Próximo de eleições, população da Venezuela sofre com efeitos do bloqueio econômico

Os governos dos EUA e da União Europeia anunciaram que não vão reconhecer as eleições legislativas da Venezuela, que serão realizadas neste domingo (06)

Foto: El Intransigente

De olho nas eleições, população da Venezuela sofre com efeitos do bloqueio econômico dos EUA

Por Fania Rodrigues

Do Opera Mundi

Ações do atual Poder Legislativo ajudaram a piorar crise econômica, pois deputados opositores pediram a vários países que aplicassem sanções contra Venezuela como forma de pressionar Maduro

Os governos dos Estados Unidos e dos países da União Europeia anunciaram que não vão reconhecer as eleições legislativas da Venezuela, que serão realizadas no próximo domingo (06/12), e prometem aplicar novas sanções econômicas contra o país.

Porém, o governo venezuelano decidiu manter a agenda eleitoral mando os prazos estabelecidos pela Constituição. Isso porque o presidente Nicolás Maduro disse acreditar que o sufrágio pode amenizar a atual crise política e apontar uma saída ao conflito que existe desde 2015, quando a oposição ganhou a maioria dos assentos no Congresso, entre os poderes Legislativo e Executivo.

Dessa vez, a expectativa é que o setor opositor que está participando das eleições, uma vez no Congresso Nacional, ajude a encontrar soluções negociadas para os problemas do país. A incompatibilidade entre os dois poderes agravou a crise econômica, pois deputados opositores solicitaram a vários países que aplicassem sanções contra a Venezuela, como uma forma de pressionar o governo Maduro.

Desde então, os Estados Unidos emitiram sete ordens executivas aplicando sanções contra a Venezuela. E as sanções, que já vinham afetando a economia a partir de 2015, atingiram o país de forma mais severa nos últimos dois anos. As consequências do bloqueio são percebidas mais fortemente no mercado petroleiro. O país não recebe recursos da venda de petróleo, desde outubro de 2019, deste que era seu principal produto de exportação e que representava mais de 80% dos recursos orçamentários do Estado.

Para abastecer-se, a Venezuela agora precisa terceirizar as compras a empresas estrangeiras, fazendo uma espécie de “triangulo comercial”, o que resolveu o problema de escassez, mas deixou os produtos mais caros. Apesar de os organismos de direitos humanos proibirem o bloqueio a alimentos e medicamentos, no caso venezuelano a dificuldade para comprar esses insumos é a mesma que para obter pneus de automóveis.

O vice-ministro para América do Norte do Ministério de Relações Exteriores da Venezuela, Carlos Ron, explica como funciona na prática. “Os Estados Unidos dizem que os medicamentos e alimentos não fazem parte do bloqueio, mas não é verdade, porque quando vamos fazer uma transação financeira, o banco bloqueia os fundos e não quer saber se esse dinheiro é para comprar um lápis ou comida. Então, não é verdade que existam exceções, porque na prática os bancos não fazem essa diferenciação”. Os principais bancos do mundo foram proibidos de realizar transações econômicas relacionadas com a Venezuela.

Além disso, existe um bloqueio marítimo que foi estabelecido em fevereiro deste ano, o que dificulta a chegada de produtos básicos em território venezuelano. “Politicamente, o governo está mais fortalecido que dois anos atrás, mas economicamente a situação é muito complicada. Além de ter que lidar com as sanções econômicas, o país está enfrentando um bloqueio marítimo. Os navios internacionais de transporte de produtos estão proibidos de ancorar em portos venezuelanos, sob pena de não poder ancorar nos portos dos Estados Unidos”, afirma o vice-ministro.

Só neste ano, a Marinha dos EUA interceptou, em água internacionais, a sete navios que transportavam combustível para a Venezuela: um em abril, de bandeira de Malta, mas que pertencia a um empresário grego; em maio, outros dois que pertenciam diretamente à Grécia; e o quarto em agosto, com bandeira dos Emirados Árabes Unidos.

A maior parte das refinarias estatais venezuelanas está em território norte-americano, mas neste momento elas se encontram bloqueadas e impedidas de enviar combustível à Venezuela. Por isso, o governo Maduro precisa importar esse produto de outros países, já que suas refinarias em território nacional foram construídas com tecnologia dos EUA e não podem comprar peças e equipamentos de reposição.

Para tentar minimizar esses problemas provocados pelo bloqueio, a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela aprovou, no mês passado, a Lei Antibloqueio. De acordo com seu art. 1º, “essa lei tem como objetivo munir o poder público de instrumentos jurídicos para neutralizar, mitigar e reduzir, de forma efetiva, urgente e necessária, os efeitos danosos gerados pela imposição de sanções financeiras”, principalmente as aplicadas pelos Estados Unidos.

