A via social-desenvolvimentista como alternativa à estagnação, por Flavio Lyra

A VIA SOCIAL-DESENVOLVIMENTISTA. A ALTERNATIVA À ESTAGNAÇÃO

 

por Flavio Lyra (*), no Portal LN

Uma avalanche de propaganda liberal-internacionalizante, associada a uma intensa campanha de combate à corrupção, sob a batuta da grande imprensa brasileira, articulada com a imprensa internacional, desabou recentemente sobre a população brasileira e o governo do PT, produzindo estragos consideráveis na vida econômica e política do país.

Aproveitou-se a conjuntura internacional desfavorável e a incapacidade política interna de articular os agentes econômicos cujos interesses poderiam dar sustentação a uma alternativa de política econômica, para desencadear uma campanha de amplo espectro, destinada a soterrar de vez quaisquer possibilidades de o país enveredar por uma via alternativa, que a da integração internacional dependente.

As forças econômicas e políticas que poderiam dar sustentação a uma reorientação da política econômica foram flagrantemente derrotadas no primeiro conflito aberto havido desde os anos 90, a partir de quando as reformas realizadas no país se orientaram claramente para fortalecer o papel do mercado e dos capitais internacionais na condução dos destinos da sociedade brasileira, sob a orientação do FMI e do Banco Mundial.

A campanha prestou-se muito bem para transmitir a falsa impressão de que a estagnação econômica, o descontrole dos preços, o desequilíbrio nas contas externas e o déficit, foram consequência da má gestão governamental e não inerentes ao modelo de política econômica liberal-internacionalizante que vem sendo imposto ao país desde os anos 90 e cujo traço mais saliente é o processo de desindustrialização.

Talvez, pela primeira vez, tenham ficado evidenciados os três núcleos de poder em torno dos quais se desenvolve a vida econômica do país: o núcleo da classe trabalhadora; o núcleo das grandes empresas nacionais privadas e estatais; e o restante da economia, que se organiza em torno do núcleo do sistema financeiro privado, com sua íntima articulação com o núcleo externo, sob o comando dos Estados Unidos.

É este último núcleo que tem comandado a política econômica do país, desde o início dos anos 90, sob a forte influência do núcleo externo de poder comandado pelos Estados Unidos, e por seus agentes internacionais (FMI e Banco Mundial), impondo uma política econômica que cerceia as possibilidades do país de avançar industrialmente e que fortalece os vínculos de dependência unilateral frente ao mercado internacional de bens e de capitais.

A mudança de governo no Brasil em 2003, não foi suficiente para permitir inaugurar uma nova abordagem de política econômica. A crise, na qual estamos mergulhados, mostra claramente que alternativa neoliberal que nos vem sendo imposta a ferro e fogo não representa uma saída efetiva compatível com o aproveitamento do potencial do país.

Os bons resultados alcançados nos dez anos iniciais do presente Século, especialmente na área social, foram apenas o reflexo de uma conjuntura internacional favorável, que dificilmente se repetirá. Desse período de bonança, entretanto, restou um passivo imenso em termos de destruição de nossa base industrial e de regresso a uma estrutura de comércio exterior fortemente apoiada em produtos primários.

É possível que a orientação liberal-internacionalizante, que está no comando da economia consiga, ainda por algum tempo, impor à sociedade brasileira os custos de uma política econômica nitidamente recessiva e orientada para reduzir o papel do Estado na economia, cuja preocupação central no momento é transferir para a classe trabalhadora os custos da recuperação da competitividade industrial.

Mas, não haverá como recuperar o processo de crescimento, mantida a propensão do modelo atual de favorecimento da concentração financeira nos bancos e investidores privados, que se alimentam das altas taxas de juros peculiares ao modelo.

Fica, cada vez mais, evidenciado que a via do social-desenvolvimentismo é o único caminho para aproveitar o grande potencial da economia brasileira e que, no plano político, a sustentação da política econômica que a viabilizará estará na dependência de um pacto político que associe os interesses da grande indústria nacional e da classe trabalhadora.

A grande indústria nacional, pela grande importância que tem o mercado interno para sua existência e projeção internacional, tenderá normalmente a se afastar da orientação liberalizante internacional, pois ela significa a abertura do mercado nacional ao capital estrangeiro. As grandes empreiteiras de obras públicas, as grandes indústrias siderúrgicas a petroquímica, a indústria do cimento, o complexo industrial formado pela indústria do petróleo e da indústria naval, são todos segmentos produtivos fortemente apoiados no mercado interno, cuja projeção no mercado internacional depende do sucesso alcançado no mercado interno.

Por seu turno, a classe trabalhadora não poderá continuar no futuro se beneficiando dos preços favoráveis de bens importados com base numa taxa de câmbio apreciada e com o financiamento de capital estrangeiro, dependendo a melhoria de suas condições de vida essencialmente da recuperação da dinâmica do mercado interno, com a retomada do processo de industrialização.  

