Brasil abre uma perigosa caixa de Pandora, por Germán Lodola

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – O artigo de Germán Lodola, Diretor do PhD em Ciência Política da UDT e pesquisador do CONICET, saiu no jornal La Nacion no dia 26 de abril último. No entanto, mesmo que o processo de investigação por impeachment já tenha passado pelo Senado, o artigo de Lodola continua valendo, tal a seriedade e complexidade do tema para o Brasil e toda a América Latina. O autor aponta os riscos de promover a construção de denúncias híbridas, com apoio do Congresso, para depor uma presidente democrática e legitimamente eleita. Diz que construir um processo deste tipo pede a confluência de fatores bem distintos, que nada deixam a desejar quando comparados à força bruta. E demonstra conhecer bem a construção político-partidária do país. Aponta, por fim, a abertura de verdadeira caixa de Pandora. Só lembra que quem vai fechá-la não está no horizonte. Leia a seguir.

Dizer que a remoção de Dilma Rousseff é legítima porque cumpre com os procedimentos legais vigentes esconde que eles foram feitos de maneira artificial, com objetivos inconfessos que não promovem a qualidade institucional

Do La Nacion

Brasil abre uma perigosa caixa de Pandora

Por Germán Lodola

O que vimos no domingo 17 pela televisão não foi um golpe contra Dilma Rousseff. E não foi porque um golpe é outra coisa, ao menos segundo a definição. Um golpe consiste na remoção do Poder Executivo popularmente eleito por meio do uso da violência ou de outros meios extralegais, tipicamente com a participação dos militares apoiados pelas elites sociais. Isto não aconteceu no Brasil. O que ali ocorreu, porém, é alarmante para o funcionamento da democracia na região.

A decisão da Câmara dos Deputados de iniciar o processo de julgamento político da presidente Dilma Rousseff, que certamente terminará em sua destituição, depois de ser aprovado pelo Senado, é algo diferente de um golpe, ainda que não tenha nome: é uma destituição antidemocrática do Executivo forçando a utilização de procedimentos legais. Paradoxalmente, na natureza legal desta nova modalidade de destituição presidencial reside seu maior perigo.

A operação política para a destituição de Dilma foi posta em prática por uma oposição ameaçada, composta por parceiros do governo e competidores eleitorais do PT, com um duplo objetivo. Por um lado, encobrir dezenas de deputados envolvidos em escândalo de corrupção por suborno e compra de votos. Por outro lado, ganhar influência sobre a gestão da política econômica frente à profudnda recessão e à crescente agitação social. Resta, então, ver na decisão do Congresso um sintoma de democracia madura, um passo para o exercício do controle e fiscalização legislativa do Poder Executivo. Pelo contrário, o que vimos é o espetáculo cruel de um sistema político em ruínas.

Mas vamos por partes.

Primeiro, afirmar que a destituição de Dilma é legítima porque se cumpriu com os procedimentos legais obscurece o feito de que estes foram utilizados de maneira forçada com uma finalidade antidemocrática. Foi forçado porque não se demonstrou – nem se tentou demonstrar – que as denúncias contra a presidente pelas pedaladas fiscais (ou a decisão do Tesouro Nacional de atrasar a transferência de fundos a bancos públicos para aliviar a situação fiscal do governo) constituíam um “crime de responsabilidade”. Esta comprovação, estabelecem as normas, é uma condição necessária para iniciar o julgamento político. Naturalmente, se esta decisão de política fiscal chegou a constituir um delito (algo difícil de sustentar), seria um delito menor que, em condições normais, jamais produziria a saída de um presidente.

Como ilustram as declarações dos deputados no domingo da votação, ninguém se preocupou por justificar que Dilma Tenha violado a lei ao empregar as pedaladas. No lugar, se escutaram referências constantes aos redutos eleitorais (municípios) dos deputados. A obrigação de um sistema proporcional de lista eleitoral aberta favorece a fragmentação, recompensa o voto pessoal e incentiva o particularismo local dos políticos.

Além disso, foram utilizados procedimentos legais para fins antidemocráticos. De um lado, ao não existir evidência sobra a presença de um crime, as regras subverteram a autoridade do volto popular que foi expresso a favor da reeleição de Dilma. De outro, se habilitaram a uma mudança de governo e o acesso ao poder de uma coalizão alternativa que assaltou a presidência através de um mecanismo não eleitoral.

