A Independência e o Brasil sem rumo, por Aldo Fornazieri

“Ostensivamente ou não, a ideia que de preferência formamos para nosso prestígio no estrangeiro é a de um gigante cheio de bonomia superior para com todas as nações do mundo. (…) Não ambicionamos o prestígio de país conquistador e detestamos notoriamente as soluções violentas. Desejamos ser o povo mais brando e o mais comportado do mundo. Pugnamos constantemente pelos princípios tidos universalmente como os mais moderados e os mais racionais.”

Sérgio Buarque de Holanda

            O pronunciamento da presidente Dilma alusivo aos 191 anos da nossa Independência é a expressão mais acabada de que o Brasil não consegue pensar-se enquanto nação. Dilma fez um discurso conjuntural, centrado nos problemas comesinhos do dia-a-dia – uma espécie de propaganda do seu governo. Nenhuma palavra acerca do significado da nossa Independência, do nosso caráter enquanto povo, do nosso destino enquanto nação.

            Foi um discurso decepcionante, encadeado na corrente histórica de uma elite política que só consegue pensar em duas coisas: ou nos interesses dos grupos que representa ou na continuidade de seu grupo no poder. Nada foi pronunciado sobre o que o Brasil pretende no contexto de um mundo globalizado; nada sobre os caminhos do Brasil no enfrentamento da crise internacional; nada sobre os desafios ambientais no momento em que os limites do planeta ficam cada vez mais evidentes; nada sobre os desafios tecnológicos e do conhecimento ou sobre a corrida estratégica na busca de novas fontes energéticas renováveis e a necessidade de uma economia mais descarbonizada.

            Dilma não conseguiu falar sobre o caráter da nossa democracia, que vive impasses evidentes, marcada por uma corrupção estrutural, por um sistema político que dá sinais de esgotamento, por uma representação que não consegue fazer uma reforma política, por um sistema tributário regressivo que tira dos pobres para dar aos ricos. As reformas de que o Brasil precisa não foram mencionadas. Falou-se apenas nos Pactos que não são pactos, pois são programas de governo pactuados por ele mesmo. Dilma não mencionou a necessidade de uma reforma do Estado que não consegue ser operativo e não apresenta resultados satisfatórios na prestação de serviços públicos e na garantia de direitos. Enfim, Dilma precisava ter dito que a nossa democracia precisa de uma enorme infusão de  eficiência e de igualdade e justiça, pois continuamos sendo um dos países mais desiguais do mundo.

            Nada foi dito também em relação ao que o Brasil pretende com seus vizinhos. Talvez isso se deva ao tato de que hoje, junto com a Argentina, gerenciamos uma massa falida que é o Mercosul. A suposta liderança brasileira na região é meramente declaratória. Não conseguimos construir instituições regionais sólidas, não somos capazes de construir uma unidade forte com nossos vizinhos com o objetivo de posicionar melhor a região no cenário mundial e não estamos dispostos a pagar qualquer preço por uma liderança efetiva, que saiba fazer concessões para integrar.

            Darci Ribeiro disse que “nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étcnico-nacional, a de brasileiros”.

Identidade se explicita em unidade, equilíbrio, justiça e igualdade. Não é isso que vemos no Brasil. A elite branca paulista, por exemplo, odeia o Bolsa Família. Quem tem Bolsa Família não vê portas de saída. A forma como estamos nos fazendo é lenta e dolorosa. A nossa brasilidade, é carente de conteúdo, é pouco mais que uma ninguendade. Darci Ribeiro imaginava que seríamos uma nova Roma, com todas as suas virtudes. Não somos. A República romana construiu a liberdade e o equilíbrio, com o escudo, com o elmo e com o gládio, expandindo os valores da civilização. Nós escravizamos os africanos e afro-brasileiros, dizimamos os índios e mantemos uma desigualdade brutal. Continuamos negando serviços públicos decentes e direitos efetivos para milhões de brasileiros.

