Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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A caserna e sua ameaça concreta, por Bruno Lima Rocha

O Twitter ameaçador do comandante do EB

A caserna e sua ameaça concreta

por Bruno Lima Rocha 

Na noite de 03 de abril o general Eduardo Villas Bôas, comandante em chefe do Exército Brasileiro, escreveu dois tuites a respeito do processo de “impunidade” que atinge os “cidadãos de bem” e colocou em dúvida se, à frente das instituições, estariam defendendo os interesses da sociedade ou de tipo particular. Os dois textos através do Twitter, caem como bomba no meio político, mas em especial no meio da centro-esquerda (PT, PC do B) e da esquerda eleitoral (PSOL) – que imediata e corretamente se posicionaram contrárias – e colocou um problema na mesa. A Força Terrestre, e por tabela as Forças Armadas, estariam se atrevendo a intervir no processo político e a questionar diretamente – através de seu comandante – uma possível decisão do STF pelo Habeas Corpus do ex-presidente Lula?

No Jornal Nacional da mesma noite, o âncora William Bonner leu o tuite de Villas Bôas e não comentou.  Já no Jornal da Globo,  na madrugada de terça 03 de abril para quarta 04 – data do início do julgamento do HC de Lula – a jornalista Renata Lo Prete comentou que o general ultrapassou a missão constitucional das Forças Armadas. Vamos supor que a média prevalente da Globo siga válida. Como força interveniente na sociedade brasileira – 100 milhões de receptores em todas as plataformas segundo o anúncio da empresa – nenhuma comunicação desta envergadura sairia sem o aval ou a orientação das chefias diretas e antes disso, sem no mínimo consultar a família Marinho. Vamos supor que sim; logo, a Globo, tal como entendeu fazer a panela subir, fez a pressão baixar, ou ao menos pensa que ainda pode ter algum controle – para além da incidência – neste processo.

Já o tuite do general Villas Bôas foi seguido de outras tuitadas vindas de generais na ativa jurando lealdade, recheados de outros termos castrenses. Quem conhece um pouco o meio sabe que esse tipo de comunicação eleva o tom e cria uma “vibração” que fortalece a própria hierarquia. Eduardo Villas Bôas tem um agravante, sua liderança é inconteste, mas ele padece de doença degenerativa e muito provavelmente não poderá acompanhar, mesmo que da reserva, os percalços do próximo governo (supondo que teremos eleições e não saia nenhuma carta da manga como uma emenda parlamentarista). Assim, temos um problema de continuidade na interna militar.

Concordo integralmente com Luiz Eduardo Soares e analiso que este tuite foi, de fato, uma chantagem sobre o STF e as instituições republicanas no Brasil. Também avalio a existência, real, de uma insubordinação do primeiro grau da magistratura federal, também da segunda instância e do clima de “cruzada estamental” das carreiras jurídicas e policiais – com status de delegado – e um reflexo disso na baixa soldadesca, incluindo praças e sargentos das polícias militares em cidades-polo de regiões afastadas ou mesmo lugarejos. Ou seja, foram abertas as portas do inferno, a hierarquia institucional pode estar se esvaindo e sobressai o prestígio ou a falta de escrúpulos de indivíduos em posições-chave desta crise. Neste meio incluímos a “República de Curitiba”, reforçada por um diretor de cinema e outra empresa de TV por assinatura.  Enfim, “liberou geral” para quase todos, e o generalato?

Vou seguir na hipótese de que a interna dos generais da ativa e dos recentemente passados para a reserva esteja com demasiada incidência de elementos de extrema-direita. E, reforço, a extrema-direita militar na América Latina nunca é anti-imperialista, ao menos não até às ultimas consequências (vide Guerra das Malvinas). Portanto, a histeria permitida é uma versão polida – ou não tão polida assim – das mensagens patéticas (e perigosas) do deputado e ex-capitão do EB, Jair Bolsonaro. Logo, mesmo que a intenção não tenha sido chantagear o STF, o resultado do comunicado de Villas Bôas deu no mesmo, pois até para posicionar-se dentro de uma – suposta – hierarquia fragilizada, o comandante em chefe precisa fazer convocatória moralista pelo Twitter! A situação realmente está complicada.

