A coisificação dos “recursos humanos” no discurso das corporações, por Cesar Monatti

Open-Air-Konzert des Sinfonieorchester Wuppertal am 12. Juli 2013 ab 20:00 auf dem Laurentiusplatz, Wuppertal. Geboten wurde St

A luta dos trabalhadores assalariados se desenrola em muitos campos de batalha ao mesmo tempo. Há muitas frentes para atender e é compreensível que algumas delas sejam pouco assistidas, deixando flancos abertos para a invasão e a imposição das forças do poder econômico hegemônico.

Uma dessas forças é o conjunto de produtores de conhecimento e informação na área de administração do trabalho.

Desse modo, a força e as relações de trabalho das atividades econômicas de aplicação intensiva de mão-de-obra, ao sabor de cada nova moda do setor, vão sendo apropriadas pelo léxico acadêmico e pelo glossário das consultorias, em linha direta com os centros de pesquisa e ensino de administração de onde constantemente fluem conceitos, metodologias e terminologias. Estas últimas costumam refletir as ondas de escolas predominantes na abordagem dos temas do mundo do trabalho e da administração de empresas, sendo adotadas por essas e impingidas a todos por meio do vocabulário do dia a dia das corporações.

No Brasil, por exemplo, os trabalhadores assalariados já foram algum dia designados como operários, funcionários, empregados, etc., chegando até ao atual e insuportavelmente cínico ‘colaboradores’. O conjunto dos trabalhadores já deixou há tempos de ser chamado de “pessoal” para ser tratado como “recursos humanos” e sendo visto e tratado pelos empregadores, à distância segura do ambiente de trabalho, até como “capital humano”.

A importação do estrangeiro, sem tradução, de inúmeros destes conceitos caminha no mesmo sentido e direção. As demissões maciças se transformaram em “downsizing“; copiar  a concorrência virou “benchmarking“; a agenda de contatos profissionais também se converteu, pelo mesmo processo de substituição do substantivo pelo gerundismo anglófilo, em “networking“.

Por outro viés, o da transposição incondicional da lógica das atividades esportivas de alta performance para o mundo do trabalho, chegou-se a mais algumas distorções deliberadas da linguagem com fins de impor uma visão artificial das relações empregador e empregado. Nessa vertente, conselheiros profissionais foram nomeados “coachs“, equipes de trabalho estão sendo denominadas ‘time’ – nesse caso, ‘apenas’ um consagrado anglicismo, em vez do termo original “team” – e treinadores e esportistas de alto desempenho são assíduos palestrantes em eventos de “desenvolvimento e capacitação”. A tentativa de supervalorizar a ideia de competição no emprego e, o que é pior, a indução de uma obrigação extracontratual de cada um seja um “craque” nas suas funções, condição reservada a ambientes rarefeitos e multimilionários dos esportes profissionais de massa, nunca a grupos heterogêneos de pessoas comuns que tem objetivos simples como manter uma fonte de renda que as permita viver com dignidade.

Epítome da intenção subliminar desse massacre verborrágico ao qual está exposto o assalariado das grandes corporações e até de médias e pequenas empresas, talvez seja o termo “resiliência”, usado intensivamente nos dias atuais, arrancado diretamente da ciência e da engenharia de materiais.

A resiliência (do latim ‘resilire’, i. e. volta ao estado natural) é entendida como a capacidade dos materiais de “acumular energia quando submetidos à pressão… absorver o impacto… voltar ao seu estado inicial sem sofrer deformações”.

O salto deste conceito da física para o âmbito das relações de trabalho se dá por meio de uma metáfora forçada e capciosamente carregada da pretensão de, depois de incrustar-se na comunicação institucional das corporações, se autodestruir e transformar-se em realidade como critério de avaliação de desempenho profissional e, daí em outra metáfora:  uma espada sobre a cabeça do empregado.

Por que? Porque com o conceito vem, cuidadosamente agregado, o alerta dos “especialistas” de que “…o mercado de trabalho precisa, mais do que nunca, de profissionais elásticosgente que, mesmo depois de submetida a dor, tristeza e decepções, não “desmonte”, mas que, ao contrário, após recuperada volte até mais forte  por serem indivíduos de “alta resiliência“. Vale dizer, como se fossem uma barra de aço ou um cassetete de borracha.

É assim, dessa forma abstrusa para a maioria dos trabalhadores submetidos à desfaçatez desse copioso e intensivo palavreado pós-moderno, que se desvela, no período cotidiano das oito às dezoito horas do dia, a total responsabilização do indivíduo sobre a impossibilidade de alcançar a excelência profissional desejada pelo seu empregador e o sentimento de culpa pela própria incompetência de cumprir a ordem implícita que recebe por meio do discurso corporativo:

Não sois homens! Máquinas é que sois!!

