Alemanha acima de tudo, por Frei Görgen ofm

“Procurei questionar se as propostas simplistas do candidato resolveriam o problema da violência. Percebi um bloqueio tipo ‘alguém tem que fazer alguma coisa’”
 

Reprodução
 
Por Frei Sérgio Antônio Görgen ofm
 
Alemanha acima de tudo
 
Conheço um jovem negro, trabalhador, bem intencionado, manso no falar, sorridente, tranquilo na forma de conviver, educado e adepto de Bolsonaro.
 
Tentei entender o porquê. O motivo que me informou foi relacionado à violência, drogas, roubos e os bandidos soltos por aí sem ninguém fazer nada. 
 
Procurei questionar se as propostas simplistas do candidato resolveriam o problema da violência. Percebi um bloqueio tipo “alguém tem que fazer alguma coisa”.
 
Em outro encontro com o bom rapaz tomei nas mãos uma propagando do candidato do PSL. Lá estava escrito: “Brasil acima de Tudo.” “Deus acima de todos”.
 
Perguntei-lhe: “Você sabe qual era o lema de Hitler na Alemanha nazista?” Respondeu-me que não.
“Deutschland über alles.”  
 
“O que quer dizer isto?” – perguntou-me.
 
“Alemanha acima de tudo”. Igual a este aqui: “Brasil acima de tudo”.
 
Pareceu-me ter ficado surpreso e confuso. Ainda disse-lhe que começa assim, com frases totalitárias que parecem simpáticas, e acabam em guerras entre irmãos. 
 
Foram sempre conversas tranquilas e educadas.
 
E depois disto mais não conversamos. 
 
Lembrei então de quando, anos atrás, estive na Alemanha e meu grande amigo Rolf Künnemann, então secretário executivo de FIAN ( entidade internacional que defende o direito humano à alimentação) me levou a dois lugares simbólicos.
 
Em Nuremberg, no estádio onde Hitler fazia suas concentrações militares, com o povo nas arquibancadas e do púlpito o ditador levantava o braço direito e gritava; e todos respondiam: 
 
“Alemanha.”
 
“Acima de tudo.”
 
Num gesto inconsciente, no mesmo púlpito, levantei o braço. Em seguida, envergonhado, em oração, meditei: “também tenho um ditadorzinho dentro de mim, preciso cuspi-lo fora”.
 
Depois Rolf me levou à praça de uma cidade alemã. Lá estavam, no centro da praça, fotos da cidade destruída em 1945 após os bombardeios das tropas aliadas. Toda destruída. Andando pela cidade, a tinha visto reconstruída. 
 
Não resisti a uma pergunta:
 
“Rolf, me explica uma coisa. Como é que um povo culto, estudado e inteligente como o povo alemão, pode embarcar num fanatismo desses?”
 
Disse-me que nasceu depois da Segunda Guerra e que fizera a mesma pergunta a seus pais. E a resposta que ouvira deles fora:
 
“Foi como se tivéssemos tido um sonho coletivo de sonâmbulos. Quando acordamos, tudo tinha acontecido”. 
 
Há fascistas convictos e dirigentes e estes precisam ser derrotados. 
 
Mas quantos são simples sonâmbulos que podemos acordar deste sonambulismo que atinge gente boa da sociedade brasileira?
 
*Sérgio Antônio Görgen ofm é um frade Franciscano, militante do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.
 
Redação

7 Comentários

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  1. Concordo, mas…

    Slogans patrióticos não são exclusividade do fascismo, assim como o chauvinismo. A tal ponto que mesmo pessoas com vivência militarista e nacionalismo, como o escritor Ernst Jünger, recusaram-se a entrar no Partido Nazista. 

    A impressão que tenho, ás vezes, é que uma parte do país não sofre de antiesquerdismo apenas, mas de um medo, de um terrível medo, de um tipo muito específico, derivada de seus próprios preconceitos e da estupidez.

    Fora a dificuldade essencial, que é a de ver o fascismo como aquilo a que adere teu vizinho. 

  2. Reflita e decida racionalmente

    O fascismo precisa ser extirpado da sociedade. O fascismo precisa de ódio para germinar e se desenvolver. O ódio ao PT é usado como fomentador do fascismo.

    Vencer eleição não resolve nada. A Dilma venceu a eleição e o Lula é inocente.

    Gostaria que todos refletissem sobre o perigo fascista.

  3. Se tivessem combatido o extermínio de negros pelo estado…

    Foi um sonho coletivo… E desde quando dormiam? Desde que época começaram a cochilar e, feito sonâmbulos, ergueram-se?

    O que é preciso para se criar uma maioria nazifascista dentro de uma sociedade? Quais os ingredientes? Quem os oferecia?

    Não estou falando das conjunturas, mas da leitura que foi feita coletivamente sobre elas. Crises ocorrem o tempo todo, mas a maioria não redunda em fascismo. 

