser eleito democraticamente no continente. Militantes antiditadura do país estimam que 425 pessoas foram executadas ou desapareceram e 20 mil foram detidos e torturados.

DIÁRIO – O sr. participou de debate sobre ditadura na América do Sul em Santo André. O sr. pode detalhar como foi a ditadura no Paraguai e como o país está hoje?

FERNANDO LUGO – Consideramos que em todos os aspectos a memória histórica é muito importante. Esse evento de 50 anos de ditadura no Brasil e de 60 anos no Paraguai não pode nos castigar de recordar momento horrorosos e recordar as lições aprendidas em 50 anos de ditadura no Brasil e 60 no Paraguai. Foi uma das páginas mais negras da história paraguaia e de toda América Latina. As ditaduras na América Latina não foram fatos isolados. Foram planejados, apoiados pelo império, sobretudo do Norte (Estados Unidos), de onde sempre teve ingerência na América Latina. Recordar como foi da ditadura de Alfredo Stroessner, uma das mais largas da América Latina (35 anos consecutivos, de 1954 a 1989) levaria muito tempo. Creio que foi uma das ditaduras mais cruéis da América Latina. Em mais de 35 anos, ininterruptamente, quase não existe uma família, fora as que formaram parte do regime, que não foram vítimas da ditadura de Stroessner. Nesta delegação (que veio ao Brasil para o seminário em Santo André) todos passamos por isso (acompanhavam o ex-presidente o cantor Ricardo Flecha, o senador Sixto Pereira e conselheiro presidencial Lara Castro). Sobretudo, um dos problemas mais fortes foi a repressão de pensamento, da cultura. Era proibido pensar e menos ainda pensar diferente. Com agravante: os que pensavam diferente eram considerados comunistas. Havia expressão utilizada por Stroessner de que era a democracia sem comunismo. Era difícil tipificar a repressão, as prisões, a tortura, o exílio, a morte. Quando saída havia incerteza de voltar a casa. Insegurança. Houve na sociedade paraguaia segmentos que brigavam pela democracia. A igreja progressista, os sindicatos, as centrais de estudantes, os partidos de oposição, os artistas – inclusive os de esportes -, movimentos de camponeses. Foi sonho para muita gente (ver a democracia) e em 2008 todos nos reencontramos. Os que foram opositores da ditadura, lutadores da liberdade e dos direitos humanos, pelo melhor viver, nos encontramos na vitória democrática de 20 de abril (de 2008) quando foi inaugurado novo tipo de governo. Porque a ditadura de Stroessner durou de 1954 a 1989, mas ele assumiu com golpe de estado e caiu com golpe de estado. A chamada transição neste caso foi de continuidade, foi de filhos de Stroesnner, com partido Colorado. Em 2008 marca mudança significativa na construção da democracia no Paraguai.

DIÁRIO – Hoje, como está o processo político no Paraguai?

LUGO – Hoje temos retorno (do partido Colorado, com o presidente Horacio Cartes). Há muita gente que fez parte da liga anticomunista que está no governo de Cartes. Nos dói porque sonhamos e lutamos por sociedade diferente. Stroessner reaparece em diferentes ações. É importante contar que, em 1954, o partido Colorado deu golpe de estado no partido Colorado. O presidente no momento era Federico Chaves (chefe do país de 1949 a 1954) e age contra seu próprio partido. Em 1989, Stroessner era do partido Colorado e (Andrés) Rodriguez (que foi presidente entre 1989 e 1993) também era do partido Colorado. Foi espécie de autogolpe. Estou convencido que todos os regimes do Paraguai serviram como satélite do império do Norte e foram funcionários dos Estados Unidos. Hoje em dia é um governo, a despeito de ter vencido em eleição democrática, de retorno do passado, na concentração do poder e favorecimento de grupo muito pequeno. É governo das multinacionais, do agronegócio, governo dos empresários, da classe financeira e bancária. E não da gente, dos camponeses, dos estudantes. Essa classe eles fingem que não existem.