Em suma, o argumento institucionalista fica aquém e não se aplica no Brasil (nem no Paraguais de Lugo). As instituições se movem no ritmo das necessidades dos atores, que procuram usá-las estrategicamente para satisfazer seus objetivos: honrosos ou, como neste caso, impróprios e questionáveis.

Segundo, isto nos leva a perguntar sobre as motivações políticas dos deputados que conduziram e aprovaram o impeachment. Existem duas motivações, analiticamente distintas, mas inter-relacionadas. A primeira é um motivo de sobrevivência. Ele é encarnado pelo principal parceiro do governo, o PMDB, mas também se aplica à segunda maior (PP) e outros partidos menores (PL, PSD, PROS), cuja criação foi motivada pelo PT para enfraquecer o PMDB dentro da coalizão. A segunda é uma motivação de governo e é encarnada pelo principal partido de oposição do PT na arena eleitoral, o PSDB.

A motivação de sobreviência está relacionada com a aceleração das investigações no escândalo da Petrobras, que compromete dezenas de políticos do PMDB, do PP e de outras forças menores. O indicador mais visível é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, condutor do processo do impeachment e réu na justiça depois de confirmar que aceitou suborno em troca de superfaturar os contratos de petróleo na estatal.

A relação entre Cunha, que controla a facção maior do PMDB, e o governo, começou a deteriorar-se no começo de 2015, quando o PT propôs outro candidato para a presidência da Câmara. Mas Cunha venceu. Desde então fez todo o possível para bloquear as iniciativas do governo, em particular o duro programa de austeridade fiscal, e incorporar a sua própria agenda conservadora. A relação terminou por romper-se há alguns meses, quando o PT decidiu que era muito custoso, diante da opinião pública, apoiar Cunha e ordenou a seus representantes na Comissão de Ética do Congresso, que o investigava, a votarem por sua expulsão.

Então Cunha revidou. Neste contexto, as opções para o PMDB e os demais partidos envolvidos no petrolão era o de continuar como aliados de Dilma para enfrentarem juntos o embate sociojudicial ou abandonar a coalizão, deixando o PT no centro da fúria anticorrupção.

Como se sabe, optaram em massa pela última. Esta opção não é garantida para evitar a prisão, mas aumenta suas chances de tirá-los de cena e dar-lhes outro papel na presente politica.

Com Dilma neste processo e Lula na mira da justiça, a exposição midiática e o nível de escrutínio público sobre os deputados diminui. Os juízes deixam de ser alvo das pressões públicas por “honestidade” e podem ser mais compassivos com eles. No pior caso, o início do julgamento permite que ganham tempo, aguardando que amaine o tsunami judicial. De forma paralela, o PMDB está à frente na linha de sucessão e o vice-presidente Michel Temer, deverá formar uma nova coalizão de governo. Isto outorga o PMDB – um partido não presidenciável – o poder de distribuir cargos ministeriais, o que neste momento é quase tudo.

A segunda variedade de motivação pró-impeachment, a motivação de governo, operou de modo diferente. Menos comprometido com o escândalo da Petrobras, o PSDB jogava com a possibilidade o julgamento político nos meios de comunicação, mas prefria que a justiça eleitoral declarasse nulas as eleições de 2014. Para isso, fez inclusive uma petição formal.

No entanto, quando a relação Cunha-PT chegou a um ponto sem retorno, o PSDB montou a “operação troca de governo”. A destituição de Dilma dá a este partido e a seus associados da poderosa Federação empresária paulista, a Fiesp, a possbilidade certa de recuperar o comando da gestão econômica do país. Algo que, sentem, nunca deveriam ter perdido e menos ainda para as mãos de um partido operário de esquerda.

O que aconteceu no domingo tem implicâncias alarmantes para as democracias da região. Já se tem dito que a abertura do julgamento político de Dilma não é um indicador de avanços institucionais na qualidade da democracia (governança) brasileira. O efeito desta demonstração é que não é necessario destituir pela força os presidentes eleitos democraticamente, mas que é factível, quando as condições acompanham (corrupção galopantes, crise econômica, protesto social, governo fraco), recorrer aos procedimentos legais em vigor para apoiar a construção de acusações híbridas difíceis de demonstrar. O que é preciso para a remoção do presidente é um Congresso disposto. A caixa de Pandora está aberta. Não se sabe quando nem quem a fechará.

Germán Lodola – é Diretor do PhD em Ciência Política da UDT e pesquisador do CONICET

Tradução da Equipe GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. E ……………….

    SEja que nome queiram dar, mas o que ocorreu foi simplesmente mais um capítulo do que há muito havia sido tramado.

