Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A simplicidade descolada, coxinhas 2.0 e os novos neoconservadores, por Wilson Ferreira

Diga adeus a nomes de pratos requintados e ornamentais da culinária francesa, se despeça de bikes de alta performance, abandone esportes de elite. Agora prefira osso buco e rabada, bicicletas caloi 10 dos anos 1970 reformadas e peladas regadas a cervejas artesanais. O coxinha evoluiu para a sua versão “sustentável”: a simplicidade descolada. Eles são os novos tradicionalistas, uma simplicidade estudada e “descolada”, isto é, de grande valor agregado no mercado cultural. Sua psicografia é hoje explorada pelo marketing tanto político como de consumo – ele aspira a simplicidade, pureza e renovação, muito mais por atitudes do que por ações. Por isso, é campo fértil para crescer o neoconservadorismo: a aversão à Política como algo complicado e, por isso, suspeito e corrupto.

Assim como os Pokemons evoluem para se adaptar melhor às batalhas nos game cards, da mesma forma o chamado “coxinha” parece ter evoluído para fazer frente às críticas e rejeições que sempre marcaram a sua cena social: evoluiu para a “simplicidade descolada”, um novo tipo humano aparentemente mais “consciente”, antenado e sintonizado aos novos tempos mais politicamente corretos e sustentáveis.

Essa sua nova roupagem, esse verdadeiro coxinha 2.0 é o protagonista de uma série de programas da grande mídia e seguido por um séquito de fiéis jovens que se distribuem em inúmeras áreas onde exibem seus requintados gostos pela “simplicidade”: gastronomia, bebidas, futebol, bicicletas, moda etc.

Ele pode parecer à primeira vista inofensivo pela sua simplicidade e despojamento nos seu modo de trajar, gostos e opiniões, mas não se engane: como o termo desse novo espécime da fauna urbana designa, sua simplicidade é descolada, quer dizer, meticulosamente estudada nos seus efeitos. Por isso acumulou um grande capital cultural (ajudado pela grande mídia que o celebriza diariamente) o que acabou, paradoxalmente, convertendo-se num signo de distinção. A simplicidade torna-se cara e valorizada no mercado cultural.

Rodrigo Hilbert: a simplicidade
descolada na cozinha

Como veremos abaixo, essa simplicidade descolada se manifesta cultural e esteticamente pelo gosto ao retro e de hábitos culturais do passado, mas não num sentido criativamente irônico e debochado como fazia o pastiche dos pós-modernos. Agora, é no sentido do apego ao tradicional. Eles são os novos tradicionalistas.

Politicamente, manifesta-se no novo tipo de conservadorismo: o da anti-política, por achar a política muito complicada e, por isso, obscura, suspeita e, por isso, corrupta.

O simples descolado aspira pela simplicidade por ver nela pureza e inocência.

A nova gastronomia descolada

Diga adeus a chefes franceses, nomes de pratos rebuscados e a gastronomia ornamental. Osso buco, rabada, dobradinha, pertences de feijoada outrora rejeitados como língua e orelha entram em cena como requintadas iguarias.

Rodrigo Hilbert é o melhor exemplo dessa simplicidade descolada. Modelo, ator e figurinha carimbada no glamour das festas em publicações sobre celebridades, em sua programa na GNT Tempero de Família Hilbert bravamente maneja panelas de ferro, fogões a lenha e churrascos de fogo de chão antes de uma pelada regada a cerveja com os amigos – amizade é uma dessas coisas simples da vida.

Jeans (variando para bermudas cargo), camiseta, sandálias havaianas e barba estudadamente por fazer compõem essa tipologia do simples descolado.

Como Hilbert diz, era fascinado pela “comidinha” (o diminutivo é sempre importante no léxico desse espécime urbano-midiático, como, por exemplo, “bistrozinho”) da sua avó na infância em Santa Catarina, e, por isso, acabou se apegando à simplicidade da cozinha brasileira.

Expressões como armazém ou empório passam a designar com um ar retro mercados com produtos de alto valor agregado como produtos naturais, vegans, casas de queijos, vinhos ou pequenos mercados hortifrúti “orgânicos” para a classe média alta – coisas naturais e simples, porém, bem caras.

Felicidade está na simplicidade

A simplicidade descolada almeja a felicidade
através da pureza e inocência

Rapidamente o marketing capturou essa tendência do simples descolado. “O que faz você pra ser feliz?”, pergunta a rede Pão de Açúcar, com um jingle cantado por Clarice Falcão – ela própria uma musa dos simples descolados, com um jeitinho tímido e com um look de brechó. Rende o seu tributo musical ao estilo que inspira os simples descolados: a música indie-folk norte-americana.

Como os comerciais do Pão de Açúcar mostram, a felicidade está na simplicidade (correr, tomar chuva, rir de qualquer coisa etc.) e a decoração das lojas da rede dizem simbolicamente isso com cenários das lojas simulando rusticidade e os entregadores  com boina francesa tradicional pedalando bicicletas com baú dianteiro, emulando os entregadores do comércio de início do século XX.

Mas, é com o comercial do Itaú que a simplicidade descolada adquire tons mais épicos: “#issomundaomundo”, vemos em hashtag na comunicação do banco. O mundo mudará a partir de ações simples e básicas como andar de bike, contar estórias para crianças ou ouvir música. Aliás, a verdadeira música que agrada o simples descolado é a ideia de que cada uma faz a sua parte nas coisas simples do dia-a-dia.

E por que isso soa como música? Por que é simples e básico, sem a obrigação  do simples descolado ter de se comprometer em ações coletivas de transformação como militância política. No máximo um like no Facebook ou a confirmação em um evento na rede social do qual se esquecerá no próximo post. Ele passou a ser um “agente de mudança” porque “tomou uma atitude”.

“Eu fiz a minha parte”

Mudar o mundo é 
uma coisa simples?

“Eu fiz a minha parte” é o mantra da simplicidade descolada, repetido para qualquer tema que exija posicionamento como meio ambiente, política, trânsito etc. Por um lado foge da pecha de alienado por supostamente ter consciência da pauta dos grandes problemas sociais e, ao mesmo tempo, se esconde nas supostas pequenas ações que mudam o mundo, como se o Todo fosse a simples soma das partes – bom… mais aí discutir isso é muito complicado para um simples descolado.

Podemos especular que a simplicidade descolada é uma reação das classes médias à ascensão da chamada classe C ao consumo de itens  antes restritos como o automóvel, restaurantes, shoppings e aeroportos. Se agora os novos egressos na sociedade de consumo almejam ostentar marcas e grifes, as classes médias reagem ao tornar desejáveis a simplicidade, o básico e o consumo “consciente”.

Essa simplicidade meticulosamente requintada e estudada já conta com guardiões de controle de qualidade  da “tradição” da simplicidade como, por exemplo, em reality shows gastronômicos na TV como MasterChef da Band ou Cozinheiros em Ação do GNT. Cozinheiros amadores são desafiados a fazer pratos populares como galinhada goiana, moqueca de pirarucu ou risoto caipira e julgados por chefs famosos que passam a ditar o padrão de qualidade da “simplicidade”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

19 Comentários

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  1.   Putz… seu Wilson não

      Putz… seu Wilson não deixa pedra sobre pedra, hahahahaha

      O chato é que descobri que eu era simples e não sabia. Mais uma vez eu fiquei tanto tempo no mesmo lugar que a “moda” deu a volta ao mundo, pôs as mãos nos meus olhos e disse “adivinhe quem é?”.

    1. Hahaha… bem por aí.

      O Wilson é muito bom mesmo, destroça sem perder a elegância e deixa pouca margem para contestações.

      Como estou fora da urbe, não sou 2.0. Mas moro numa cidade descolada, muito visitada pelos descolados coxinhas paulistas. Agora mesmo está ocorrendo um grande evento na cidade, o Ecofashion, festival internacional de “moda sustentável” onde, apesar de dar espaço para uma arte autêntica, reciclável e/ou artesanal, mantém o espírito de estímulo ao consumo e à renovação estética como mola propulsora da vida…

      http://www.paratyecofashion.com.br/

      Bom, agora vou a praia nadar com meu cachorro e depois vou terminar de consertar meu “portãozinho” de madeira e em seguida fazer uma bela “tortinha” de massa podre com queijo minas e “tomatinhos” frescos e… ixi… isto foi algo coxinha 2.0 ?

  2. novas velhas mercadorias

    A simplicidade e as calorias das receitas do Rodrigo são daqueles tempos do duro trabalho na agricultura. Um prato daqueles em qualquer situação impõe jejum, ramadan (é politicamente correta esta menção?) após o atrevimento.

    Para os marqueteiros está aberto um novo filão de vendas, o vintage comprado a peso de ouro, porem sem se desfazer daquela bike importada e tão chamativa.

  3. Entre o poder  das bombas e o

    Entre o poder  das bombas e o poder da persuação, esta última é preferível. Reconhecer que somos manipulados é o primeiro passo para a autenticidade. Não é um caminho fácil, principalmente por não termos conciência de todas as linhas que direcionam nossos movimentos. Mas é um caminho bonito.

  4. Tava pensando em reformar a

    Tava pensando em reformar a minha Caloi 10. E agora, eu que não sou “descolado”? 

    Vou parecer um velhote da “antiga” classe média?

  5. Qual o problema de

    Qual o problema de valorizarmos o que é nosso? De glamourizarmos nossas tradições culinárias? Para mim isto é um passo à frente. Texto ranzinza. Texto típico de quem acha que a culpa dos problemas do país é dos brancos, paulistas, de olhos clarios.