            O dia da Independência é um dia excepcional pelo seu caráter fundante. Qual o significado da nossa Independência? Não sabemos muito bem. A fizemos, permanecendo manietados a Portugal e à Inglaterra. Ela veio sem a liberdade. Dilma não invocou o significado da nossa Independência. Se não a invocamos é porque ela não teve nenhum sentido heroico. A invocação é fundamental nos momentos de tragédia ou nos momentos constitutivos da grandeza e das conquistas, pois os momentos significantes do passado servem para retificar a nossa conduta no presente e indicar os caminhos do futuro. No concerto das nações, Independência significa autodeterminação e soberania. A nossa soberania foi violada pela espionagem norte-americana recentemente. Nosso orgulho foi ferido. Mas parecemos uma nação sem orgulho ao constatar que a nossa líder maior nada disse acerca disso no dia da comemoração da nossa Independência.

            O discurso de Dilma se dissipou no gás lacrimogêneo que foi lançado contra manifestantes no dia 7 de Setembro. Se algum significado teve a comemoração da nossa Independência neste ano, este está nos protestos e nas escaramuças de rua. Mesmo sem propósitos muito claros, os manifestantes mostraram que pulsam sinais de vida em nossa brasilidade. Não são os sinais daqueles que estão protegidos pelas polícias, pelas forças armadas pelos altos cargos. São os sinais de alerta de que o Brasil precisa ter rumos, precisa construir um sentido, uma comunidade de destino ou um destino manifesto. Se quisermos ser uma República virtuosa, apta a construir suas virtudes e grandeza, precisamos refundar nossa brasilidade refundando nossa República.

Aldo Fornazieri  écientista político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

 

 

Luis Nassif

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Política

    Concordo.

    Não escutei o discurso, nem precisa escutar, pois tenho certeza que foi feito para as elites e imprensa do país. Discurso diferente não cabe ao momento vivido pelo país, para estes cheira ao comunismo.

    Digo mais, o povo que está aqui (resultado de governos fracassados, serviço público viciado, empresários sem visão e pouca ou nenhuma chance de mudança para melhor), não tem condições de mudar os rumos do país. 

  2. Não penso como o articulista!

    Não penso como o articulista! Dilma fez um discurso relacionado com o presente. É preciso ver que os agentes externos e internos vem procurando desestabilizar o governo, fomentando a incorporação de elementos radicais de direita nos movimentos legítimos como o MPL. Após essa manifestações a mídia que está praticamente toda (existem raras esceções) contra o governo trabalhista, veio com uma onde muito forte de pessimismo com evidente objetivo de jogar merda no ventilador. Diante de uma situação dessa, a Presidente mostrou ao povo que o Brasil não está na situação que a mídia inconsequente apregoa. Mostrou que o Brasil vem procurando firmar sua independência por todos os ângulos. Falou uma linguagem simples e fácil de ser entendida pelo povo. Dizer o contrário é querer uma linguagem rebuscada e profunda, não cabível no momento que se apresenta. Portanto, nota 10 ao discurso da Presidente nas condições em que comemoramos a data da independência do Brasil. Independência que somenteestamos sentindo, verdadeiramente, na última década.

  3. Um exemplo da falta de visão

    Um exemplo da falta de visão estratégica da presidenta (e não venham me dizer que ela não lutou até o fim para que isto acontecesse):

     

     Em discurso durante a solenidade em que sancionou a nova Lei dos Royalties, a presidenta Dilma Rousseff afirmou que o país passa por “um processo de emancipação”. “Estamos implementando dois pactos: em saúde e educação, pedras fundamentais do processo. O que fica [da nova legislação] é tornar irreversível a superação das desigualdades neste país. Vamos assegurar um patamar de desenvolvimento similar ao dos países desenvolvidos.”

    Ela explicou durante a cerimônia, hoje (9), no Palácio do Planalto, pensar numa perspectiva entre 35 a 50 anos.”