    Não esqueçam, volto a frisar que esta mudança atende não somente a elite nefasta dos nativos, como tb e principalmente os interesses globalistas que fazem e continuarão fazendo de tudo para impedir que suas colonias se libertem de seus tentáculos. O governo progressista do Brasil já era, agora será a vez de Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Peru e todos os que se opuserem ao império.

    É tão simples !!!!!!!!!!!!!!!!! E o povo que se exploda !!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Principamente os vestidos de amarelo e batedores de panelas !!!

  2. ótimo  artigo….
    os

    ótimo  artigo….

    os golpístas abriram a  caixa de  todos os males jamais conhecidos ultimamente

    na história brasileira, a não ser na era vargas ou na de jango,

    ou na era escravocrata….

    com isso abriram cicatrizes imfames que  maculam a sociedade brasileira….

    no fundo do poço dessa mala abismal de infamias, obscurece-se a esperança…

    só a resistencia com unidade pode talvez resgatá-la para reverter

    esse processo degradante , esse retrocesso impiedoso e cruel

    para a maioria dos brasileiros…

  3. Resistência, Ruptura e Constituinte

    Inúmeros setores da sociedade estão dispostos a resistir: não aceitam uma quadrilha de bandidos dirigindo o país.

    Essa resistência pode levar à ruptura, resultando na impossibilidade do governo Temer existir.

    Feita a ruptura, a sociedade institui uma Assembléia Constituinte para gerar um novo contrato social, uma nova Constituição, porque a de 88 foi extinta.

    Esse é o caminho civilizado. O outro… é o da violência…

  4. PIG

    A culpa é do PiG. Enquanto ele tiver a importânci que tem com instrumento da elite brasileira, não será possível fechar essa caixa de Pandora.

  5. O Brasil colhe o que plantou!

    O Brasil colhe o que plantou! Não moveu uma palha na deposição de Lugo no Paraguai e

    agora o PARAGUAI É AQUI,fora que LULA e o PT fizeram JOGO DUPLO em seus governos e não

    houve ruptura nenhuma com as elites,então na primeira oportunidade das elites TCHAU PTTTTT!!

    QUEM MAIS SOFRE SÃO O POVO E A DEMOCRACIA BÊBÊ DO BRASIL!!!

  6. Excelente artigo

    Excelente artigo. Resumiu com clareza a hipocrisia dessa ópera bufa ( ou seria drama?, tragédia?) que vivemos sem saber direito como será o seu desfecho 

  7. Guerra híbrida

    O Brasil é vítima de uma “guerra híbrida” planejada, organizada e financiada pelos Estados Unidos da América. E é exatamente sobre isso e eu venho falando já desde o ano passado. Os EUA (mas também a França, Israel e o Reino Unido) querem, com total silêncio da mídia brasileira, fazer a devassa no Pré-Sal, em Furnas, no Banco Central do Brasil e em outras áreas economicamente estratégicas para o Brasil. Eu jamais poderia supor que existissem traidores do Brasil do nível dessa corja que se apossou do Palácio do Planalto. Se o povo brasileiro não agir em tempo, ele se verá desprovido de recursos de ordem econômica e política para reparar o imenso dano que essa quadrilha fez ao Brasil.

  8. Golpe não? Ou golpe sim, mas de outra forma?

    Independentemente de o meu colega argentino desconhecer a expressão “golpe branco”, um belo instrumento conceitual para abarcar muitos outros fatos análogos na história brasileira (talvez menos traumáticos que os de uma certa história recente da Argentina; e talvez por isso ele hesite quanto ao emprego da palavra “golpe” — a não ser que o La Nación tenha lhe dado a pauta via Rede Globo), o que me impressiona é a estreiteza do jogo de cintura dos meus colegas cientistas políticos.

    Parece que eles não dispõem de muitas ferramentas analíticas pra além dos formalismos institucionais.

    Infelizmente, vou ter que incidir na cabotinagem de me apresentar como promotor de uma ferramenta alternativa.

    Não que eu tenha grande mérito nisso. Creio que esse mérito cabe apenas à minha disciplina, a antropologia, e ao estudo de um arquétipo lógico com o qual trabalhamos desde pelos menos os anos 30:

    A lógica que presidiu o processo de impeachement não foi a lógica jurídica, nos termos do Direito moderno, mas a lógica da “acusação de feitiçaria”.

    Meu artigo a respeito:

    Feitiçaria, golpe e fim de ciclo.

     

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