DIÁRIO – Qual a avaliação do sr. sobre as comissões da verdade no Brasil? No Paraguai há mecanismos de investigação de irregularidades cometidas na ditadura de Stroessner?

LUGO – Lara Castro foi fundador da comissão da verdade e justiça do Paraguai. Fez excelente investigação. Mas a matriz de operação das conduções do que alcançamos na investigação não viabilizou (apuração profunda). Um ponto que posso citar é a recuperação de terras ilícitas. Muitos brasiguaios (brasileiros que vivem no Paraguai e com filhos paraguaios) de boa fé caíram (no golpe) comprando terrenos com outras titularidades. Paraguai tem dois ou três terrenos com registro. Paraguai tem 406.752 quilômetros quadrados. Somando todos os títulos de propriedade, tem 529 mil quilômetros quadrados. É muito maior. Em 2008 falamos de reforma agrária, de recuperação de terras ilícitas. Não levam agora adiante. Isso iria afetar as multinacionais, os empresários, os políticos tradicionais, e eles se juntaram para efetuar o golpe de junho de 2012.

DIÁRIO – Comissões da verdade no Brasil não têm caráter punitivo. Isso ocorre também no Paraguai?

LUGO – No Paraguai o caráter é investigativo e de apresentação de pontos ao Estado para continuar a investigação. Elemento e trabalho importantes foi o encontro das tumbas NN (covas com corpos de paraguaios desconhecidos). Na larga transição de 1989 a 2008 (do fim da ditadura de Stroessner com o mandato de Lugo) nunca se investigaram isso. São mesmos personagens, os filhos dos Stroessner. É a mesma gente que estava no governo dele. Foi muito valiosa a investigação dessa comissão da verdade e justiça. Fez trabalho interessante, indisciplinar. Mas não é punitiva. É entregar os documentos e investigações às instituições que podem operacionalizar as condições de punir. Precisamos indenizar de alguma maneira as vítimas da ditadura que castigou o povo paraguaio. Muitos casos de punições (aos operadores da ditadura paraguaia) foram arranjos policiais. Mesmo com Stroessner. Não foi golpe de estado no sentido da palavra. Foi arranjo entre militares. Ele (Stroessner) veio ao Brasil, tranquilamente, não se julgou nada do que foi acumulado durante 35 anos. Seu familiares gozam de benefícios acumulados nesses 35 anos. Enquanto não houver reparação histórica não é possível haver paz verdadeira, duradoura no país.

DIÁRIO – Como está o trabalho da comissão da verdade e justiça no Paraguai com o partido Colorado de volta ao poder?

LUGO – A comissão da verdade e justiça terminou sua tarefa, entregando os documentos conclusivos. São cinco ou seis livros, de diferentes faixas de investigação, mostrando vítimas da tortura, terras ilícitas, quem governou o país, desaparecidos e assassinados. O trabalho iluminou o processo. Se não fosse pela comissão de verdade e justiça, nunca se achariam as tumbas NN, que estavam numa prisão pública e que muita gente sabia, mas o preço do silêncio era muito alto. Não seriam descobertas, não se poderia investigar. Até hoje seguem aparecendo prisões secretas, corpos de vítimas da ditadura.

DIÁRIO – O sr. foi destituído por episódio de reintegração de posse. Como avalia passados quase dois anos do episódio?