Para piorar, além do tema do HC de Lula, a lambança da presidenta do STF ministra Cármen Lúcia ao fulanizar o tema da Ação Direta de Constitucionalidade e antecipar uma decisão pontual à ratificação ou não da regra constitucional; temos a Operação Skala e as evidências mais que concretas relacionando o núcleo duro do governo do presidente Temer com os alvos destas prisões e as decorrentes investigações. Mesmo sabendo que é matéria requentada e tema trazido à tona para intervir no processo político, numa perigosa aproximação de interesses como do ex-PGR Rodrigo Janot e o impagável ministro do STF Luís Roberto Barroso. Assim, se há risco de impunidade e a constatação, fática, de que os mais suspeitos ocupam o Poder Executivo, atiça a caserna a “buscar soluções”. Reforçando o “atiçamento”, a temerária opção de Temer ao recorrer ao ministro-chefe do GSI, o general da ativa e saudosista, Sérgio Etchegoyen. Ou seja, de ambos os lados, aumentam as chances de que a Força Terrestre – através do generalato – projete alguma pretensão de monitoramento sobre as instituições.

Para concluir, a soma dos fatores não altera o resultado. A chamada “ala profissional” do Exército vê sua liderança histórica no período democrático projetar uma chantagem sobre o STF, onde são 11 ministros e cada qual opera seu próprio jogo. Se Villas Bôas representa o profissionalismo e a moderação, imaginemos as posições de quem defenda o intervencionismo e a projeção de poder?! Qualquer espectro de generais – hoje na reserva – como Antônio Hamilton Martins Mourão não é nenhuma fantasia perigosa. Trata-se de probabilidade, com uma capacidade de realização um pouco maior depois do desastroso tuite do comandante em chefe.

Realmente está complicada a situação no país e é urgente o repúdio a qualquer intenção fardada intervir. Isso sem esquecer que estamos sob outro intervencionismo, o togado, nosso problema atual – de intervir. Especialmente as forças vivas do movimento popular e o conjunto das esquerdas brasileiras deveria se colocar de prontidão, aproximar agendas (debaixo para cima) e não permitir mais retrocessos. A meta estratégica deles – de todos eles – é a retirada de direitos constitucionais, a “mexicanização da pobreza e sociedade brasileiras” e também amputar as potencialidades do país no Sistema Internacional. Não adianta fingir que nada ocorre, isso está acontecendo e pode piorar.

Bruno Lima Rocha é cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo (www.estrategiaeanalise.com.br / estrategiaeanaliseblog.com / [email protected] / canal do Telegram: t.me/estrategiaeanalise)

04 de abril de 2018, Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

8 Comentários

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  1. O Brasil acabou

    Esse velho safado deveria sentar no rabo e ficar calado! Todas as modalidades de corrupção foram inventadas na ditadura militar. Além disso, violaram os direitos humanos e todos os direitos de cidadãos. Bando de calhordas! Os corruptos apoiam essa perseguição a Lula. Enquanto desviam a atenção com isso, todos ficam impunes. Só do carnaval para cá, já aliviaram para vários deles. O Brasil acabou! Voltemos à nossa insignificância e subdesenvolvimento.

    P.S.: Agora, fiquei sabendo que os documentos que o juiz demotucano Moro não quis entregar para a defesa de Lula foram periciados e estavam adulterados. A quem interessa toda essa farsa? À máfia demotucana e aos amigos de Moro, como Álvaro Dias?

      

  2. Garantistas, sigam o vosso caminho e deixem os cães ladrarem

    Será que os latidos de cães sarnentos vão amedrontar os Ministros Garantistas, tornando-os Punitivistas?

    Será que a espada vai vencer a caneta de novo? Se sim, pode fechar o $TF e jogar a chave fora.

  3. Cronograma sincronizado eue em perfeito andamento.

    Como em 64, e em cada golpe ou ruptura constitucional na História, seja com maior ou menos participação militar (mas sempre afiançada por quem detém armas de fogo) o eixo central é a disputa da legalidade, ou da narrativa da legalidade.

    Nenhum golpe se declara contra a ordem vigente, ao contrário, afirma querer mantê-la, e isso é uma realidade: O que são suprimidos nos golpes são as chances dos menos empoderados se fazerem ouvir.

    No resto, no tocante a propriedade e ao funcionamento das estruturas normativas que sustentam o modelo capitalista vigente, as ordens pós-golpe se mantêm intactas.

    Por isso golpes são mais, digamos, sedutores que revoluções, porque revoluções implicam em criar novas ordens.

    Isso não quer dizer que os golpes não gostem do apelido de revolução, luta por democracia, etc.

    Mas a essência sabemos qual é: impedir ações de contra-hegemonia.

    Eu afirmei ontem em um post sobre a escalada fascista (escrito por Luis Nassif) que os golpistas não atacam as constituições, mas se servem delas e de suas “caixas de emergência” (chicanas e desvios possíveis para romper a ordem em nome da manutenção dela, da ordem).

    Foi assim em 1937, 1964, 1992 (Collor, sim foi golpe, embora tenhamos aplaudido) e 2016.

    O cronograma está dado e em andamento.

    Agora o controle sobre o que pode ou não ser feito acerca do nosso pacto constitucional, supondo que o presidente instalado no Planalto lá esteja por outro golpe, e não reúna a mais singela condição de vender um fusca usado, quanto mais governar um país, tudo isso sucumbirá novamente ao chamado “apelo popular” e quiçá religioso fundamentalista (Marcha com Dlagnoll com Deus?) e a missão militar de corrigir os rumos.

    O HC de Lula foi a armadilha na qual caímos. Aliás, o processo já foi a armadilha em si, tudo isso é mero desfecho.

    Cometeram o crime perfeito, e nós, as vítimas perfeitamente idiotas.

     

    O STF não está ameaçado, ou indiginado com a fala dos milicos, nada disso. É tudo jogo ensaiado. Claro que para a plateia esse é o discurso, ou seja, “tensão entre juízes e militares”.

    Quanta ingenuidade nossa.

    Sai o HC e a “indignação” com a mudança repentina de entendimento do STF sobre o artigo 283 do CPP vai servir de argumento para disseminarem a ideia de instabilidade institucional ainda mais grave, quando nem a mais alta Corte parece saber o que fazer.

    Marielle, Cachina de Maricá, tiros na Caravana, jejuns…só falta um sequestro com alguém usando a camisa Lula Livre!

    Agora vem:

    1- Estado de defesa;

    2- Cancelamento das eleições;

    3- Prorrogação dos mandatos e/ou fechamento (temporário”) do Congresso;

    4- Manutenção de Temer até 2020 ou eleição indireta;

    5- Aposentadoria dos juízes chamados “garantistas” do Supremo, seja por “livre vontade ou livre coação”.

    E a esquerda fazendo ato para criar Frente Democrática ou Antifascista.

    Se não fosse trágico eu até riria.

    Já era, meus caros, já era.

  4. O general, antes comedido, perdeu o controle da tropa
    Apos varios generais divulgarem suas preferências contra Lula, essa capitulação tardia só mostra que ele perdeu o controle da tropa.

    Agora imagino o exército assumindo, sendo nacionalista, prendendo a camarilha de temer, os proceres do psdb, e toda a lava jato em retribuição ao que fizeram com Othon. E a Globo, vai criticar ou aderir como de costume?

  5. Os donos do poder

    Ótima análise! Me lembrou a ótica usada por Raymundo Faoro: Judiciário e Exército disputando mais uma vez quem é que ocupa o lugar de Poder Moderador quando falha a União… A situação está mesmo complicada, e por esquerda pior ainda, quando o caminho da maioria passa pela lógica eleitoral ao invés da aposta na organização popular. Abraços.

  6. O último parágrafo do texto

    O último parágrafo do texto retrata fielmente o momento histórico. A encruzilhada parece ser definitiva: resistência ou capitulação.

  7. É da Natureza, De Marinho a Globo é Golpista e Ponto Final

    Na Globonews, no Jornal das 10, a família Pereira, Merval e Heraldo, Gerson Camarotti e Natuza Nery, foram contra a atitude do general, deixando claro ter sido indevido e dispensável sua nota no twitter.

    Como antes, sincronizado com o general, o JN utilizou os textos para encerrar o jornal, com recado ao Brasil e a ameaça ao STF, acriticamente, o posterior jogral na Globonews de indignação com o que escreveu o general, soou mais como fogo de dispersão, tentando afastar a Globo de participação na tramóia do retorno da ‘Faca no Pescoço do STF’, versão IV, no undécimo momento.

    É da natureza, uma vez golpista, sempre golpista, agora contra Lula, ainda mais, pois sabe-o novamente presidente da República, o fim do império Marinho no Brasil.      

     

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