Ajuste recessivo e ilusões

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Nota do Brasil Debate

Há meses, opiniões amplamente veiculadas na imprensa acenam com a necessidade de um duro ajuste na economia do País em 2015, que seria fundamental para recuperar a confiança dos mercados e retomar o crescimento econômico.

Esse ajuste se apoiaria em um penoso aperto fiscal com corte amplo dos gastos públicos, e na forte elevação da taxa de juros para sinalizar a intolerância do governo com a inflação.

Além disso,os preços da energia deveriam ser reajustados e a participação dos bancos públicos no financiamento da economia ser reduzida.

Com o aumento da credibilidade da política econômica fruto do ajuste,aumentaria a confiança dos agentes, os investimentos seriam retomados e o crescimento retornaria ‘naturalmente’.

Impactos negativos

O tipo de medida sugerida, contudo,possui ao menos três impactos negativos sobre as decisões de produção e investimento que fazem com que dificilmente elas possam entregar os resultados prometidos.

Em primeiro lugar, o custo das empresas cresceria em razão da elevação dos preços da energia e dos custos financeiros,que aumentariam com a taxa básica de juros e com a redução da atuação dos bancos públicos na concessão de crédito direcionado em favor do financiamento privado realizado por um setor olipolizado.

O segundo impacto decorre da queda na demanda doméstica provocada pelo aumento dos gastos financeiros e com energia, que restringe a renda da população disponível para o consumo dos demais itens, e pela redução dos gastos do governo em um contexto de ajuste fiscal.

A demanda menor pressiona os custos com a diminuição das escalas de produção e reduz as perspectivas de lucratividade das empresas.

Além desses, a previsível apreciação cambial resultante da elevação da taxa de juros e da identificação de uma política econômica mais ‘amigável’ ao mercado reduziria ainda mais a competitividade da produção nacional, favorecendo sua substituição no próprio mercado interno pelo produto importado.

Com i.custos mais elevados, ii.demanda reduzida e iii.câmbio valorizado, por maior que seja a credibilidade na política econômica, a rentabilidade do investimento produtivo tende a ser baixa (especialmente quando comparada às taxas de juro maiores) ou mesmo negativa.

Nessa situação, ao contrário do que parecem crer os defensores das medidas ‘duras’, a postura natural do empresário não é a de investir e elevar a produção, que poderia encalhar gerando prejuízos,mas,ao contrário,a de reduzi-la,para adaptá-la às novas condições de demanda contraída.

Com o freio à atividade econômica fruto desse tipo de decisão, menos salários são pagos e lucros auferidos, reduzindo ainda mais a demanda e conduzindo o País à recessão.

No processo, as próprias receitas do governo também caem, pressionando o governo a reduzir seus gastos, o que tende, como ocorre hoje na Europa,a acentuar ainda mais a queda na atividade.

No curto e médio prazos, qualquer outro resultado do ajuste que não a recessão, mais ou menos profunda, é altamente improvável.

A espiral negativa eventualmente pode, com o tempo,vir a reduzir os salários de tal modo a recuperar parte da competitividade perdida em razão do aumento dos custos e da valorização cambial.

Com isso, e com a credibilidade do ajuste, esperam seus defensores o resgate dos investimentos e do crescimento econômico em um futuro não tão distante.

No entanto, além do sofrimento sempre injustamente distribuído que esse processo carrega, a retomada do crescimento nessas bases em um mundo em que países com baixíssimos custos salariais se inserem progressivamente na economia globalizada é, no mínimo,duvidosa.

Os benefícios apregoados do ajuste recessivo têm tudo para se mostrar apenas ilusões.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Ok. De fato.
    Mas então me

    Ok. De fato.

    Mas então me expliquem, por favor, como continuar com o pé no acelerador, mantendo o nível de consumo, sem (i) deixar a inflação crescer (mais), comendo a renda das pessoas que nao tem condições de comprar títulos do Governo, sem (ii) endividar ainda mais a população, que já está endividada, sem (iii) aumentar ainda mais a dívida pública, já que vocês defendem que nao é possível reduzir o gasto público de maneira alguma?

    É possível fazer isso?

    Se vocês pedem transparência com relação às consequências do aperto, podem, por favor, nos informar as consequência de não fazer o aperto, principalmente no longo prazo?

    Sim, pois me parece que (i) vocês não ligam para inflação alta, (ii) não ligam para o aumento do endividamento da população e para a boa situação dos bancos e (iii) não ligam de hipotecar o futuro das próximas gerações por conta do aumento da dívida pública.

    Ou seja, me parece que o “novo-velho” Governo está mesmo é preocupado com o curto prazo, pouco importando as condições do país no longo prazo.