LUGO – Há muitas categorias, muitos oficiais dizem que foi curso político, com respaldo político. Mas nunca se encerrou processo tão rápido, sem direito de defesa e sem respeitar o devido processo. São dois direitos constitucionais que não foram respeitados em junho de 2012. Sobre a questão da reforma agrária, o Paraguai é um dos poucos países que não tem cadastro nacional de posse de terras registradas. Há terrenos com dois ou três donos. Há, no Paraguai, terrenos que hoje pertencem ao Fisco e que não podem ser vendidos. Mas eles foram vendidos. Tentei recuperar algumas vez, porque há lei. A mesma constituição diz que não há lugar no país, mas tem gente que possui mais de uma propriedade. Propomos no Parlamento projeto de imposto da terra improdutiva, que se estão especulando. Tem de pagar o mínimo de imposto. É início para que a gente possa de alguma maneira regularizar a situação. No início de 1990 conseguiu-se empréstimo muito grande do Banco Mundial para realizar o banco nacional de propriedade de terras. E como sempre, como muito desses projetos, o dinheiro desapareceu. A corrupção tragou esse dinheiro e o projeto não pôde ser concretizado. Não consigo aceitar que não tenhamos cadastro nacional limpo, aceito por todos. Hoje você pode comprar um terreno no Paraguai, com título referente a 9 de maio de 2014. Chega amanhã aparece título de 8 de maio, um dia antes do seu. Há comprador de boa fé, mas que sofre com isso. Muitos dos brasiguaios caíram nesse caso. Não só brasiguaios, há belgas, alemães. Há máfia de negócios de terras no Paraguai. O preço é vantajoso. A pessoa vende um lote no Brasil e com o dinheiro pode comprar cinco no Paraguai.

DIÁRIO – Em qual estágio está o projeto do imposto a terras improdutivas?

LUGO – Apresentamos como bancada de senadores da Frente Guazu. É imposto progressivo, começando de 1% e sobe paulatinamente se a terra é improdutiva e especulativa.

DIÁRIO – O sr. classifica que sofreu golpe em junho de 2012?

LUGO – Sem dúvida. Quem rouba uma galinha no Paraguai tem de dez a 15 dias para se defender. Eu tive 17 horas. Nas 17 horas, sete horas tive para poder fazer a defesa e duas horas para apresentar a defesa. Fui tratado pior que Jesus. Sem direito à defesa, sem tempo necessário e fui crucificado antes do tempo.

DIÁRIO – Faltou apoio dos demais países do Mercosul para que o sr. retornasse ao poder?

LUGO – Neste momento havia reunião do G20, com líderes da Unasul (União de Nações Sul-Americanas). Há acordo internacional para defender a democracia. Quando se tentou dar o golpe em Evo Morales (presidente da Bolívia, em abril do ano passado), houve tempo para reunião da Unasul em Santiago, no Chile, quando Michelle Bachelet era presidente da Unasul. Infelizmente chegamos tarde no golpe de estado em Honduras, quando houve golpe em (Manuel) Zelaya (em junho de 2009). O mesmo foi visto no Paraguai. Muitos dizem que o golpe estava planejado, houve pré-golpe, para que não houvesse tempo de reação para defender o processo democrático paraguaio.

DIÁRIO – Como o sr. avalia o retorno do Paraguai ao Mercosul após sanção imposta depois da destituição de seu mandato como presidente?

LUGO – O Paraguai sentiu a ruptura e a destituição temporária como integrante do Mercosul. Acho que os que pensaram em realizar o golpe não mediram as consequências. O governo do Paraguai não tinha representação democrática para o Brasil, para Argentina, para Bolívia, Equador, Venezuela nem Uruguai. Houve grande reforço do governo em retomar e normalizar essa relação. Não é fácil. Levará tempo, porque é relação de confiança, operativa em termos culturais e comerciais. Neste tempo houve muitas dificuldades comerciais, porque o Paraguai é país mediterrâneo. Os produtos do Paraguai saem do país pelo Brasil, no porto de Paranaguá (no Paraná), sai pela Argentina, pelo Rio da Prata. São dois países que fazem parte do Mercosul. Foram países que condicionaram o retorno do Paraguai à retomada de eleições democráticas. Esperamos que essa normalização porque o Paraguai se ressente disso. Aguardamos a construção de projetos integrados, precisamos de projetos em comum com o Brasil, com a Argentina. Neste ano se cumpre os 40 anos de Tratado de Itaipu e podemos rever cláusulas desse tratado. Estamos agora num processo de renegociar o tratado e estávamos avançando muito com a presidência de Lula.

