O golpe do Chile, o JB e a mais antológica das capas, por Rogério Marques

Aqui no Brasil, sob a ditadura no período Médici, a imprensa estava rigorosamente censurada. Os militares proibiram manchetes e fotos sobre o golpe no Chile.

O golpe do Chile, o JB e a mais antológica das capas

por Rogério Marques

Há exatamente 46 anos, em um 11 de setembro, a redação do saudoso Jornal do Brasil estava em ebulição.

Enquanto o Palácio de La Moneda era bombardeado em Santiago e o golpe militar no Chile se consolidava, com a morte do presidente Salvador Allende, um grupo de jornalistas do JB corria contra o tempo para tentar resolver um impasse: como noticiar, à altura, a tragédia daquele golpe militar?

Aqui no Brasil, sob a ditadura no período Médici, a imprensa estava rigorosamente censurada. Os militares proibiram manchetes e fotos sobre o golpe no Chile.

Na redação do JB, corações batiam mais forte, a pressão arterial de alguns daqueles jornalistas com certeza atingiu os píncaros.

No dia seguinte, 12 de setembro de 1973, as bancas de jornais exibiam uma primeira página histórica, brilhante. Sem manchete e sem fotos, como os censores determinaram, mas toda ela sobre o golpe no Chile, em corpo 24.

Reproduzo matéria do Mauro Malin feita para o Observatório da Imprensa sobre aquela primeira página e os bastidores daquele dia em que o Jornal do Brasil fez história.

Nunca será demais recordar, principalmente no momento em que aquele golpe sangrento e os torturadores que assassinaram tanta gente no Chile são exaltados pelo atual ocupante do Palácio do Planalto.

do Observatório da Imprensa

A mais antológica das capas

Por Mauro Malin

em 16/10/2012 na edição 716

Uma entrevista de Luiz Mario Gazzaneo ao jornalista José Sérgio Rocha, feita no final de agosto e publicada no YouTube, levantou alguma poeira a respeito da autoria da antológica primeira página do Jornal do Brasil do dia 12 de setembro de 1973, na qual se noticia a destituição do presidente Salvador Allende por um golpe militar e sua morte.

Para o bem de todos e felicidade geral da nação, recapitule-se o que disse o Gazzaneo:

1)      A Internacional do JB, embora arrasada pela tragédia chilena, ficou orgulhosa quando viu o jornal no dia seguinte.

2)      Gazzaneo sugeriu à editora da seção, Clecy Ribeiro, a retirada de uma caricatura depreciativa de Allende que tinha sido programada como selo para marcar as páginas da cobertura de sua derrocada. A sugestão foi aceita e, levada à direção do jornal, aprovada.

3)      Gazzaneo redigiu as primeiras trinta linhas que haviam sido pedidas como chamada da primeira página.

4)      Foram pedidas mais trinta linhas, escritas pelo subeditor da Internacional, Ney Curvo.

5)      Em face de ter a censura proibido título forte sobre o Chile, um dos chefes, Alberto Dines, Carlos Lemos, José Silveira ou Sérgio Noronha, chegou à forma da página sem título e sem foto. Gazzaneo atribui à ideia a uma das pessoas desse grupo, ou ao grupo, mas não sabe dizer quem a teve.

Em entrevista a Francisco Ucha para o Jornal da ABI (números 374 e 375, de janeiro e fevereiro de 2012) Dines conta como ele chegou ao máximo de repercussão com o mínimo de espalhafato:

“Uma das causas da minha saída do JB, em 1973, foi porque eu forcei isso. Quando houve o golpe militar no Chile, veio a ordem da censura para não dar manchete sobre a derrubada do Salvador Allende. Mas a ordem chegou tarde da noite e o Allende estava na manchete! A essa altura, eu já não fechava o jornal. Nós decidíamos a primeira página e eu ia para casa. Já me dava esse direito. O Lemos também já tinha saído e quem ligou foi o Maneco Bezerra [da Silva], excelente jornalista que trabalhava na oficina. Ele alertou da ordem e fui imediatamente para lá. Morava em Ipanema, pegava o Aterro [do Flamengo] e era fácil chegar ao prédio novo do JB naquela hora, quase 11 horas. Quando cheguei um dos superintendentes do jornal já estava lá, mas ele não se meteu. E aí eu falei: ‘Vamos obedecer. Não vamos dar na manchete. Vamos fazer um jornal sem manchete! Vamos contar a história com o maior corpo possível da Ludlow…’ esse era corpo 24, se não me engano… Contamos a história toda e ficou, digamos, um pôster sem manchete. O superintendente do jornal me perguntou: ‘Dines, você tem certeza mesmo que quer fazer isso?’. E eu respondi que nós estávamos obedecendo às autoridades. No dia seguinte o Armando Nogueira, que estava na TV Globo, me telefonou logo cedo: ‘Porra! Isto é uma revolução!’. A direção não criticou nem elogiou. Quem elogiou foram os bons jornalistas. A capa está reproduzida em um livro que organizei, Cem Páginas Que Fizeram História, com a reprodução de outras páginas importantes de vários jornais. Mas a verdade é que três meses depois eu fui demitido por ‘indisciplina’.”

íntegra da entrevista foi republicada no Observatório da Imprensa.

Essa versão eu ouvi do Dines mais de uma vez, durante viagens de uma hora e pouco na ida, e mais de duas na volta (engarrafamentos…) que fazíamos entre São Paulo e a Unicamp nos primórdios do Observatório.

É difícil encontrar, em qualquer jornal, de qualquer país, uma primeira página tão incrível. Eu já estava fora do JB, na minha primeira passagem por lá, mas lembro como se fosse hoje o choque que tive ao ver o jornal pendurado na banca. Era como se a queda de Allende fosse algo de ainda mais grave do que nós tínhamos até então percebido, capaz de provocar o que Armando Nogueira chamou de revolução no jornal.

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Redação

1 Comentário

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  1. A mais antológica das capas foi do Pasquim, quando foram criados a Arena e o MDB. Um imenso saco com um escrito: FARINHA. E duas plaquetas em cima: Arena e MDB. Farinha do mesmo saco… Genial. Em outra eles estavam todos censurados. Fizeram um exemplar quase vazio, dizendo na capa: “Finalmente o Pasquim inteiramente automático. Sem Jaguar, sem Ziraldo, etc” (apesar das aspas, a citaçao é de memória, as palavras podem nao ser exatamente essas).

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