A tentativa de implantação do populismo qualitativo no Brasil, por Cesar Monatti

“O futuro nos reserva um populismo qualitativo via TV ou Internet, no qual a reação emocional de um grupo seleto de cidadãos pode ser apresentado e aceito como a Voz do Povo.”

Umberto Eco, 1995.

Alguns atentos suecos, conhecidos de um brasileiro que vive na Escandinávia, vendo pela televisão as imagens das manifestações contra o governo federal deste último domingo, comentaram: “poxa, quantas senhoras loiras de óculos escuros no protesto !!!!”

É óbvio que não se pode simplificar a realidade das massivas aglomerações Brasil afora a ponto de identificar uma prevalência “biotípica” entre os grupos que foram às ruas dia 12 de abril. No entanto, tampouco é possível negar a predominância “sociotípica”, confirmada, para além da observação de estrangeiros alheios aos conflitos intestinos do país, por entrevistas e levantamentos de campo divulgados nos dias seguintes aos protestos.

E do ponto de vista da apropriação da narrativa dos eventos por meio da grande mídia familiar-corporativa brasileira, observou-se o imediato esforço dos seus porta-vozes para afirmar, apoiados numa “pesquisa de opinião” publicada às vésperas das passeatas, que, independentemente do enfraquecimento da participação nas ruas, ficou demonstrado que “a maioria é contra o Governo Federal”.

Esse é apenas um exemplo recente de uma estratégia que vem se desdobrando há tempos, daquilo que se pode chamar de implantação de um populismo qualitativo no país. Nesse contexto, vão-se às favas quaisquer escrúpulos fundados no exercício profissional do jornalismo ou das inúmeras áreas de conhecimento de “especialistas” convocados a reverberar com argumentos “de autoridade” a opinião dos barões da mídia e da classe social a que aqueles pertencem.

De fato impressiona a desfaçatez daqueles que sustentam o argumento falacioso de que, em cerca de apenas cem dias, cinquenta e quatro milhões de votos possam ser substituídos, como respaldo democrático, por uma amostra – e os estatísticos sabem muito bem o quanto os critérios de amostragem são determinantes para os resultados de qualquer pesquisa – de entrevistados tomados em local e números selecionados arbitrariamente pelos “responsáveis técnicos” pelo suposto estudo.

Na medida em que se escancarou a postura oposicionista, numa qualificação amena, da grande mídia familiar-corporativa, não haverá maiores surpresas se dentro de algum tempo os programas de televisão dominicais promoverem enquetes via telefone, mensagens SMS e internet com a pergunta se o espectador é a favor ou a favor de um processo de impeachment presidencial, mesmo sem qualquer fato gerador que o justifique.

O populismo qualitativo é uma das características daquilo que Eco chamou de protofascismo, ou fascismo eterno.

Redação

12 Comentários

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    1. O FUTURO ?

      Respondendo a sua ironia: não, não estamos bem!  O que temíamos já aconteceu… o futuro previsto pelo visionário e brilhante Humberto Eco virou o presente.

  1. Plantar e depois colher

    A imprensa velhaca desinforma o cidadão com informações enviezadas e depois colhe a opinião deles sobre essas “informações” como “interesse da maioria”. Se os jornalistas, como figuras medonhas das redações, fossem mais espiritualizados, saberiam o que os aguardam na outra vida, um umbral bem escuro e pavoroso. Não podem querer mais do que isso já que se fizeram de pedras de tropeço. 

  2. Quer mudar a biotipicidade da

    Quer mudar a biotipicidade da manifestação? É só dar um sanduíche de mortadela, condução e algum $$$ que enchem a Paulista com uns 3 milhões….

    1. Meritocrácia trolleana

      Ah, é! Então ficamos assim, defensores do governo vão na base da mortadela e os coxinhas, na vontade popular e no patriotismo…. Civismo não, porque não conhecem o significado.

      Cada idiota que aparece!

      A oposição precisa parar de pagar por produtividade…

  3. O golpismo virou meme

    Antes, a direita metia medo.

    Ai de quem afrontasse o seu desatino.

    Havia a voz virulenta dos lacerdas

    (hoje tem tio-rei e constantino,

    mainardi, merval e outras merdas),

    o silêncio dos generais era funesto

    (hoje ele é indiferente,

    recolhido, com pinta de honesto),

    mas havia também uma eficácia triste:

    os reaças contavam com um arsenal,

    fuzis apontados para você.

    Havia algo além do verbo radical

    dos jornais, do rádio e da tv:

    a direita caçava sem piedade,

    as tropas matavam fácil.

    Com brucutu, canhão e baioneta,

    perfilados, tomavam palácios.

    Quando urdiam, mudavam a realidade,

    O golpe dava certo, não havia treta.

     

    Hoje tudo mudou.

    No golpe contemporâneo,

    o revoltado branquelo

    deixou de meter medo,

    virou gelatina, virou farelo.

    Como se fosse espontâneo,

    põe na globo logo cedo,

    folheia a revista veja,

    veste tom verde-amarelo

    e parte pro descarrego,

    com sua lata de cerveja.

    A tv esquenta o pessoal,

    os demônios vêm pra rua,

    enquanto na rede social,

    rimos do mundo da lua.

    Eles dizem não ter chefe,

    batem continência, batem no peito,

    mas seu tiro é festim, mequetrefe,

    não merecem respeito.

    Hoje, na cara dura,

    o discurso do bem e do mal

    canta Vandré e a ditadura,

    perdeu o que tinha de eixo.

    Hoje mulher mostra a teta,

    tira selfie com milico,

    japonês joga playstation

    e musculoso paga mico.

    Pra animar a micareta,

    o que antes era tanque,

    virou carro de som gigante

    financiado nos states

    com dinheiro de mutreta.