DIÁRIO – Como o sr. observa o Brasil como maior liderança da América do Sul?

LUGO – Não só na América do Sul. Temos de ter autoestima elevada. O Brasil hoje é um dos países emergentes no cenário mundial. Lula fez grande trabalho. Numa conversa com ele, me disse que conseguiu dialogar com 54 países da África. A África, sem dúvida, tem potencial grande. Nós conseguimos fazer relação com dois países da África, o Egito e a África do Sul. O Brasil é país emergente, como China, Índia, com potencial grande. É líder natural da região. E isso tem de construir e fortalecer. Não se dá uma liderança gratuitamente, sobretudo na política internacional. Creio que hoje há a liderança dos Estados Unidos, que sempre teve a hegemonia da região, e a liderança natural do Brasil. O Brasil, especificamente com presidente Lula, começou série de projetos de integração e de liderança da região. É muito difícil ter liderança tridimensional. Porque tem de estar de igual a igual para falar com as maiores potências do mundo, como Estados Unidos e Índia, tem de lidar com a região e lidar com os problemas daqui, dentro do país. Muitas vezes em casa é mais difícil. Não é fácil para presidente Dilma ter gente em seu sapato dos os dias. Hoje tem espécie de plurarismo e descontentamento natural. Nunca vai se atingir o consenso. Na capital do futebol mundial alguns setores da sociedade têm criticado a Copa do Mundo. Muitas vezes, mesmo que se sedia um evento importante, há gente descontente. E que tem direito de expressar seu descontentamento, desde que seja com racionalidade e dentro do marco político de país civilizado.

DIÁRIO – Dilma tem dado continuidade neste processo de Lula relatado pelo sr.?

LUGO – São duas lideranças diferentes. Dilma é acadêmica, economista de primeiro padrão. Lula é intuitivo. Que tem reações rápidas. Lula tem mais penetração, dizemos no Paraguai que ele é mais ””canchero””, para conquistar e se fazer presente. Dilma é mais lenta, na minha percepção. Apesar de eu não gostar de comentar os mandatos, ainda mais de pessoas de fora. Mas é essa percepção que tenho de fora e com grande chance de me equivocar.

DIÁRIO – No momento econômico mundial era necessário o Brasil ser conduzido por pessoa com perfil de Dilma ou de Lula?

LUGO – Lula é grande negociador, é grande gestor. Não quero dizer que agora é melhor ter o Lula. Não é que eu não queira, não posso dizer. Lula pode conversar com um acadêmico e com um fazendeiro, na mesma linguagem. Conta também a assessoria. Não sei quem são os assessores de Dilma, alguns são os mesmo de Lula. Mas são dois perfis de lideranças diferentes. Recordo de uma reunião realizada na Alemanha para definir a sede da Copa do Mundo de 2014. Lula foi pessoalmente para discutir e argumentar os motivos pelos quais o Brasil deveria sediar o Mundial. Não era fácil (convencer a Fifa). Oxalá que esse evento seja reflexo de que há união, ajuda de todos a se unir, já que o esporte é elemento importante de união mundial. É mais do que uma competição. Porque a competição dura 90 minutos. Gosto muito quando, durante os 90 minutos, se joga forte e duro e, depois, os jogadores trocam os uniformes, são profissionais e amigos.

DIÁRIO – O sr. tem acompanhado a movimentação política do Brasil? Neste ano haverá eleição presidencial.

LUGO – Me considero analfabeto aqui (risos). Todo processo político brasileiro, como qualquer parte do mundo, é de modelos sobrepostos. São modelos que hoje em dia, pelo menos, estão muito iguais. Na última eleição na Venezuela, a diferença foi mínima, pouco menos de 2% (Maduro venceu Henrique Caprilles com 50,66% dos votos). Na última eleição em El Salvador, foi de 0,3% (o presidente Salvador Sánchez Cerén trifunou com 50,11% dos votos). Acho que em nenhum país um partido que ganha pode governar sozinho. A governabilidade tem de ser plural e com participação de partidos de oposição, que perderam a eleição. Eles perderam um capítulo, uma batalha, mas na guerra têm de caminhar juntos. Em tempos atrás, poderia se governar com o vencedor da eleição e dois partidos mais. O mais difícil na política é o consenso. Sempre haverá gente descontente. Por mais que a grande maioria apoie, sempre terá gente descontente e que vai expressar sua posição, que tem de ser ouvida.