A alternativa da via social-desenvolvimentista, embora sob forte pressão momentânea, continuará sendo nos próximos anos, por razões de ordem estrutural, a única que atende aos interesses da classe trabalhadora e da grande indústria nacional.

Entretanto, é muito provável que se desenvolva uma luta política muito intensa entre os defensores do atual modelo de política econômica orientado para integração dependente nos mercados internacionais e as forças políticas que buscam uma via de desenvolvimento com maior autonomia em relação ao núcleo de poder comandado pelos Estados Unidos.

A convergência de interesses entre a classe trabalhadora e as grandes indústrias nacionais pode vir a dar sustentação a um pacto que possibilite viabilizar a substituição do atual modelo de política econômica, mas envolverá certamente grande disputa política, pois o atual modelo goza da simpatia dos Estados Unidos e de organismos multilaterais sob sua influência, assim como de setores importantes da vida econômica  nacional que gravitam em torno do núcleo de poder do sistema financeiro, como é o caso do Agrobusiness.

A possibilidade real e concreta de o país encaminhar sua vida econômica por uma via diferente da atual, que permita conciliar o avanço no processo de desenvolvimento com a continuação de realizações em favor da melhoria das condições de vida da população, existe. Materializá-la entretanto, é uma tarefa árdua e conflituosa, um verdadeiro desafio para o mundo político, que poderá não estar à altura de enfrentá-lo.

As forças que lutam para a manutenção e aprofundamento da via liberal-dependente, estão entrincheiradas, organizadas internamente, e contam com forte apoio internacional. Seus interesses são, entretanto, contraditórios com os interesses da classe trabalhadora e da grande indústria nacional, que têm na alternativa social-desenvolvimentista o único caminho desejável.

A grande campanha realizada contra o governo, o PT e os segmentos da grande indústria nacional, embora tenha justificativas legais para sua existência, não é de maneira alguma um fato acidental, mas sim um conjunto de manobras bem articuladas entre interesses internos e externos voltados para fragilizar os núcleos de poder da classe trabalhadora e das grandes indústrias nacionais e impedirem sua articulação. Articulação que vem sendo promovida, através da ação do BNDES, da PETROBRAS e de outros bancos públicos, na contramão dos interesses dos núcleos de poder que giram em torno do sistema financeiro privado e do governo dos Estados Unidos.

A campanha ainda em marcha tem objetivos muito claros no plano internacional contra a consolidação de um núcleo de poder organizado em torno dos BRIC’s e, na América do Sul, contra o fortalecimento do MERCOSUL-UNASUL, entidades que podem jogar importante papel no aumento do grau de autonomia do Estados nacionais para perseguirem a via social-desenvolvimentista.

Na Economia, assim como na Geologia, é preciso ir além dos movimentos que são observados na superfície para entender a real natureza dos fenômenos sociais e sísmicos que movem a realidade.   

(*) Economista da Escola da UNICAMP. Ex-técnico do IPEA.

Redação

6 Comentários

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  1. via socialista-neoliberal como alternativa de mão única

    A via social-desenvolvimentista como alternativa à estagnação, por Flavio Lyra

    ora ora…

    chega de neologismo político-teológico-doutrinário pra confundir cada vez mais as ideias e atrasar mais a tomada de decisão do governo bola da vez bola pra frente que atrás vem chinesada gafanhoto…

    tá bom assim, tá de bom tamanho a nova via político-econômica de mão única político-teológica criada pelo governo dilma mais lula richelieu mais o glorioso partido dos trabalhadores:

    um regime de governo mão trocada de via socialista-neoliberal.

     

     

  2. Putz. É preciso ter um pouco

    Putz. É preciso ter um pouco de paciência com estes economistas Vintage que parecem ter saído direto de uma “viagem” a Woodstock e pousado com um para-quedas psicodélico em plena crise do Brasil. Não sabem que hoje os capitais “nacionais” são vinculados estruturalmente aos internacionais? Que existe hoje um “troço” chamado Cadeia Produtiva Internacional que permite uma divisão tal que as economias mais competitivas são as que tem acesso aos bens mais competitivos do mundo inteiro? Que economia autárquica só serve para postergar uma derrocada inevitável mais adiante por pura “incompetência” e falta de produtividade da economia? Que competitividade não se faz com proteção, mas sim com ambiente físico e legal? Enfim, que trabalhador não quer saber de ideologia, quer saber de poder de compra? Precisamos ter paciência…

  3. Putz. É preciso ter um pouco

    Putz. É preciso ter um pouco de paciência com estes economistas Vintage que parecem ter saído direto de uma “viagem” a Woodstock e pousado com um para-quedas psicodélico em plena crise do Brasil. Não sabem que hoje os capitais “nacionais” são vinculados estruturalmente aos internacionais? Que existe hoje um “troço” chamado Cadeia Produtiva Internacional que permite uma divisão tal que as economias mais competitivas são as que tem acesso aos bens mais competitivos do mundo inteiro? Que economia autárquica só serve para postergar uma derrocada inevitável mais adiante por pura “incompetência” e falta de produtividade da economia? Que competitividade não se faz com proteção, mas sim com ambiente físico e legal? Enfim, que trabalhador não quer saber de ideologia, quer saber de poder de compra? Precisamos ter paciência…

    1. Concordo

      Alexandre, se você me permite, gostaria de fazer alguns comentários. Concordo que a atenção ao mercado interno e às indústrias nacionais não pode cair nessa visão de autarquia. 