    Neste moedor de conceitos

    que é nosso mundo atual,

    na era fluida dos memes

    em que tudo virou nada,

    o golpismo tomou pau,

    é motivo de piada.

     

    https://jornalggn.com.br/blog/johnnygo/o-golpismo-virou-meme

     

  4. Umberto Eco nos brindou com

    Umberto Eco nos brindou com esta análise .E também a observação destas loiras de óculos escuros : um primor !

    O Estado  precisa  apresentar uma rede educativa ,e por na rede privada inserções educativas !

    Chega de tanta porcaria nas concessões públicas de radio e TV.

  5. Pois é, só falta uma pesquisa

    Pois é, só falta uma pesquisa da Datafolha ou de qualquer outro instituto, servir de argumento para se tirar uma presidenta recém eleita.

    Sem dúvida que num contexto específico em que o afastamento se torne uma alternativa consistente, e não golpe, puro e simples, uma pesquisa de opinião é um fator, entre outros, que compõe o quadro. Mas virar um argumento a favor, é má-fé da pior espécie.

    No dia que a democracia ficar dependendo de pesquisas de opinião de circinstância, já era. É exatamente isso que o brilhante Umberto Eco diagnosticou. Facismo populista baseado em movimento manadas, que são volúveis como nuvens. Oportunismo anti-democrático.

    É quase como o Bial colocar a Dilma no paredão, para o pessoal votar. 

  6. e sem dizer que a pesquisa é falsa

    e sem dizer que a pesquisa é mais falsa que nota de três cruzados.

    antes eles iriam se apoioar em alguma matéria que saiu na Veja, mas com a veja está desacreditada e esta não cola mais, agora invemtaram de sair com uma pesquisa fajuta, que ninguem sabe, ninguem viu…

    realmente eles se superam a cada dia, querendo fazer as pessoas de trouxa. 

     

  7. O facismo dos grupos de mídia

    Brilhante a análise de Cesar Monatti sobre a mídia brasileira. Chega a ser constrangedor  ver as caras e bocas dos jornalistas, principalmente da Globo, esforçando-se para que suas indignações convençam o telespectador de que elas são reais, que a corrupção no país vai acabar assim que o PT for retirado do poder, democraticamente ou não. O próprio Aécio disso isso em um dos debates: “Quer acabar com a corrupção? basta tirar o PT do governo”. Alguem acredita nessa tolice? as manifestações contra o governo mostra que sim, indicando que a ditadura da mídia está conseguindo manipular a opinião de algumas pessoas desatentas ou de outras que queiram, de fato, se beneficiar com os ataques ao PT.  Resta às pessoas honestas, sérias, responsáveis que queiram, de fato, combater  a corrupção, olharem as estatisticas da CGU, PF, MPF e constatar qual governo efetivamente tirou esse tema do discurso e o viabiliza com ações inequívocas. Qual foi o órgão que desencadeou a operação Lava-jato? O COAF, criado no governo Lula para acompanhar operações financeiras suspeitas. Quem investigou a suspeita? A Policia Federal, sem sofrer nenhuma interferência do Ministério da Justiça, a qual é filiada, o que permitiu apurações livres de influência do governo. Quem vai denunciar os membros do governo e os parlamentares suspeitos de terem cometido  crimes? O Procurador Geral da República, que é papel do governo indicar, mas o PT tem preferido nomear aqueles escolhidos pelo próprio Ministério Público Federal, mesmo que muitas vezes o escolhido tenham  certa afinidade com os partidos da oposição e tentem usar o cargo para prejudicar o governo ou proteger algum membro da oposição. Isso talvez explique porque  o Procurador atual não quis investigar Aécio Neves, o mesmo que disse que basta acabar com o PT para acabar com a corrupção, mas que foi acusado por Alberto Youssef de receber 100.000, por mês de propina das empreiteiras que prestavam serviços à FURNAS durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A mídia  ditatorial e esquizofrênica escondeu  essa denuncia da população, mostrando que para ela acabar com a corrupção é deixar de divulgar os crimes  de seus aliados. As investigações contra a quadrilha de grandes empresários que fraudaram a receita em 19 bilhões de reais é outro testemunho desse fato. O valor desviado é dez vezes maior do que os desvios praticados na Petrobrás mas a mídia não divulga com a mesma ênfase pois envolve empresários amigos e ninguém do PT está envolvido. Essa mídia, de forma perversa, quer fazer a população acreditar que acabar com a corrupção é não denunciar, é não investigar, é aparelhando a policia federal ou escolher um Procurador Geral da República  que não apure e não denuncie ninguem ligado ao grupo que ele representa. O cidadão honesto, que quer combater a corrupção, precisa aprender a escapar dessa rede de intrigas e de sonegação da verdade; precisa fazer um grande exercício de paciência para buscar informações  em fontes mas comprometidas com a verdade, coisa rara nos dias de hoje. Evidentemente O Globo, A folha, o Estadão,Revista Veja, estão longe de serem boas fontes de notícias quando o assunto é política, corrupção, justiça. Cabe a nós procurar incessantemente, analisar com espírito crítico o que vem sendo noticiado contra o governo. Essa semana fui um pouco além e decidi cancelar minha assinatura do UOL, um bom provedor de e-mail, mas, por ser do grupo da Folha de São Paulo, sua página principal de notícias vem radicalizando a cada dia sua perseguição ao governo do PT, a ponto de convocarem e estimularem as pessoas a participarem das manifestações. Como  assinante do UOL eu me senti financiando, contra minha vontade, o golpe contra a democracia que eles estão patrocinando. Espero que outras pessoas tenham a mesma percepção e cancelem seus vínculos com esses grupos… 

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