Redação

11 Comentários

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  1. Vi nesse texto

    a velha teoria de marx da Mais Valia sob novas palavras americanas, só inventaram termos novos para a exploração do trabalhador…

     

    PS: gostaria de que se possível esse jornal explicasse o pq de odiar tanto sp…

      1. Não é por causa do texto

        percebi lendo esse site várias críticas mutas vezes ácidas e até exageradas a são paulo e principalmente aos paulistas, como se o povo do interior e o da capital fossem a mesma coisa(e tem muitas diferenças)

         

        optei por perguntar em outro artigo para não começar ou extender discussão inútil e bairrista

  2. Novos nomes para velhas

    Novos nomes para velhas práticas. O fim da escravidão não foi bem absorvido pelas corporações e os pensadores da produção. O fator humano assalariado passou a ser um custo que o capitalista não teima em aproximar a zero de qualquer forma.

  3. Nada se cria. Tudo se copia…

    O texto é bom, sobretudo, diante desse mundo globalizado, cheio de incertezas e mudanças constantes, diriam os “especialistas”.

    Bom pessoal, ops, colaboradores,  apenas com  intuito de colaborar sem querer ganhar nada com isso,( sem contraprestação , portanto)  tenho a dizer-lhes  o seguinte:

    Seria bom  conjugar o conteúdo deste texto com o das diversas  “análises econômicas”.

    Juntar GURUS da administração e da economia.

    Em seguida, chamar os jovens, isto é, a força de trabalho jovem,  para ouví-los.  

    O “barro mole” ( jovens da força de trabalho flexível geração x, y, z , alfa, beta)  vai ficar sabendo o que é bom e o que não é bom para eles. 

    Seria uma maravilha não?

    Rumo ao progresso!

  4. Reengenharia, reboçalidade, re-estupidez.

    Através de terceiros (jovens, estagiários e recém-formados), tomei conhecimento das novas práticas de seleção de trabalhadores. Humilhantes, boçais e aplicadas por energúmenos com pós-graduação em qualquer universidade de terceira classe dos Estados Unidos. Lembram-se da reengenharia aplicada na IBM nos anos 90? A empresa quase faliu por causa do modismo, seus funcionários fieis viraram mercenários, ninguém mais fica na empresa 10, 20 anos, um ou dois anos e arrumam melhores salários e dão no pé. Faz quinze anos que a IBM quer voltar à estaca anterior e não consegue. Já foi ultrapassada pela Microsoft (????), Apple, vendeu sua divisão de impressoras, de lap top (para a Lenovo) e sabe-se lá se terá o mesmo fim melancólico da PanAm. Por sinal, ambas eram azuis…

  5. O mais triste dessa questão do RH

    é que para todas as vagas o cara praticamente tem que ter nascido sabendo como trabalhar na área e tem que ser o sonho da vida dele na entrevista trabalhar naquele cargo, enquanto parentes do dono da empresa(muito comum em pequena e média empresa) ocupam cargos estratégicos cometendo sucessivos assédios morais aos funcionários que realmente trabalham…

  6. Um horror!

    Tem muita gente ganhando dinheiro com mudanças de nomes de cargos, tarefas, setores, etc. sem contudo mudar um pingo da produção e seus custos. O pior é que parece que o grande empresário não percebe que essa gente gera muito custo e pouco lucro.

    De minha parte fico fulo da vida quando sou chamado de “colaborador”, pois tenho orgulho de ser um TRABALHADOR. “Colaborador” é o secreto pai verdadeiro do idiota que inventou essa sacanagem.

    Um abraço.

  7. essa linguagem enviesada dita

    essa linguagem enviesada dita pos-moderna é o epítome

    – síntese – de todas as manipulações que acabam transformando

    o trabalho numa coisificiação, num mecanismo de desumanização das pessoas.

    note que as teorias  do valor e da mais-valia nem mais são cogitadas em

      qualquer análise economica  atuamentel.

  8. COLABORADOR

    … “colaborador” me lembra “colaboracionista” !!! Tenho pavor desse eufemismo.

    E quando o presidente de uma empresa escreve que eles buscam “colaboradores” que amam o que fazem e não que queiram ganhar dinheiro?? E que a demissão em massa (ou downsizing”, como aprendi lendo do artigo) tinha a vantagem para os demitidos de poderem repensarem suas carreiras ? Pois é, é real.

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