      A economista Mariana Mazzucato, em “O estado empreendedor”, compara os resultados obtidos pelo Japão e pela URSS nas décadas de 70 e 80. O primeiro investiu 2,5% do PIB em inovação tecnológica, enquanto que a URSS investiu 4%. O Japão saiu-se melhor em termos de crescimento. Mazzucato, entre outras diferenças, aponta que o Japão esteve mais exposto às trocas internacionais, comprou tecnologias, enviou engenheiros para aprender nas empresas americanas, e depois criou modos próprios de organização da produção, diferentes do fordismo, diferentes do que se fazia nos EUA e na URSS. 

      Não há Estados bons e Estados maus. China, URSS, ìndia e África do Sul podem ter interesses estratégicos, geopolíticos, em suas relações com o Brasil. Essas relações podem torná-los mais fortes em suas interações com os EUA. e a Europa. O Brasil tem os mesmos benefícios. Porém, não devemos dar menos importância às relações com os EUA, a questão não é negociar ou não negociar, e sim como negociar.

      Outra questão importante de ser pensada é a relação do Estado com as empresas nacionais. Pelo que li até agora de história econômica, todos os países desenvolvidos protegeram, em certo grau, por certo tempo, setores escolhidos da indústria nacional – se não houvesse proteção, se existisse liberalismo puro e simples, não existiria OMC -, exemplos mais recentes: Japão, Coréia do Sul e China.

      A proteção dada às empreiteiras durante a ditadura militar levou á formação de um oligopólio de cinco ou seis empreiteiras, as chamadas barrageiras, que atuam não somente na construção das usinas hidrelétricas, mas em obras da Petrobras. E sabemos no que deu essa proteção, não é o caso de dizer que há convergência de interesses entre classe trabalhadora e indústria nacional. Na verdade, vemos que essas empresas são muito mais do que uma ameaça à democracia, a bem da verdade, não somente essas, Todo o processo foi muito bem estudado pelo historiador Pedro Henrique Pedreira Campos em “Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988” (Editora da UFF, 2014).

  4. Essa interpretação

    Guido Mantega tinha a obrigação de apresentar uma interpretação como essa, se é que ele concorda com ela, quando deixou o Ministério. Era importante um balanço, explicações sobre as medidas que adotou no governo. As polítcas de preços para combustíveis, para energia elétrica, as desonerações, a relação disso tudo com o que aconteceu na economia mundial… Estes são alguns exemplos. Eu me senti mal como cidadão, desconsiderado. Ficamos apenas com as declarações de Joaquim Levy, que simplesmente “acabou” com tudo o que foi realizado pelo antecessor. Houve até acusação de patrimonialismo. Com que argumentos eu fiquei para dialogar com os que criticam o governo?

    Comecei a ler “O estado empreendedor’, da economista italiana Mariano Mazzucato, e já nas primeiras páginas ela elogia a atuação do BNDES. Vamos ver se ela vai mostrar como o banco atua no sentido da inovaçao tecnológica, sentido no qual ela vê a grande importância da atuação do Estado. Para ela, a atuação em saúde e programas como o Bolsa Família é importantíssima, mas sua continuidade é garantida pelo crescimento, o qual vem fundamentalmente da inovação, do avanço tecnológico, avanço que depende de pesquisa, de organização de um sistema de instituições públicas e privadas que produzam inovações e, em relação com os diversos setores da economia, disseminem essas inovações. A leitura de um livro como esse é muito diferente daquela dos jornais e de sites como UOL e Estadão, as idéias são originais, não é a repetição diária da simplificação “ou Estado, ou mercado” , oferta-demanda, inflação-taxa de juros…, sem nenhuma discussão de projeto mais amplo de sociedade. Apenas interesses imediatos, de horizonte curto, de grupos econômicos. 

    Um rodapé: para Mazzucato, se entendi bem, não existe a separação entre Estado e mercado. O mercado nacional foi criado pela intervenção do Estado. Pensei, por exemplo, que para a existência do mercado nacional foi necessária a contrução, pelo Estado, de uma infra-estrutura de estradas para a circulação das mercadorias.

    Vale a pena ler o livro.

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