A falsa dicotomia entre o interior e capital, no RJ e no Brasil

Por Mark Sandman

Comentário ao post  “O incrível mundo político do Rio de Janeiro

Bom, é difícil resistir a armadilha bairrista, mas vamos lá:

É preciso fazer alguns acertos no texto: Primeiro, esqueceram do clã Picciani, importante fator que está agregado a esse patrimonialismo fluminense.

Bem, agora tratando do sentido do texto…

1- A (falsa)dicotomia interior X capital.

Li aqui uma incrível comparação entre interior e capital (do RJ, mas que vale para todos os estados do país), como se os processos históricos aos quais foram submetidas as regiões comparadas permitissem um “julgamento” do tipo: capital iluminada e interior coronelístico…

Isso é de doer…os olhos…

Foi o interiorano Nilo Peçanha (Campos dos Goytacazes, distrito de  Morro do Coco) o primeiro (e único) presidente negro desse país, e que inventou o ensino profissionalizante (Escola de Aprendizes e Artífices, depois,  Escola Técnica Federal, CEFET e agora IFF).

Foi nessa cidade que se acendeu a primeira lâmpada ligada a luz elétrica.

Paradoxalmente, era lá que havia o maior número de negros cativos em relação aos brancos, algo como 37.000 cartivos e 55.000 livres (fonte: Hemeroteca Bibiblioteca Nacional, Alamanque Mercantil de Campos, 1855).

Então, o troço é muito mais complexo para dar azo a comentários preconceituosos e superficiais.

Eu não consigo imaginar nada mais incorreto em análise política (nem vou falar do ponto de vista acadêmico, isso não cabe aqui) de se tratar o exercício político, a práxis, os grupos de interesses, as escolhas do eleitorado, de forma hierarquizada.

Li muita asneira por aqui…Lacerda, líder de uma classe média intelectualizada versus interior bárbaro? Onde?

Foram os abutres lacerdistas que carcomeram as vísceras de Vargas até levá-lo ao suicídio…

Nosso mercado editorial até ontem (2003, 2004) era de fazer corar frade de pedra…Nossos “intelectuais” da classe média de Lacerda ou de (argh)azevedo(e os imbecis de hoje) liam menos de 2 livros por ano, e hoje leem algo em torno de 4 ou 5 livros/ano, na média, isso ajudado pelo mercado de livros didáticos…

Ainda assim, considerando o Corvo um “acima da média”, essa (auto)referência do capital intelectual amealhado por Lacerda não o poupa historicamente da mediocridade dos seus objetivos, ainda mais sendo ele quem era, sabendo o que sabia.

E o que falar de Sandra Cavalcanti os mendigos jogados com as pernas quebradas no Rio da Guarda, ela mesma herdeira do legado lacerdista?

Aliás, historicamente falando, não é possivel entender azevedo sem Lacerda, áecio sem Tancredo, Ademar de Barros sem Maluf, 1932 sem 64, e sem o movimento golpísta de hoje…

2- Rio pobre de quadros políticos?

Eu não vejo modernidade alguma em José Serra, Covas ou o picolé de chuchu que possa ser colocado em um patamar muito diferente dos cabrais, piccianis ou chagas freitas daqui.

Se o Rio tem seus personagens e seus modus operandi de dilapidação e ocupação da máquina pública, o que dizer da histórica relação de compadrio dos mega-players paulistas com todas as esferas de poder (Federal, Estadual e Municipal), ou dos agro-businesse-men do Centro-Oeste ou dos coronéis mineiros, esses últimos ágeis na arte da traição e conspiração?

Chagas teve O Dia, e devemos supor que a titica dos Mesquita deu resultado melhor para a vida política desse país?

Enfim, como imaginar que um capitalismo tardio, que mistura covardia e patrimonialismo, inventado dentro de um Estado feito para matar pobres e pretos, possa dar em alguma Unidade da Federação algum exemplo de modo civilizatório?

Se a Petrobras amarrou o burro petista no RJ, eu pergunto, de onde vêm as cordas? De onde é a Odebrecht e todas as outras empresas? São todas “cariocas”?