Custo dos produtos se multiplicou

A dificuldade em importar produtos e insumos tem consequências diretas em relação ao custo final – e quem paga é o consumidor. Os produtos de primeira necessidade multiplicaram seu valor nos últimos dois anos. A maioria dos bens e serviços custa mais na Venezuela do que em outros países latinos.

Outro efeito do bloqueio é a especulação e a superinflação, resultando na escassez da moeda local, o bolívar. Por isso, o uso de moedas estrangeiras foi liberado pelo governo. A cotação paralela da moeda venezuelana é sabotada por páginas web administradas fora da Venezuela e marcam todos os dias quanto custa o bolívar no mercado paralelo. O mercado prefere seguir estes números, que apresentam cotações mais altas, e não os oficiais.

Antes mesmo do bloqueio, a Venezuela já sofria uma crise econômica, que foi agravada com as sanções. Essa crise teve início em 2013, com a queda do preço do barril de petróleo. O país começou a ter dificuldade em conseguir créditos no mercado internacional ainda em 2011.

O problema foi aprofundado com o boicote das empresas de seguro e resseguro de grandes projetos, que recusavam as garantias apresentadas pela petroleira estatal venezuelana, a PDVSA, ao solicitar financiamento. Com isso, ficou cada vez mais difícil reinvestir na indústria petroleira e produção diária caiu pela metade. Entre 2012 e 2015, foi de 2 milhões de barris diários para menos de um milhão.

Fania Rodrigues/Opera Mundi
Inflação é uma das consequências do bloqueio econômico sofrido pela Venezuela

“Os EUA fecharam as portas dos créditos para a Venezuela. Isso afetou diretamente a indústria petroleira, que em qualquer lugar do mundo vive de empréstimo. Isso porque é muito caro investir em produção petroleira”, explica o analista político internacional Amauri Chamorro.

Apesar desses problemas, o setor privado venezuelano tem conseguido burlar as sanções e trazer mercadorias para abastecer supermercados, farmácias e demais setores do comércio, que neste momento não vivem a escassez que ocorreu entre 2015 e 2017. Ademais, surgiu um novo fenômeno comercial, que são as lojas de produtos importados, chamados de bodegões. Elas vendem produtos alimentícios estrangeiros, muitos deles considerados itens de luxo, com valor marcado em dólares.

Classe popular é a mais castigada

O salário mínimo venezuelano está defasado devido à guerra cambiária e ao mercado paralelo de dólar, que desvalorizam permanentemente o bolívar. O baixo salário é compensado pelo governo com políticas sociais e pelo baixo custo dos serviços básicos, como água, luz, telefone, internet e o transporte de metrô, que cobram valor simbólico. Além disso, existe subsídio para a cesta básica, através dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), uma forma de organização comunitária.

Nas comunidades mais pobres, os moradores buscam soluções coletivas para os problemas que surgiram com a crise e o bloqueio. Na Comuna Altos de Lídice, no bairro La Pastora, na região central de Caracas, os moradores vão criando novas estratégia para superar a crise.

“Estamos recolhendo materiais recicláveis e entregando a uma cooperativa socialista. Esse recurso é utilizado para investir no posto médico do bairro e ajudar algumas famílias mais necessitadas. Também temos nossa farmácia popular, que conseguimos reivindicando junto ao governo nacional e estamos construindo até mesmo uma horta com plantas medicinais, com a ajuda de médicos, enfermeiras e as mulheres sábias de nossa comunidade”, destaca o líder comunitário Jesús García.

Essa é a classe social mais afetadas pelo bloqueio dos EUA, segundo um estudo do professor de Economia Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, nos EUA. Ele aponta que cerca de 40 mil pessoas podem ter morrido em razão das sanções contra a Venezuela.

“Os Estados Unidos impuseram uma nova rodada de sanções ainda mais duras. Acontece que a Venezuela está agora em um estado de completa catástrofe, grande parte dela causada pelo governo dos Estados Unidos, que está criando sofrimento em massa de forma deliberada. Sabemos que existe fome e que existe uma incrível escassez de medicamentos”, disse, em entrevista ao Democracy Now.

Essa opinião é compartilhada por outros especialistas. “O que vi foi um país hostilizado, sitiado, que consegue empréstimos, financiamentos, que deveria estar receber ações de solidariedade das nações mais ricas devido a sua situação difícil”, diz Alfred de Zayas, professor da Escola de Diplomacia Relações Internacionais de Genebra (Suíça). Ele produziu um relatório sobre a situação humanitária da Venezuela, em 2017, quando ocupou o cargo de especialista independente do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos entre 2012 e 2018.