DIÁRIO – O sr. enxerga desgaste da esquerda depois de episódios de corrupção? No Brasil, o governo Lula ficou marcado pelo Mensalão.

LUGO – Não existe processos quimicamente puros. Quem se mete na política, se mete na corrupção. Quem sair limpo da política é artista ou santo. A corrupção não é monopólio do Brasil ou do Paraguai. Acontece nos países denominados do primeiro mundo. Aconteceu na China. Mas na política há questão de que poder desgasta. No Paraguai, neste momento, estou vendo isso, mesmo com um ano de governo. Nesta semana saiu uma pesquisa que mostra que mais de 75% desaprovam o governo (de Horacio Cartes). Nenhum presidente sofreu desgaste tão rápido. O poder desgasta. Quando há tanta expectativa e não se cumpre há desgaste do poder, dos personagens que governam o país.

DIÁRIO – O sr. será candidato novamente em 2018?

LUGO – Não sabemos que cenário vai se apresentar no Paraguai. Temos de ser consciente de viver o dia a dia. Em 2015 ainda haverá eleição municipal e podem se construir forças novas. Temos quatro anos. Um menino de quatro anos pode caminhar forte. Teremos de articular, institucionalizar com os outros partidos da Frente Guazu. É processo de trabalho e articulação que não tem descanso. Não somente a Frente Guazu, mas outras forças políticas vão apresentar candidaturas e, como disse há pouco, vamos consensuar. O melhor nome é o do candidato consensual.

DIÁRIO – Seu nome não é natural, presidente?

LUGO – Não sei. Há muitos líderes no Paraguai e seguramente melhores que Fernando Lugo.

DIÁRIO – Atualmente, dois governos na América do Sul são emblemáticos. O de José Mujica, no Uruguai, com postura progressista, e o de Nicolás Maduro, na Venezuela. Como o sr. observa essas administrações?

LUGO – É a pergunta mais difícil porque são duas sociedades diferentes. O Uruguai é país muito pequeno e a Venezuela é país grandioso. O Uruguai tem os serviços que presta e a produção da carne. A Venezuela com a maior reserva de petróleo do mundo, com recursos incomensuráveis e com situação mais complexa também. A institucionalidade democrática que tem no Uruguai facilita a governabilidade. Uma oposição forte como existe na Venezuela, que dificulta a governabilidade, deixa mais difícil o mandato de Nicolás Maduro. São países diferentes, com alguns pontos de confluência.

DIÁRIO – O sr. acredita que foi acertada a decisão de Mujica de legalizar a venda da maconha?

LUGO – Foi uma decisão quase inesperada do governo de Mujica em legalizar a maconha. Não é legalizar o narcotráfico, como alguns têm dito. É legalizar um produto que tem potencial em se converter em elemento de droga. No Paraguai se usa a maconha como elemento medicinal. Muita gente no campo tem sua planta e usa para curar dores. Tem de destinguir muito bem o que estamos falando. Vejo que o Mujica quer evitar o tráfico internacional de maconha no Uruguai. Porque o Estado vai produzir e controlar. Se controla, tem o caso em suas mãos e pode vender responsavelmente. Pode controlar o uso do produto e ter responsabilidade da consequência de sua utilização.

DIÁRIO – O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, então candidato, prometeu estreitar relacionamento dos norte-americanos com a América Latina e até encerrar a prisão de Guantánamo, em Cuba. Ele está em seu segundo mandato. O sr. analisa que houve avanço nesta discussão?