    Podemos perceber que o fascismo brasileiro – egora em seu auge – começou a dar sinais de que iria despertar desde os primeiros anos de redemocratização. Tal como na Alemanha, rompantes autoritários como a Ditadura Militar já preparavam o caminho para o processo de entorpecimento dos sentidos e dos sentimentos, algo necessário para que o “sonho” fascista comece. Como já ficou claro em outras postagens aqui do GGN, há que se diferenciar fascismo de autoritarismo. Muito embora, o Brasil já dispusesse de aparato proto-fascista capaz de iniciar o processo e deflagrar o que vemos hoje. As ameaças à democracia foram constantes e se tornavam mais intensas à medida que os setores progressistas avançavam em seu espaço participativo. Desde a primeira campanha de Lula à Presidência, pudemos observar espasmos de ódio e fascismo contra as novas iniciativas políticas que se opunham às regras do statu quo. Só que faltavam ainda alguns ingredientes que fossem capazes de tornar permeáveis a outros setores da população que não os tradiconalmente conservadores.Agora, devidamente disseminado o fascismo social por meio de inculcações ideológicas e pelo paralelismo institucional, restava apenas o surgimento de um nome aglutinador capaz de catalizar o ódio e direcioná-lo sem cerimônia contra os inimigos políticos e sociais: esquerdas e minorias.

    O exemplo deste rapaz negro apresentado pelo autor do texto, revela a eficácia deste projeto, bem como o calcanhar de aquiles da experiência política progressista. Seja por pudor ideológico ou pragmatismo político, a inércia diante da violência social direcionada aos mais pobres é que os forçam a cair em letargia e, posteriormente, no sono profundo em relação a sua realidade social, culminando no pesadelo sonâmbulo o qual – no caso específico deste rapaz – pode lhe tirar o direito de sequer acordar para o futuro, sucumbindo à ilusão de caminhar num jardim de justiça e de paz enquanto despenca do abismo que construíram para ele.

     

  4. Em “O Perigo Fascista e o Desemprego”, Einstein escreveu:

    “Quase toda a gente neste país considera o regime e o modo de vida fascistas um mal contra o qual nos devemos defender por todos os meios disponíveis. É reconfortante ver os espíritos concordarem nesse ponto. Mas uma tal unanimidade não existe nem acerca da natureza desse perigo nem sobre os meios a mobilizar para o afastar. Exprimirei o meu ponto de vista sobre este.

    Eu tive oportunidade de observar a propagação da epidemia na Alemanha. Não é sem dificuldades nem reticências que o homem renuncia às suas liberdades e aos seus direitos. Mas basta que um povo se veja, em grande parte, confrontado com uma situação insuportável para que se torne incapaz de um julgamento são e se deixe abusar voluntariamente por falsos profetas. “Desemprego” é a palavra terrível que designa essa situação. Também o recear do desemprego é igualmente lancinante.

    A AUSÊNCIA CONSTANTE DE SEGURANÇA ECONÔMICA engendra uma tensão que as pessoas são incapazes de suportar a longo termo. Essa situação será ali pior do que aqui porque, num país fortemente povoado e dispondo de recursos naturais extremamente limitados, as flutuações económicas fazem-se sentir com ainda maior dureza.

    Existe também aqui uma situação semelhante; o progresso tecnológico e a centralização da produção provocaram um desemprego crónico e uma parte muito considerável da população em idade de trabalhar luta em vão para se integrar no processo económico. Sobreveio desde então que tanto aqui como lá os demagogos encontraram algum sucesso provisório mas, graças à existência neste país de uma mais forte e mais avançada tradição política, eles não duraram muito tempo.

    Estou convencido de que só medidas eficazes contra o desemprego e a insegurança económica do indivíduo poderão realmente afastar o perigo fascista. Por certo é necessário contrariar a propaganda fascista levada a cabo do exterior. Mas é preciso abandonar a ideia errónea e perigosa de que alcançaremos o fim do perigo fascista através de medidas puramente políticas. Tudo se passa, pelo contrário, como quando existe uma ameaça de contágio pela tuberculose. É certamente bom que existam medidas de higiene impeditivas logo que entremos em contacto com os germes da doença, mas uma boa alimentação é ainda mais importante, dado que ela reforça as defesas naturais do indivíduo contra a infecção.

    Todos os que se interessam pela salvaguarda dos direitos cívicos neste pais devem, por conseguinte, estar disponíveis também a procurar de forma sincera uma solução para o problema do desemprego, tal como devem prestar-se aos sacrifícios necessários para a alcançar. É preciso então perguntar se não é justificado sacrificar uma parte da liberdade económica se isso permitir em contrapartida garantir a segurança do indivíduo e da comunidade política. Não é preciso considerar estas questões de um ponto de vista sectário, pois trata-se de nos defendermos contra um perigo que a todos diz respeito(1).

    O desempregado não sofre somente por estar privado de bens de primeira necessidade. Ele sente-se ainda excluído da comunidade humana. Ele vê recusada a possibilidade de colaborar no bem-estar geral; não goza de nenhuma consideração, sendo mesmo percebido como um fardo. É absolutamente natural que ele tenha o sentimento de que nós procedemos incorrectamente perante ele e que, procurando desembaraçar-se por si mesmo, tenha pouco a pouco recorrido a meios ilegais, a actos criminosos.