Para o professor, o importante é identificar e expor as causas do agravamento da crise venezuelana. “Mais importante que identificar a existência ou não de uma crise humanitária é identificar as causas da crise econômica. Está claro que o bloqueio econômico contra a Venezuela contribuiu para isso, assim como a sabotagem contra sua indústria e a guerra econômica contra o governo. O que estamos vendo é a asfixia de um país”, aponta Zayas.

Atualmente, o governo venezuelano possui US$ 24 bilhões bloqueados em ativos da PDVSA e dinheiro do Estado em bancos estrangeiros nos Estados Unidos, na Europa e alguns países da América Latina como Colômbia, Chile e Uruguai. Segundo a doutora em Ciências Políticas pela Universidade Simón Bolívar, Pascualina Curcio, “esse montante seria suficiente para abastecer a Venezuela com todos os produtos que necessita importar no período de um ano, já que para isso são necessários aproximadamente US$ 20 bilhões”.

A economista afirma que as sanções aplicadas contra a Venezuela já acumulam prejuízos na casa dos US$ 114 bilhões, dos quais US$ 92 bilhões são de perdas que o país teve ao deixar de produzir, comercializar e exportar certos produtos nesse período.

Para além da questão econômica, o bloqueio também traz prejuízos simbólicos, como a dificuldade imposta à Venezuela em competições esportivas e eventos culturais ao redor do mundo. O fato é que depois de 21 anos do início da Revolução Bolivariana, existe uma geração de venezuelanos que cresceu sob a pressão política internacional, mas que, nos últimos cinco anos, viu boa parte das conquistas sociais acumuladas sendo afetadas por essas disputas geopolíticas.

 

Redação

6 Comentários

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  1. Não existe ditadura maior do que os falcões do norte. Assassinam os demais povos de todas as formas possíveis e,agora,não satisfeitos,assassinam o seu próprio povo atrvés dos descuidos na pandemia.

  2. O artigo é muito bem pesquisado, como sempre é tudo que se publica no site de extrema-esquerda do Breno Altman, Opera Mundi.
    Obviamente, para a autora, a tragédia venezuelana não teve nada a ver com a ditadura do Nicolás Maduro, nem com o regime autoritário do seu antecessor, Hugo Chávez, criador desse monstrengo político que destruiu a Venezuela – não penso o mesmo de Cuba, eu fui lá e vi. É tudo culpa dessa maldita “oposição capitalista” e do bloqueio de americanos e europeus, essa “corja fascista, imperialista etc etc…”
    Nem uma só palavra sobre a corrupção pavorosa do regime, a compra do apoio dos militares com cargos e dinheiro do petróleo, o que sobrou de exportação do produto, aliás, sem falar no tráfico de vasta produção de cocaína da selva. Deosdado Cabello, um gangster, ex-presidente da Assembleia Nacional, controla até a produção e exportação de minérios em benefício de si mesmo. Maduro já tentou se livrar dele, ainda não conseguiu, mas chegará lá.
    Na última eleição para o Legislativo, em dezembro de 2015, oposição conseguiu eleger 109 dos 167 deputados, porém jamais conseguiu fazer publicar uma única lei, porque a Suprema Corte inteiramente chavista anulava cada ato, cada lei, cada decreto do parlamento venezuelano. A ditadura do Maduro – é um desrespeito a José Marti e a Fidel Castro chamar de “esquerda” o regime criminoso da Venezuela – se deu ao trabalho de fabricar em 2017 uma tal “Assembleia Constituinte” com 545 deputados eleitos por corporações dependentes do regime corrupto, TODOS chavistas, sem exceção, isso mesmo, um novo parlamento com 545 deputados governistas e NENHUM da oposição.
    Das eleições legislativas de amanhã, com certeza vai sair uma assembleia fajuta com maioria chavista e alguns gatos pingados da oposição para dar um verniz de legalidade a mais essa fraude da ditadura chavista.

    1. Já foi lá? Sabe como era a Venezuela antes do Chaves? Se tá reclamando da supriminho deles, o que acha do nosso e das barbaridades contra o PT e Lula?

      1. Era uma tragédia. A elite da Venezuela era a mais egoísta e mais insensível de toda a América Latina, era pior até do que o México, que também conheci no auge da corrupção do PRI, nos anos 1980, pouco antes do assassinato do candidato reformista Luís Donaldo Colosío. A PDVSA pagava até mestrado em Boston para os filhos da elite, em cursos que nada tinham a ver com petróleo. Entre outras coisas, foi contra isso que Hugo Chávez se revoltou com a fúria de um profeta bíblico. Pois aí está o resultado, um país destruído.

  3. Talvez a parte mais triste dessa tragédia da Venezuela é que Hugo Chávez não era um bandido, não era um canalha, era apenas um homem de boa vontade, um sincero venezuelano indignado com o Caracazo de 1989. Deu no que deu.

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