A entrevista de Ciro no Roda Viva, por Roberto Bitencourt da Silva

A defesa da iniciativa tomada por seu irmão, Cid Gomes, contra policiais amotinados, foi valente, em franca contraposição a pretensos bons modos de jornalistas paulistas.

A entrevista de Ciro no Roda Viva

por Roberto Bitencourt da Silva

Faço abaixo algumas observações rápidas sobre a importante entrevista concedida, ontem, por Ciro Gomes ao programa Roda Viva, da TV Cultura:

– Os entrevistadores, para variar, entre os representantes dos veículos comerciais e massivos de comunicação, privilegiaram indagações em sintonia com a linha editorial de seus jornais: submissa e alinhada à política externa estadunidense e avassalada pelo ultraliberalismo entreguista, no plano doméstico. Baseando-se na cantilena do “pensamento único” (motivo de aguda e antiga análise do mestre Milton Santos), correspondeu a uma prática que é nauseante para um espectador progressista ou de esquerda e, seguramente, exaustiva para um agente político dissonante, submetido às perguntas, não raro convertidas em provocações semi-infantis.

– Ciro apresentou informações econômicas muito importantes, acerca dos potenciais e tenebrosos efeitos a se desenrolarem no Brasil, em horizonte de tempo que não é elástico, em virtude das privatizações desnacionalizantes e do rebaixamento rudimentar a um modelo primário-exportador – fenômenos de décadas, incrementados recentemente no País. Ademais, igualmente devido à deliberada contração de investimentos públicos, cortes de direitos e de poder de compra popular, à recessão daí provocada. Também referindo-se à indexação de diversos preços, serviços e custos, ao dólar, fenômeno terrível, típico de uma economia neocolonial, sem soberania. Viver em função de interesses alienígenas, sistematicamente adaptar-se aos choques externos, sem meios autônomos de orientação e decisão nacional. Na fórmula do entrevistado, “pão é trigo, trigo é dólar”, pois o país importa boa parte do trigo.

– A defesa da iniciativa tomada por seu irmão, Cid Gomes, contra policiais amotinados, foi valente, em franca contraposição a pretensos bons modos de jornalistas paulistas. Estes não deixam de constituir retrato de frações das elites tupiniquins que normalizam o vende pátria, desqualificado, criminoso sujeito alçado à Presidência da República, assim como os seus métodos fascistóides e associados com o crime organizado. Ciro Gomes mostra em gestos e ideias alguma convergência com traços políticos eventualmente antissistêmicos, descolados da camisa de força política e retórica do sistema erguido na redemocratização, em absoluta e acelerada erosão.

– Ideias, princípios, diretrizes e propostas à parte, o que dá para extrair de suas intervenções é que, do ponto de vista da base social e partidária, o seu arco de alianças, aderentes e apoiadores não ultrapassaria as fronteiras de faixas de atores nas universidades e representantes políticos tradicionais da rotina institucional. Algum aceno feito para setores das camadas trabalhadoras desapossadas de tudo, politicamente desorganizadas (o “povão”, à Darcy Ribeiro?), e para segmentos altos das forças armadas. Trabalhadores organizados, inseridos no mundo formal dos direitos, mesmo que ora em decomposição, e sindicalizados, não apareceram em seu discurso. Estratos do funcionalismo público, altis e, principalmente, médios e baixos, também não. São amplas e majoritárias faixas das classes trabalhadoras assalariadas, com graus distintos, mas importantes de politização e organização.

– O preconizado projeto nacional de desenvolvimento, reverberado por Ciro, tem boas e generosas ideias, mas não possui suporte social e político para atender a um desenvolvimentismo defendido, porém sem lastro ou suporte na sociedade, sobretudo em virtude da inexistência de qualquer laivo de burguesia nacional, que não mais existe. Se é que já existiu alguma fração burguesa no Brasil comprometida com os interesses nacionais… De fato, as classes dominantes domésticas são apenas burguesias apátridas compradoras, aliadas subalternas do imperialismo. A cada dia mais mergulhadas no parasitismo rentista e desnacionalizadas. Um projeto, pois, sem protagonista de peso.

– De positivo, ideias e gestos um tanto ousados para a cultura política liberal hegemônica, oriunda ou irradiada a partir de São Paulo, que destoam das moribundas regras do jogo, e que, hoje, são o que de mais avançado e organizado as forças políticas brasileiras minimamente alternativas têm conseguido apresentar.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
Redação

7 Comentários

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  1. Foi razoável a entrevista.

    Perguntas péssimas e sem propósito, como relacionadas a Venezuela.

    Porém, o que ficou claro é que Ciro não terá chances em 2022 e ainda vai atrapalhar quem terá, como Haddad, Lula e Dino e uma possível formação de uma frente de centro – esquerda, seja no 1 ou no 2 turno.

  2. Foi razoável a entrevista.

    Perguntas péssimas e sem propósito, como relacionadas a Venezuela.

    Porém, o que ficou claro é que Ciro não terá chances em 2022 e ainda vai atrapalhar quem terá, como Haddad, Lula e Dino e uma possível formação de uma frente de centro – esquerda, seja no 1 ou no 2 turno.

  3. “…em franca contraposição a pretensos bons modos de jornalistas paulistas…” Se a afirmação fosse contrária, contra Jornalistas Nordestinos por exemplo, não estariam aqui enxurradas de criticas: Racistas, xenófobos, bairristas, elitistas, corporativistas e outras pérolas? Mas este “paulistas” tem o mesmo cerne do alicerce deste Estado Absolutista Ditatorial Caudilhista Esquerdopata Fascista. O combate ao Republicanismo Liberal e Democrático da História Paulista, que não por coincidência, foi derrubada por Golpe Civil Militar apoiado pelo Coronelato pária Nordestino e Forças Fascistas, que se preservaram nesta tragédia tupiniquim por 90 anos. Um “Paulista” volta ao Poder depois de 9 décadas. A revolta dos Feudos Parasitários é enorme. Coincidência? Afinal estamos na Pátria das Coincidências. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  4. Ciro perdeu uma grande oportunidade de agir como um líder que quer ser presidente. Nunca será. Desagregou como de costume. As inverdades que ele disparou foram patéticas, em especial aquelas atacando o “lulopetismo”. Criticou os jornalões mas usou o mesmo expediente de acusar o adversário(?) quando convém. Proferiu disparates tipo ”Lula era o operador da corrupção”, entre outros. Se perdeu em várias perguntas, gaguejou e foi ”jantado” pelos capachos da mídia grande, como está na moda dizer, em algumas, vide os questionamentos do funcionário Lupi fantasma, que em nada difere do que a familícia costuma fazer. Tentou defender o Lupi e se revelou: corrupção dos seus é legal, hipocrisia pura. Uma pena, porque seria talvez a única opção, de enfrentar com energia que o momento exige, os golpistas e milicianos, em destaque pro babá de pilantra juizeco ladrão.

  5. Já estamos acostumados com lobo em pele de cordeiro. O país é refém de políticos que usam o dinheiro público em proveito próprio com acertos dentro do congresso e carimbam todas as verbas disponíveis. Isso vem acontecendo desde o fim da ditadura e os coronéis do nordeste como este tal Ciro Gomes são os melhores representantes dessa prática nefasta. O dinheiro vai e não chega ao povo. A situação desses estados não muda e famílias como os Sarneys, Mello, Gomes e etc continuam mandando nesses estados.

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