A crise financeira e a implosão das ignorâncias, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Faz dez anos que a busca sem freios da riqueza líquida levou à quebra do Lehman Brothers e dezenas de outras instituições financeiras  (Foto Brendan Smialowski/AFP)Lehman Brothers

na CartaCapital

A crise financeira e a implosão das ignorâncias

por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo

Os confortos da confiança excitaram o apetite ao risco e a racionalidade do mercado converteu-se em tropel enfurecido em 2008

Desde a crise financeira de 2008, os economistas se engalfinharam em debates sobre a pertinência dos mandamentos econômicos inscritos nos cânones da ortodoxia.

Nos países desenvolvidos, os bancos centrais intervieram desavergonhadamente para salvar mercados em pânico, comprando títulos públicos e privados, injetando liquidez no mercado (quantitative easing) e inflando a demanda por esses papéis.

Com essas ações pouco convencionais, os gestores da moeda e do crédito sustaram uma desastrosa desvalorização da riqueza, uma violenta deflação do estoque de ativos. 

Nos últimos 40 anos, os bancos centrais, sob os auspícios dos modelos dinâmicos estocásticos de equilíbrio geral e do regime de metas de inflação – a celebrada regra de Taylor –, comemoravam o bom comportamento do nível geral de preços e celebravam as taxas de juro moderadas.

Imperceptível para os radares desajustados dos cientistas da sociedade, a “exuberância irracional” esgueirou-se nas plácidas certezas dos modelos bem-comportados para implodir suas ignorâncias em 2008.

Desinformados das lições da história, os “cientistas” ignoraram os paradoxos da ação humana: os confortos da confiança excitam o apetite ao risco e a racionalidade dos agentes do mercado transmuta-se no tropel de búfalos enfurecidos em busca da riqueza líquida.

Infelizmente para os modelos dos cientistas, sem crédito e dívidas, as transações cruciais no capitalismo – a economia monetária da produção – não são realizadas pela troca de recursos reais, mas por direitos financeiros sobre esses recursos.

Um título confere ao seu comprador (credor) o direito a um fluxo esperado de recebíveis, decorrente das receitas estimadas pelo projeto ou empresa. O valor desses títulos está diretamente relacionado à segurança sobre esse fluxo de recebíveis.

Na marcação do mercado, a confiança quanto à realização dessas receitas pode reverter-se rapidamente em um consenso de que os títulos não valem o que se esperava e que seus credores perderão aquilo que achavam ter ganho.

Se tudo que é sólido se desmancha no ar, imagine o leitor quão arriscado é carregar em sua carteira de ativos o que pretende ser líquido. Transgredindo os catecismos da ortodoxia, a política de inundação de liquidez não trepidou em descarregar trilhões nos bancos, iniciando com 700 bilhões de dólares de recursos públicos para a compra de títulos podres privados na deflagração da crise.

Hoje alcança mais de 15 trilhões em “ativos” no balanço dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa, Japão, Suíça e Inglaterra.

A ampliação da base monetária não gerou inflação nem engendrou expansão do crédito para a produção, muito pelo contrário. Um estudo do Board of Governors do Fed, publicado em novembro de 2015, ilumina esse ponto: “… em reação à turbulência financeira e ao rompimento do crédito associado à crise financeira global, corporações procuraram ativamente aumentar recursos líquidos, a fim de acumular ativos financeiros e reforçar seus balanços”.

E continua, “se esse tipo de cautela das empresas tem sido relevante, isso pode ter conduzido a investimentos mais frágeis do que o normalmente esperado e ajuda a explicar a fraqueza da recuperação da economia global… descobrimos que a contraparte do declínio nos recursos voltados para investimentos são as elevações nos pagamentos para investidores sob a forma de dividendos e recompras das próprias ações… e, em menor extensão, a acumulação líquida elevada de ativos financeiros”. 

Ainda hoje, nos tempos da recuperação raquítica, a expansão da liquidez financia a aquisição de ativos já existentes, como a recompra das próprias ações ou o aumento de recursos líquidos, a fim de acumular ativos financeiros e reforçar balanços, em vez de financiar a aquisição de bens e serviços. Novas bolhas de ativos.