    E ai? O que me dizem?

  2. Ou seja,

    deseja-se economizar alguns tostões, mas para isso se gastam milhões.

    Na verdade, “atrair capital estrangeiro” nessas condições é apenas atrair capital-lebre, ou especulativo, que ao menor sinal, trata de cair fora. Isto é, deseja-se transformar o sistema financeiro nacional em um cassino, onde quem cuida dos juros é o crupier-chefe.

    E é disso que o Brasil menos precisa e o eleitor sabe disso muito bem. Por isso não escolheu quem Naufraga!

  3. Não há saída dentro do tripé macroeconômico

    Nassif,

     

    Não há saída dentro do tripé macroeconômico.

    Mesmo que o austericídio não ocorra, a política fical não poderá liderar a retomada da economia. O mais provável é que seja levemente pró-ciclica para evitar a redução do rating e elevação dos custos de captação das empresas.
    Se a política fiscal não poderá auxiliar a retomada, a expansão do crédito mostra sinais de esgotamento.

    Desta forma, a única saída é pelo setor externo, o que deve requerer uma desvalorização mais profunda do real para retomar mercados externos e substituir importações. No entanto, a meta de inflação só foi cumprida quando o câmbio se apreciou ou houve contenção de preços administrados, o que o lado fiscal impede que seja praticado neste momento.

    Também pode-se questionar qual o ganho de credibilidade que o Banco Central obteve nos ultimos 10 anos de cumprimento da meta. Se não houve ganhos de credibilidade, a teoria do sistema de metas de inflação diz que não é possivel a redução dos custos envolvidos num ajuste do nivel de inflação.

    Portanto, o sistema de metas de inflação impede uma solução dos problemas macroeconômicos atuais e não oferece os beneficios defendidos pela sua teoria.

    O Brasil deveria desvalorizar o câmbio e administrá-lo, como faz a China que é o melhor exemplo de integração produtiva dos últimos 20 anos.

     

    1. Acho que a gente devia também

      Acho que a gente devia também abolir a democracia, perseguir opositores e monitorar a internet.

      Afinal, é assim que a China faz, com muito sucesso, há uns 20 anos.

      1. Como sofisma, muito gozado, ahahah

        Mas repare que já são a maior economia do mundo…

        E não fizeram nenhuma grande guerra para chegar lá.

        Nem aboliram democracias alheias, derrubaram ou mataram presidentes de outros países ou têm a NSA.

        Afinal é assim que fazem alguns desde o final do século XIX…

  4. Como exemplo a não ser

    Como exemplo a não ser seguido de aplicação do arrocho por causa de suas consequências sociais, é sempre mandatário citar a Zona do Euro, que promoveu o arrocho e nãop colheu outra coisa, senão recessão.

    Só os tucanos para ecoar por aqui as vontades do mercado.

  5. OS BANCOS ESTATAIS JÁ

    OS BANCOS ESTATAIS JÁ DESEMPENHAM, COM SOBRA, A TAREFA DE ORGANIZAR OS ELEMENTOS NA ESCALA DE INVESTIMENTO QUE SE ALTERAM NA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE COM OS SEUS PRÓPRIOS AGENTES.

    COM TODOS OS INSTRUMENTOS DE PRODUÇÃO, A MAIOR FORÇA PARA SE PRODUZIR VALOR É A PRÓPRIA CLASSE TRABALHADORA. A ORGANIZAÇÃO DOS ELEMENTOS DE INVESTIMENTO PARA UM CRESCIMENTO É A EXISTÊNCIA DE TODAS AS FORÇAS PRODUTIVAS QUE ESTÃO GERANDO NA SOCIEDADE A FASE TRANSITÓRIA DO CRESCIMENTO..

    A EQUIPE ECONÔMICA DE DILMA NÃO ESTÁ NEM AI PARA ESSE LIXO ESPECULATIVO QUE SE AUTO DENOMINA COMO DONOS DA CONFIANÇA. QUANDO PRECISARMOS DE CONFIANÇA ELA SABE. AGORA  ELA É QUE NÃO VAI DAR CONFIANÇA A ESSE PLANO DE GOVERNO DO ARMÍNIO FRAGA.

    CHEGA!!!

    NOSSAS EXPECTATIVAS SÃO DE QUE OS BANCOS ESTATAIS TÊM O PODER DO DESENVOLVIMENTO GRADUAL, NA ORDEM DE ALTERNAR AS CIRCUNSTANCIAS INTERNAS.

    ESSA TEORIA NEOLIBERAL DE PIORAR AQUI PARA MELHORAR AS SUAS CONTRIBUIÇÕES INFERNAIS PRECISAM SER BANIDAS. 

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