    Ah, e chamar o Mercosul de massa falida fica bonitinho por escrito, mas é uma daquelas simplificações que de tão simplificadas acabam escondendo a verdade.

  4. Elvira do ipiranga?

    Arff…

    Desde meninota, titia ouve chacotas com o hino nacional, e aquele outrozinho horrivel, o da independência…As crianças, que como dizia o bruxinho Cazuza, “na sua inocência cruel e seus comentários desconcertantes” já previam tudo…

    O nosso movimento de Independência, sabemos, foi um acordão, fiel a nossa tradição “cordial” (pelo coração), privatizando conflitos e os sublimando, como disse o citado, Buarque de Hollanda…

    Mas eis que vem este aí a dizer que Dilma deveria (re)significar seu discuro com o adorno do mito fundador, extrapolando conceitos abstratos e distantes…”refundando a brasilidade”, “república virtuosa”…

    Aonde este troço se realiza senão apenas nas propagandas teóricas que as nações fazem de si mesmas…???

    No “concerto das nações”, quem ousou conseguir a tal virtuosidade????

    Queria o articulista um novo grito do Ipiranga…????

    santo deus, meus sais…!!!

    A mulher passou dois meses nas cordas, apanhando como boi fugido, e na primeira janela de oportunidade, ao invés de falar  para dar a volta por cima dos abutres, deveria construir um imaginário de nação, que nem o autor parece saber bem qual é….????

    “refundar brasilidade”???? Que catzo é isto?????

    Com certeza, titia aposta sua vassoura nisto, o bruxo Darci Ribeiro é uma das grandes referências culturais e intelectuais de nosso país, talvez mais pela sua ação e figura de coerência que pelo trato acadêmico, mas com toda certeza, o trecho citado é horroroso…o articulista foi escolher o que há de pior de Darci…pensando bem, o texto não merecia uma citação melhor…seria jogar pérola aos porcos…

    Este povo não é um amontoado de mestiços sem consciência de si, ao contrário: apanhou, morre de homicídio a taxas afegãs por ano, a maioria de pobres e pretos(quiçá mestiços), espancou e espanca mulheres, privatiza e particulariza a coisa pública, e tudo o que fez foi resistir, seja lá em Canudos, seja de maneira torta com Lampião, nas favelas, etc…

    A violência usada para conter este povo foi descomunal, e justamente porque ele tinha consciência de si…e ainda tem…por isto não estava este povo nas ruas, quando foram as ruas os coxinhas e blackbobocas…

    Desta forma, o que se dissipou no gás lacrimogênio não foi o discurso presidencial…o que se esvai ali foi a farsa montada por mídia e os batcoxinhas, associados aos médicos playboys e outros debilóides…

    Dilma sabe exatamente disto, e talvez esteja aí a explicação porque ela é a presidenta e o articulista é…é quem mesmo, politicamente falando???

    Este pessoal da USP não se emenda mesmo…não é à toa que o “melhor presidente do país de todos os tempos” saiu de lá…

    Ave, ffhhcc…

  5. Análise descontextualizada

    Análise correta se estivéssemos falando do Brasil ideal, onde existisse uma agenda mínima de comum acordo com as elites dominantes.

    Mas parece que não há o mínimo consenso no Brasil, cada gesto do governo é atacado ferozmente pelo conservadorismo, o que resulta num governo cujas políticas progressistas são minimizadas ao essencial e ao possível.

    Portanto o analista abstraiu o Brasil real para poder fazer sua crítica e sua crítica ficou barata, fácil e inútil. O mundo a que se refere o analista ainda está por ser feito a partir das condições que ele prefere ignorar.

    Att

  6. Uau!! Nunca vi tanta

    Uau!! Nunca vi tanta boçalidade em um único comentário!!

    Pelo visto não falou só sobre um discurso que não ouviu, mas de muita coisa que não estudou!!

    Parabéns!!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador