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A rentabilidade das grandes empresas de capital aberto e a `Ponte para o Futuro`

É fundamental que políticas econômicas despertem o animal spirits do setor empresarial para alocar recursos no capital produtivo ante ao capital financeiro.

Ben Goossen

Blog: Democracia e Economia

A rentabilidade das grandes empresas de capital aberto e a `Ponte para o Futuro`

por Leandro de Almeida Monteiro, Carmem Feijó e Luciano Luiz Manarin D´Agostini

A economia brasileira está estagnada. Desde a recessão de 2015-2016 o PIB não recuperou o nível de 2014. Apesar da pandemia em 2020, o resultado do PIB em 2021 recuperou o nível de 2019, porém este permanece inferior ao de 2014. A estagnação da economia tem como contrapartida a deterioração nas condições do mercado de trabalho. Desde 2016, o país registra taxas de desemprego de dois dígitos. Em 2021, a taxa média de desemprego aberto foi de 13,2%, sendo que da população empregada, 40,7%, encontrava-se na informalidade, ou seja, em empregos de baixa qualidade.

Por outro lado, conforme o gráfico, a taxa de lucro das empresas de capital aberto listada na bolsa de valores (utilizamos o Return on Equity – ROE – como uma proxy da taxa de lucro) sinaliza crescimento a partir de 2016 até antes da pandemia, ou seja, a partir da recessão de 2015-2016 observa-se um descolamento da taxa de lucro média das empresas com respeito ao crescimento do PIB e ao decréscimo da taxa de investimento.

Taxas de crescimento do PIB, taxa de investimento e taxa de retorno sobre patrimônio (ROE), 2010-2020 %.

Fonte: IBGE: Contas Nacionais Trimestrais e Comissão de Valores Mobiliários (CVM); elaboração própria.

Por que o aumento da taxa de lucro das grandes empresas não se manifestou em retomada da taxa de investimento e do crescimento do PIB? Em 2015, o ROE das empresas de capital aberto foi, em média, 1%, e alcançou 19% em 2019. A taxa de investimento da economia, em contrapartida, passou de 17,8% para 15,5%. Em paralelo, a taxa de crescimento do PIB permaneceu estagnada. Em tese, a imobilização de recursos em ativos de baixa liquidez e de retorno a longo prazo demanda uma alta expectativa de retorno e elevada confiança nas expectativas. Quando as expectativas de retorno não são suficientemente atraentes, a opção é por investimento em ativos mais líquidos e de retorno mais rápido.

Assim, uma primeira análise é comparar a taxa de retorno de ativos financeiros com a taxa de lucro. Na Tabela abaixo comparamos o custo médio de emissão dos títulos do Tesouro Nacional (que são indexados à IGPM, IPCA e SELIC) com a taxa de lucro das empresas listadas em bolsa medida pelo ROE. A partir das rentabilidades, procuramos analisar, sob a ótica das empresas, as opções de alocação dos recursos financeiros. Podemos sugerir que quanto maior o custo médio de emissão dos títulos públicos em relação ao ROE, menor é o incentivo das empresas a investir em ativos fixos e maior é o incentivo a investir no circuito da financeirização do capital, uma vez que o prêmio de risco pelo animal spirits é reduzido. Por outro lado, quanto maior o ROE em relação ao custo médio dos títulos do tesouro, maior o incentivo ao investimento.

Tabela: ROE, ROE sem receita financeira, ROE da receita financeira e custo médio das emissões do Tesouro Nacional: média de períodos selecionados

2010-20142015-20202010-2020
ROE7,4%9,5%8,5%
ROE sem Receita Financeira5,0%2,9%3,9%
ROE da Receita Financeira2,4%6,6%4,7%
Custo médio emissões Tesouro11,2%10,8%10,9%

Fonte: CVM (Dados abertos CVM). Elaboração própria.

Entre 2010 a 2020 o ROE apresentou taxa média anual de 8,5% e a taxa de retorno dos títulos do tesouro, aplicação financeira considerada de baixo risco, foi de 10,9%. Tal resultado indica uma tendência de financeirização do capital das empresas analisadas, porque o retorno sobre o investimento financeiro supera o retorno do investimento produtivo, este que gera renda e empregos.

Mais um indicativo de avanço da financeirização pode ser visto comparando as taxas do ROE sem receita financeira, ou seja, uma proxy do lucro operacional, e o ROE das receitas financeiras de 2010-2014 e 2015-2020. No primeiro período, a média do ROE sem receita financeira foi de 5%, sendo superior ao ROE da receita financeira de 2,4%. Ou seja, 32,4% do ROE total (7,4%) é explicado pela receita financeira contra 67,6% advinda da receita operacional. No segundo período a média do ROE sem receita financeira foi de 2,9%, sendo inferior ao ROE da receita financeira de 6,6%. No período, 69,4% do ROE total (9,5%) passou a ser explicado pela receita financeira contra apenas 30,6% advinda da receita operacional. Assim, verifica-se uma mudança estrutural de concentração do ROE.

Por fim, considerando a última coluna (2010-2020), vemos que a taxa média do ROE de 8,5%, quando decomposta em ROE sem receita financeira (3,9%) ficou abaixo do retorno dos investimentos financeiros das empresas (4,7%). Ou seja, conclui-se que o peso dos investimentos em ativos financeiros aumentou, pois somente os retornos dos investimentos financeiros das empresas foram capazes de entregar um retorno maior que o próprio ROE ´produtivo´, uma vez que a economia se encontra estagnada. Não à toa, a taxa de retorno dos títulos do tesouro supera todas as demais taxas (ROE, ROE sem receita financeira e ROE da receita financeira).

Sobre o aumento do retorno financeiro das empresas relativamente ao retorno operacional, a partir de 2015, interpretamos que as reformas liberais aumentaram os lucros financeiros, principalmente após a implementação da agenda do governo conhecida como ´A Ponte para o Futuro`. Lembrando que na agenda foram implementadas novas regras de contratação da mão de obra, flexibilização do mercado de trabalho, regras fiscais pelo Teto de Gasto e outras reformas. A expectativa do governo era que o ambiente de negócios menos regulado proporcionaria a retomada do crescimento econômico com geração de emprego. Mas isto não ocorreu. Assim, os ganhos financeiros funcionaram como um colchão de manutenção/aumento da rentabilidade para empresas.

Portanto, não basta recuperar a taxa de lucro da economia. É fundamental que políticas econômicas despertem o animal spirits do setor empresarial para alocar recursos no capital produtivo ante ao capital financeiro. Para isto é necessário que políticas econômicas consistentes ofereçam confiança de modo a induzir a imobilização de recursos por longo período.

Leandro de Almeida Monteiro , Carmem Feijó, Luciano Luiz Manarin D´Agostini – Pesquisadores do FINDE e respectivamente, pós-doutorando na Universidade Federal Fluminense (UFF), professora na UFF e professor no Instituto Federal do Paraná (IFPR).

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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  1. As operações financeiras tornaram-se volumosas e diversificadas de tal maneira, que traz uma multiplicação bastante difícil de ser disputada com relação a outros investimentos. A valorização de determinados papéis oferece retorno em dado nível, sem desgaste e não tendo elevados riscos, que fica cada vez menos atraente investir na construção de algum negócio que além do trabalho e do risco, apresenta baixo retorno.
    O entrelaçamento dos mercados possibilita a movimentação de recursos numa variedade de aplicações, que mesmo empresas acabam sendo mais seduzidas a esses tipos de investimentos. Empresas de capital aberto divulgam os resultados, enquanto outras não. Quem tem capital para investir, só fará isso caso a taxa de retorno estimule. Investimentos não financeiros, ou produtivos, para o grande capital não vão ocorrer, ao menos em grande intensidade. Em outras categorias com menos comprometimento de valores mesmo com informalidade, a necessidade obriga fazer alguma coisa.
    Se o cenário não mudar, crescimento só no próximo século. Inflação, juros subindo, renda em queda, sem inversão de todo o quadro o rumo do País permanecerá o mesmo.

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