Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A mecânica quântica nas relações humanas no filme “Coherence”, por Wilson Ferreira

Em uma noite amigos se reúnem para um jantar regado a vinho. Um cometa cruza o céu. O físico austríaco Schrödinger em 1935 imaginou a famosa experiência do gato preso em uma caixa para ilustrar os paradoxos da mecânica quântica. O filme “indie” “Coherence” (2013) junta esses três elementos para criar um dos mais inventivos roteiros dos últimos anos. Complexos conceitos da física quântica como “sobreposição”, “entrelaçamento” e “decoerência” são transferidos do mundo subatômico para as tensões das relações humanas. E se todos naquele noite estiverem na mesma situação angustiante do gato de Schrödinger? Mas também pode ser a oportunidade de realizar o sonho da segunda chance e corrigir as escolhas erradas de uma vida.Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

A Teoria da Relatividade e a Física Quântica foram descobertas científicas que não só transformaram o cenário do mundo mecânico e linear da física newtoniana. Abriram uma brecha na Razão para a possibilidade de, em algum lugar no tempo e no espaço, existir a possibilidade de a vida nos oferecer uma segunda chance: em algum universo paralelo, em alguma realidade alternativa, seja no passado, presente ou futuro, a possibilidade de corrigir erros, voltar no tempo e fazer a coisa certa.

A exploração desse tema no cinema através de lapsos temporais ou emaranhados quânticos é constante e a lista é extensa: De Volta Para o Futuro (1985), Peggy Sue: Seu Passado A Espera (1986), Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993), Contra o Tempo (Source Code, 2011) Efeito Borboleta (2004), Click (2006), Deja Vu (2006), About Time (2013), só para ficar em alguns mais recentes.

O tema da segunda chance já estava presente desde a literatura do século XIX com o Sr. Scrooge de Christmas Carol de Charles Dickens ou na jornada interdimensional de Alice de Lewis Carroll. Mas ainda o tema ainda estava restrito ao Fantástico e o Sobrenatural. Com Einstein, Heidenberg e Bohr, finalmente esse tema passou a ter uma verossimilhança científica.

A ficção científica indie Coherence, dirigido e escrito por James Ward Byrkit, é outro filme que se aventura por essa senda temática. Mas nesse caso, de forma inventiva, mostrando como é possível fazer muito com tão baixo orçamento: um mix do espírito sci fi e terror da série original Além da Imaginação (Twilight Zone, 1959-1964) com a famosa experiência imaginária do gato de Schrödinger de 1935 que tentava de interpretar a mecânica quântica aplicada aos objetos do cotidiano.

O Filme

Um grupo formado por casais e conhecidos chega para participar de um jantar em uma bela casa em algum subúrbio do norte da Califórnia, na noite em que um cometa passará na proximidade da Terra e será visível a olho nu. Apresentam-se uns aos outros, bebem, conversam, dão risadas. Mas aos poucos as coisas começam a ficar estranhas – os celulares perdem o sinal e as telas racham, Internet fica inacessível e, por fim, acaba a energia.

Toda a vizinhança alcançável pela vista está na completa escuridão. Tudo parece ser efeito da passagem do cometa. Mas estranhamente somente uma casa está com as luzes acesas. Ela tem um gerador? Será que lá haveria um telefone fixo para poderem contatar o mundo?

Uma dupla de amigos decide ir até a casa iluminada encontrar respostas. Mas retornam com questões ainda mais perturbadoras: trazem uma caixa com as fotos de todos com uma numeração correspondente na parte de trás. E o que é mais insólito: viram através da janela daquela única casa iluminada o que seria os seus próprios duplos em uma outra versão alternativa daquele mesmo jantar.

É o máximo que podemos dizer sobre a narrativa do filme para evitar um grande spoiler.

A Física e o Cometa

A grande sacada do filme é que o sci fi de Coherence muitas vezes parece se aproximar do terror ou de um thriller, mas não há violência – a grande fonte de inquietação é filosófica: os personagens começam a ficar assustados com o que eles não sabem e depois com as implicações do que descobrirão. Não o medo pela integridade das suas vidas (embora haja um risco), mas as incertezas sobre a identidade de cada um.

O espectador perceberá que a narrativa aos poucos irá se aproximar da personagem Emily, uma bailarina cuja carreira sofreu um revés que não é muito bem especificado – ela parece frustrada pelas escolhas profissionais e amorosas que fez na vida.

Em meio à paranoia e tensões pessoais que naturalmente crescem numa situação dessa, um alto e barbudo chamado Hugh tenta entrar em contato com seu irmão que é físico e está familiarizado com os efeitos terrestres da passagem do cometa. Sem Internet ou celular encontra um livro de Física dele, com apontamentos para uma aula na Universidade. As anotações versam sobre a célebre experiência imaginária do gato do físico austríaco Schrödinger.

O gato de Schrödinger

O físico austríaco tentou através dessa experiência visualizar as implicações do estranhíssimo e aparentemente ilógico mundo das partículas subatômicas – uma mesma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Schrödinger quis trazer esse paradoxo subatômico para uma situação fácil de ser visualizada: um gato está preso numa caixa que contém um recipiente com material radioativo e um contador Geiger. Se o material soltar partículas radioativas e o contador detectar, acionará um martelo que, por sua vez, quebrará um frasco com veneno, matando o bichano.

         

De acordo com as leis da física quântica, a radioatividade pode se manifestar tanto como onda quanto partícula. Ou seja, na mesma fração de segundo, o frasco de veneno quebra e não quebra, produzindo duas realidades probabilísticas simultâneas. Segundo o raciocínio, as duas realidades aconteceriam simultaneamente dentro da caixa, até que fosse aberta – a presença de um observador e a entrada da luz intervindo nas partículas acabariam com a dualidade.

Ambas realidades existem simultaneamente dentro da caixa. Mas existe a chamada “decoerência quântica” que garante que essa situação “decaia” para um dos resultados: vivo ou morto. Isso impede que os “dois gatos” das situações diferentes interajam entre si.

O que faz todo o grupo no filme chegar a uma hipótese perturbadora: todos ali (será que o planeta também?) estão dentro de uma espécie de caixa de Schrödinger. E eles são o gato!

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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