A riqueza agregada é o estoque de direitos de propriedade e títulos de dívida gerados ao logo de vários ciclos de criação de valor. A renda nacional é o fluxo de renda criado pelo investimento em nova capacidade produtiva e no consumo das famílias, o próprio valor em movimento.

As injeções de liquidez concebidas para evitar a deflação do valor dos ativos já acumulados não estimularam a criação de valor em movimento, mas incitaram e excitaram a conservação e a valorização da riqueza na sua forma mais estéril, abstrata.

Em contraposição à aquisição de máquinas e equipamentos, a valorização desses ativos não carrega qualquer expectativa de geração de novo valor, de emprego de trabalho vivo. O que era uma forma de evitar a destruição da riqueza velha provoca a esclerose do impulso à criação de riqueza nova.

Os bancos centrais rebaixam suas taxas de juro para o subzero, tentam mobilizar a liquidez empoçada para estimular o crédito destinado à demanda de ativos reais ao longo do tempo. A liquidez assegurada pelos bancos centrais permanece represada na posse dos controladores da riqueza velha.

Os controladores da riqueza líquida rejeitam a possibilidade de vertê-la em criação de riqueza nova, com medo de perdê-la nas armadilhas da capacidade sobrante e do desemprego disfarçado nos empregos precários com rendimentos cadentes. 

As últimas reuniões dos Comitês de Política Monetária do Federal Reserve registram opiniões de alguns membros, ansiosos em emagrecer o avantajado balanço do banco. A presidente Janet Yellen hesita. Hesita porque, provavelmente, teme as consequências de uma reversão do quantitative easing sobre os preços dos títulos públicos longos acumulados nos bancos e fundos.

Em entrevista à Bloomberg, o ex-presidente Alan Greenspan alertou para a bolha abrigada na valorização dos títulos do Tesouro. Mesmo administrados com vagar e cautela, os ajustamentos no valor dos estoques são muito mais rápidos e intensos. Podem ser catastróficos. Porco vira linguiça, mas linguiça não vira porco.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. a….

    Caro sr., o que não percebemos e nem nossos economistas deram conta, ou não quiseram dar é que não tem inocente neste jogo. Quem “inventou” o jogo e as regras, não perderá nunca. E nós, querendo o jogar o jogo deles sem fazer parte de quem comanda as regras. E inocentemente querendo ganhar. Olhe bem para s très nozes, onde está a bolinha? Se achar, o prêmio é seu !! O Brasil ficará até o ano 3000 procurando. Acreditem. Com este mundo de capital sem lastro, dinheiro podre, dinheiro que só existe ou exisita na Terra de Oz do Mercado Financeiro, compraram “de graça” toda o Sistema de Telecomunicações do Mundo Sub-industrializado. Quem era a jóia da coroa da Federação de Otários? Quem? Quem? Uma linha telefônica para quem disse Brasil !! E Infraestrutura? E Linhas Férreas que ficaram e estão abandonadas há 20 anos, desde as Privatarias? E grande parte da Vale do Rio Doce, que era sua 100% e virou Vale, restando 35% dela. Os outros 65% são divididos entre os sócios. Anonimamente, é claro !! Quanto fatura a Vale,por ano? E quanto é 65% disto? E Petrobrás? E Linhas de Transmissão de Energia? E Cias. de Distribuição de Energia? E Minas de cobre do Chile? E de prata, da Argentina? Foram eles que fizeram a burrada com dinheiro de fantasia? Tem certeza? O pior é que nã o aprendemos nem quando Lemman Brothers atestou o golpe. Quando a Enron faliu levando toda a distriuição de energia do estado de SP. Filé Mignon desta área, desejado pelo Mundio inteiro. E agora queremos continuar joogando?! E cremos que iremos ganhar !! Onde está a bolinha? Somos uma Pátria de Gênios.   

  2. Líquido e certo é que a

    Líquido e certo é que a catástrofe acontecerá, mais cedo do que se imagina. As corporações financeiras avançam no processo de dominação do poder político, sendo assim, o prejuízo ficará com o mundo real. O que não se sabe exatamente é como o caos será administrado.

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