  6. tempo fora do tempo, cada

    tempo fora do tempo, cada tempo trem

    suas superficialidades

    que criam e recriam modas consumistas..

    conheci uma prrofessora universitária

    que resumiu a apoliticidade de alguns jovens:

    eles têm os neurônios no dedos, disse ela. .

  7. mais uma dos descolados

    apresentadora de programas esportivos chmando jornalistas  burros velhos de mais de 50, 60 anos de “meninos”..essa coisa de usar o diminuitivo indiscriminadamente tb enche o saco..

  8. Esse assunto dá samba, mas dá

    Esse assunto dá samba, mas dá tanto samba que nem sei como começar e como acabar. Se voltar a ele, vou tentar resumir algumas coisinhas para resumir num comentário. Se fosse referência conhecida, começaria com a definição de Canclini para os países periféricos, em que todos viraram subúrbios de Hollywwod. Isso já dá um bom resumo, para começar.

  9. Latrina chique retrô tradicionalista: tendência futura

    Daqui a pouco esse pessoal da cozinha chique retrô tradicionalista que acha legal assar pão enrolado em folha de bananeira, esquecendo que suas avós faziam isso lá no interior porque não contavam com utensílios domésticos, vai achar chique usar como babnheiro uma latrina escavada na terra, como também faziam os avós que moravam na zona rural. Daí teremos nos programas de TV chiques os arquitetos chiques ofertando dicas de como construir uma latrina ecológica em seus quintais. Chique no último.

    1. Bason é a solução

      Quando trabalhei com turismo comunitário em localidades isoladas (e paisagísticamente lindas) estimulávamos a construção cooperativa de banheiro secos, chamados Bason. Simples, baixíssimos custos e higiênicos. Ótima tendência pra aliviar o Rio Tietê e Baia do Guanabara…

    1. Nada de brincadeira.

      É análise. E das boas. Semiótica. Eu já tinha reparado umas coisas, sabe? Mas nunca tinha pensado (muito) a respeito. O texto artcula bem as diversas faces do fenômeno, mostra algumas nuances, enfim, dá nome aos bois. Valeu!

    2. Não passa de uma brincadeira

      O primeiro equívoco está em ver neoconservadorismo na preferência por cervejas artesanais. Onde fica o anticonservadorismo? Na preferência pelo mijo engarrafado da ambev?

      O gosto pela comida tradicional também não significa apego irracional ao tradicionalismo, muitas dessas receitas se tornaram tradicionais por serem gostosas de fato. Comer é um dos prazeres da vida, é um instante que vemos sonegado, roubado mesmo, da grande maioria no cotidiano de suas jornadas de trabalho, na correria imposta pelo sistema.

      Existe hoje um movimento que valoriza essa culinária como proposta de justiça e inclusão social. É um movimento que vê com simpatia a luta dos que buscam sobreviver no campo, apóia os pequenos agricultores, a agricultura familiar, critica o modelo de segurança alimentar das multinacionais do agronegócio e as porcarias que eles impõem como ração para alimentar as massas populares como gado.

      Sinto muito, mas vejo reacionarismo nessa visão conformista com a realidade que nos é imposta, que enxerga nas imposições do capital uma marca de “progresso inevitável”, sem alternativa, o negócio seria relaxar e gozar diante desse estupro denominado de “progresso”. Então, seria “retrô” se alimentar com hábitos e culinárias do passado, apoiar camponeses que lutam pela terra, agricultores que recusam a “modernidade” agro-mercantil, com seus venenos, com suas químicas e comidas de matéria plástica; “progressista” seria almoçar todos os dias em pé, encher o bucho com junk-food, mal mastigada e engolida as pressas com ajuda de refrigerantes hiperaçucarados, para que tenhamos mais tempo disponível para se dedicar ao “progresso” que nos traz o capital. Comer é o segundo prazer. Culinária é cultura. Coxinha é quem não esboça reação ao modelo alimentar do capital.

      Slow Food segundo seu fundador:

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=dqdzvQ2wpO0%5D

  10. A culpa é da imprensa!

    Quaquaquaquaquá! 

    Como em tudo, a culpa é da imprensa, povoada hoje por jovens incultos e iletrados, que dão destaque apenas a seus iguais. Eles não sabem (porque não lêem) que não existe cultura (de qualquer tipo e nível) sem autenticidade. 

    Parabéns, Wlison, por mais um texto excelente! 

  11. HaHa o ser humano está

    HaHa o ser humano está ficando sem opções de saída, do novo. A nossa luta constante para sermos genuínos, autênticos, nos tornou redundantes. Esse “simples descolado” é a deprimente tentativa de certas pessoas de se sentirem a frente, superiores, inalcançáveis… O que as leva a copiar um estilo de se vestir, de comer, de pensar, de pessoas de um passado que nem sequer tinham a intenção de se tornar referências para esse tipo de coisa. Fazemos-nos-ei uma analogia de zumbis com estereotipados.

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