LUGO – Creio que Obama, Dilma, Lula, Mujica nem sempre fazem tudo que querem. Há poderes ocultos dentro do poder. Por mais que haja boa vontade. Queremos fazer muita coisa, temos muitos sonhos, muitos ideais. Não sei se Obama foi sincero quando prometeu novo tipo de relacionamento com a América Latina, por exemplo. Quando prometeu encerrar Guantánamo. Agora está tentando, em seu segundo mandato, com ajuda de Mujica, que está negociando a extradição de alguns presos de Guantánamo para morar no Uruguai. Muitas vezes não se cumpre o que promete. A sociedade dos Estados Unidos faz com que Obama não consiga realizar tudo que quer. Muitas vezes ele se torna prisioneiro de sua própria tradição. Não pode mudar do dia para noite o que foi feito durante décadas e décadas.

DIÁRIO – Qual principal problema do mundo hoje?

LUGO – Não há problema solitário. Poderia dizer a alimentação, o meio ambiente, mas estão todos relacionados. O problema planetário é de justiça, de igualdade. Estamos destruindo o planeta. Destruindo o habitat. Na Teoria da Libertação, o contrário da pobreza não é a riqueza, é a Justiça. O mundo está preparado para que todos vivamos bem. Se você me pedir para eleger um problema é a má distribuição dos bens naturais, porque estamos preparado para viver bem, sem injustiça. No Brasil há condições de todos os 190 milhões viverem bem, mas hoje 40 milhões vivem muito bem e mais de 100 milhões não tão bem.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Poxa vida, quem é o

    Poxa vida, quem é o mancheteiro do blog?!?

    A manchete parece resumir a entrevista à uma crítica do Lugo à Dilma, crítica essa que não existiu.

    Houve uma comparação de estilos de pessoas que são diferentes.

    Acho que a  má vontade do Nassif com a Dilma não pode contaminar o blog que, afinal, é coletivo, é de todos nós.

    1. Eh certo que NAO foi uma

      Eh certo que NAO foi uma critica mas comparacao de estilos.  Aqui estao as tres coisas que ele disse de opiniao pessoal dela (a quarta mencao nao conta, eh outro assunto):

      “Não é fácil para presidente Dilma ter gente em seu sapato (to)dos os dias.”

      “São duas lideranças diferentes. Dilma é acadêmica, economista de primeiro padrão. Lula é intuitivo. Que tem reações rápidas. Lula tem mais penetração, dizemos no Paraguai que ele é mais ””canchero””, para conquistar e se fazer presente. Dilma é mais lenta, na minha percepção. Apesar de eu não gostar de comentar os mandatos, ainda mais de pessoas de fora. Mas é essa percepção que tenho de fora e com grande chance de me equivocar.”

      “Não sei quem são os assessores de Dilma, alguns são os mesmo de Lula. Mas são dois perfis de lideranças diferentes.”

      So que isso nao eh novidade!  Quem seria “tao” rapido quanto Lula?  (Nem os Estados Unidos tem alguem remotamente perto de Lula.  E essa eh a razao que ele vai ganhar um ou dois Nobeis!)

       

      Uh…  Eu voto em Aecio:  os malaprops dele sao menos ridiculos e mais antipaticos, inclusive o persistente uso errado da palavra “falso” por anos a fio.  Os de Lula eram fabulosos!

  2. Não creio que ele tenha se

    Não creio que ele tenha se manifetsado de forma crítica mas enfim,de velocidade

    o Sr Lugo entende e bem, “vazou  rapidamente” do governo.

  3. Ora, perto do Lula qualquer

    Ora, perto do Lula qualquer um fica “mais lento”*.

    Abaixo um dos mais profundos discurssos do “Lulismo”.

    Obs.: Sugere-se àqueles que odiam o Lula para não assistir, pode enternecer a alma.

    http://www.youtube.com/watch?v=pYGQuRg7nzo

     

    *Talvez seja esta uma das razões da decepção com os políticos e a política. Depois de ver um craque em campo, ninguém mais quer ver os “outros”…

     

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