O patrimonialismo é um fenômeno nacional, e pior, transclassista. No Brasil, não há vítimas, há vítimas-cúmplices.

Não há Estado capaz de gerar modernidade e figurões sem uma enorme parcela de ignomínias e mediocridade, porque, no fundo no fundo, para fazer fortuna, basta ser medíocre e disciplinado.

3 – O crime e o creme.

As investigações anti-Máfia na Itália e nos EUA apontam que, na década de 90, foi a partir do bicheiro (paulista) Ivo Noal que se iniciou e se modernizou a estrutura nacional de exploração do jogo proibido, através das máquinas caça-níqueis, aqui no Rio chamadas de “maquininhas”.

Se é verdade que no Rio, os figurões da contravenção legitimaram sua face pública com Samba e Futebol, no restante do país não foi diferente. O problema é de escala e de método.

O crime sempre procura se mistura o creme, logo, em estados onde a elite pratica outras modos, o crime se veste de Armani da Oscar Freire ou da Savassi, ou desfila o estandarte da Escola de Samba da moda.

Carnaval em SP era igual a cabeça de bacalhau, a gente sabia que existia, mas ninguém nunca vira. Por isso que não merece destaque na literatura sócio-antropolológica essa promiscuidade, mas não quer dizer que não exista.

O grosso da base de cretinos como Ricardo Teixeira estava em SP, é só olhar os nomes implicados recentemente na investigação da Fifa…A Federação Paulista bebeu fortemente nessa fonte de poder que o futebol representa.

Como a mediação que o carioca gosta de “vender” é, digamos, “lúdica”, com os chavões praia, futebol e carnaval, SP e outros estados puderam aperfeiçoar a sacanagem com um estigma de “profissionalismo”.

Isso foi muito possível porque a Globo inventava carioquices e paixões nacionais com olhar “carioca”, desde o Flamengo (de Zico & Cia) até o imaginário da cidade bela e violenta (que não era de todo irreal).

Já em SP e no resto do país não valia a pena destacar a violência porque não havia beleza para ser contrastada. Ou mercado para ser consquistado.

E assim o PCC prosperou e faz o CV, ADA e outras facções parecerem jardins de infância

O problema é multifacetado, e não pode ser resumido em um ou dois textos.

No Rio o rico vai na favela, bebe, cheira e confraterniza com o que ele ama odiar.

Em SP, deus-me-livre a madame do Morumbi entrar em Heliópolis.

Em MG o pó vem de helicóptero.

É tudo diferente.

Redação

11 Comentários

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  1. Qua! Qua! Qua !
    Mexeu! Mexeu! Meteu a mao na merda.
    Eh aquela velha historia. O samba veio da Bahia ou do Rio. Como colocor se o samba dos negros da Bahia fossem diferente dos negros do Rio.
    A politica brasileira do Rio e do resto di Brasil eh a mesma. Unico e unica a servico de grupos.
    Mexeu na merda.
    Parabens por conhecer o Brasil.
    E tem mais senhor!
    Muito bom.
    Principalmente nao escapa ninguem.

  2. Finalmente Nassif! Achei que

    Finalmente Nassif! Achei que vc só ia colocar na pagina principal do seu blog os comentários chapa branca, aqueles que “aprofundam” as “reflexões” do seu post.

    Venceu a insegurança? Falta postar o comentário do Fernando Brito. Vamos lá, coragem. Vc consegue…

  3. Excelente o comentário de

    Excelente o comentário de Mark Sandman, lembrou até a lavagem cerebral que a globo fez com o time de Zico, principalmente de 1980 a 1983.

  4. Interessante e provocador o

    Interessante e provocador o texto, mas há nele um erro conceitual grave, quando o autor embarca na canoa de boa parte da intelectualidade brasileira, atribuindo ao País um caráter patrimonialista, supostamente como a causa dos maiores males, vícios e caráter excludente que caracterizam a sociedade brasileira. Jessé Souza, no recente livro que lançou, intitulado “A tolice da inteligência brasileira”, desconstrói, com maestria,  essa falsa tese.

    O caráter bairrista atrapalha um pouco, podendo levar o texto ao descrédito por parte de leitores mais exigentes, eruditos e/ou formais.