    Mas, se um dentre eles consegue mesmo assim encontrar um emprego, após um período mais ou menos longo de desemprego, ele não é mesmo assim um homem livre, porque é inevitável que receie encontrar-se, em breve, de novo no desemprego. Esse estado de tensão bem real dos que têm um emprego, junto ao desemprego bem real daqueles que perderam o seu, torna as pessoas amargas. Na busca de uma saída, eles concedem sem discernimento a sua confiança ao primeiro que chegue a prometer-lhes uma melhoria da sua situação. É aí que reside o perigo político do desemprego. O perigo de ver o desemprego ameaçar a democracia é particularmente elevado quando são jovens aqueles que devem suportar essas amargas decepções; eles preferem não importa que combate à resignação e a sua falta de experiência torna-os cegos aos perigos e aos riscos que comporta uma acção irreflectida…”

    https://www.marxists.org/portugues/einstein/1939/04/30.htm

     

    De acordo com Einstein, “o progresso tecnológico e a centralização da produção provocaram um desemprego crónico e uma parte muito considerável da população em idade de trabalhar luta em vão para se integrar no processo económico”. É o que hoje se chama de desemprego estrutural.

    Não só para criar postos de trabalhar mas para paralisar a sua extinção, a jornada de trabalho deve ser reduzida.

     

    O PT/Lula/Haddad deveriam empunhar essa bandeira.

    Ou  querem fazer como a Marina Silva, que, em 2010, ao ser questionada sobre a possível redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, afirmou:

    “Nós pensamos a redução da jornada de trabalho como uma forma inclusive de melhorar a qualidade de vida do trabalhador. Só que hoje, a preocupação que todos têm é como isso não vai se transformar depois num processo em que as pessoas passam a suprir a vaga que seria criada com as horas extras”.?

     

    Mesmo que as vagas que seriam criadas pela redução da jornada de trabalho fossem supridas com horas extras, isso melhoraria o salário do trabalhador.

  5. As explicações sobre Hitler sempre “esquecem” as origens e …..

    As explicações sobre Hitler sempre “esquecem” as origens e o financiamento.

    As explicações sobre a ascensão do IIIº Reich propositalmente “esquecem” fatores importante da criação do movimento nazista, o FINANCIAMENTO do partido nazista e as ORIGENS deste movimento, que começam alguns deles antes mesmo do NASCIMENTO DE HITLER em 1889.

    Este “esquecimento” proposital é por conta da continuidade na economia alemã das mesmas empresas que financiaram Hitler e dos fatores históricos encobertos na criação do movimento nazista.

    Também os comentaristas em todo o mundo (exceto na Alemanha) “esquecem” as origens históricas deste movimento. O primeiro partido nazista começa em 1903 na Áustria com o nome de “Deutsche Arbeiterpartei”. Mudando de nome para Deutsche Nationalsozialistische Arbeiterpartei – DNSAP em 1918, porém antes da criação do DNSAP tem-se já desenvolvida toda a base ideológica do movimento nazista.

    O antissemitismo político também começa no fim do século XIX em 1879 através da criação de partidos, grupos políticos e associações como a primeira delas a “Antisemitenparteien” e posteriormente já no início do século XX as “Verband gegen die Überhebung des Judentums”, “Thule-Gesellschaft” e outras.

    A concepção do espaço vital “Lebensraum” para o povo alemão, também começa cedo através da criação de um pequeno grupo nacionalista, imperialista e não partidário “Alldeutsche Verband”, criado em 1891.

    É interessante anotar que o primeiro regime fascista num país de fala alemã, ocorreu na Áustria em 1932 pelo “Christlichsoziale Partei Österreich” que traduzido fica partido Social Cristão da Áustria, partido que resistiu a um golpe dos Nazistas (alemães e austríacos) com o apoio de Mussolini, que em 1934 fica contra os Nazistas!

    Após a revolução Bolchevique, todas estas organizações acima citadas, começaram a receber grande aporte de capital das grandes empresas europeias, isto fica claro quando se analisa os balanços contábeis de diversos partidos de extrema direita em toda a Europa.

    O que acontece é que depois da revolução Russa em 1918, os partidos comunistas começam a se fortalecer em toda a Europa, e os partidos e organizações fascistas, que até esta época eram marginais na política e suplantado pelos partidos tradicionais vinculados as oligarquias rurais e urbanas europeias, começam a ser a única força capaz de fazer frente aos movimentos insurrecionais de esquerda no pós primeira guerra-mundial, o chamado Biênio Vermelho, que ocorre com mais intensidade na Hungria, Itália, Alemanha e em outros países europeus, que são dissipados através de grupos paramilitares financiados pelo grande capital.

    Em resumo, o Nazismo tem origem anterior ao próprio Hitler, foi financiado pelo grande capital, antes e durante o nazi fascismo clássico alemão (Hitler), não foi um “sonho coletivo de sonâmbulos” que aparece do nada, através de um insano Adolf Hitler e deixa todos surpresos com suas consequências, foi algo bem pensado, bem usado que escapou do controle do Grande Imperialismo Europeu.

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