    Sou mineiro e vivo no Rio há seis anos. Vou destacar, citando, um parágrafo extremamente corajoso, que eu tinha ouvido apenas de uma pessoa. E que jamais vi escrito ou ouvi ser dito por qualquer pessoa, seja no rádio ou na televisão. “E o que falar de Sandra Cavalcanti os mendigos jogados com as pernas quebradas no Rio da Guarda, ela mesma herdeira do legado lacerdista?”

    No mais a contundência da crítica social e política se mostra apropriada.

    1. Vc nunca ouviu isso escrito ou dito? Tava dormindo até hoje?

      Eu mesma disse isso no post do André Araújo, de ontem ou anteontem… Nao citei a Sandra, que é menos conhecida fora do Rio, citei o chefe dela, o próprio Lacerda. Fora isso, novidade nenhuma…

      1. Sim, Anarquista

        Sim, Anarquista Lúcida. 

        Sobre Carlos Lacerda, o corvo, todos falam e escrevem. Mas Sandra Cavalcanti passa despercebida de muita gente, como se ela não tivesse nada a ver com o episódio.

        E  hás de convir que é bem diferente o peso que adquire uma declaração ou um texto quando publicado como artigo (ou post, como tem sido chamado o texto de opinião veiculado em meios eletrônicos como a internet), se comparado a um simples comentário como o teu e o meu.

        Reitero que é corajosa a atitude de nominar pessoas públicas que ordenaram ou foram cúmplices de bárbáries, como tortura e morte de mendigos.

        Outros tipos de barbárie continuam a ocorrer, como o assassinato sistemático, pelas PMs, de negros e pobres, que habitam as favelas e periferias das cidades. Infelizmente isso não é novidade, mas rotina. A propósito: sugiro que pessoas como tu ou o autor deste artigo escrevam sobre a proteção que é dada a policiais que cometem crimes, como estes que molestaram quatro jovens em Santa Teresa, que sequer têm o nome divulgado pela imprensa. Polícia é força do Estado; se policiais cometem crimes, temos aí crimes de Estado. Como esquecer aquele episódio no  Morro da Providência, em que policiais colocaram uma arma nas mãos de um jovem por eles assassinado, simulando uma troca de tiros que não houve. A maioria dos episódios registrados como “autos de resistência” é, na verdade, execução sumária. E para proteger os policiais corruptos e criminosos não faltam programas de rádio e televisão, além das páginas dos chamados “jornalões” e “revistonas”. São Paulo e Rio de Janeiro, que quase sempre são bairristas e puxam a brasa, cada um, para sua sardinha, neste caso deixam de ser ‘competidores’ para se tornarem cooperadores. O que há de pior do Rio é importado por São Paulo e vice-versa.

         

        1. Concordo com vc em praticamente tudo…

          Apenas nao citei Sandra Cavalcanti porque achei que pessoas de fora do Rio, ou do Rio mas com menos de 50 anos, nao saberiam quem ela é, ao passo que o Lacerda, que foi o grande responsável, é conhecido.

    2. Ainda que tardia a réplica,

      Ainda que tardia a réplica, por motivos que não interessam dizer aqui, aí vai:

      Eu não remeto ao patrimonialismo a causa de todos os males, eu apenas o identifico como fenômeno e parte dos problemas, como relação de causa e efeito recíproca, no máximo.

      O patrimonialismo é parte do problema e importante fator.

  5. SENSACIONAL…

    é tudo e são todos a mesma merda

    uns ganham muito dinheiro, outros, não perdem, apenas adiam o tempo de ganhar

    tudo a mesma bosta, podridão

    uns nus e sujos a vista e outros a esconderem com seus trajes de gala

  6. Muito bom o comentário de Mark Sandman…

    Muito bom o comentário de Mark Sandman. Faltou uma citação do político Garotinho, que  bradava aos quatro ventos que no estado do Rio de Janeiro não existia sequestros, e falava ainda que a polícia paulista devia fazer um estágio no Rio de Janeiro. E no Rio de Janeiro havia todo tipo de crime e em grande quantidade, mas não havia sequestros naquela época.

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