“Caracas sem água”, por Gabriel García Márquez, em comparação com São Paulo

seca em SãoPaulo

Por Edison Brito

Lendo o livro de artigos de Gabriel Garcia Márquez, intitulado  “Da Europa e da América – Obra Jornalística 3”, me deparei com um que tem muito a ver com a atual crise hídrica de São Paulo

Escrito em 6 junho de 1958 ele descreve os acontecimentos de uma  cidade que ficou simplesmente sem água.

Então, em vez de um exercício futurístico,  convido-os a se defrontarem com uma realidade “passadística”.

Eis alguns trechos do artigo.

“6 de junho de 1958: Caracas sem água.

Depois de escutar o boletim radiofônico das sete da manhã, Samuel Burkart… foi ao armazém da esquina comprar água mineral para se barbear . Caracas parecia uma cidade fantasma.

 Samuel teve de fazer fila no armazém para ser atendido…o único assunto das últimos quarenta dias e que naquela manhã estourava na rádio e nos jornais … a água acabara em Caracas… As últimas reservas se destinavam aos serviços essenciais. O governo tomava havia 24 horas medidas de extrema urgência para evitar que a população perecesse vítima da sede.

As edições dos jornais, reduzidas a quatro páginas, eram destinadas a divulgar instruções oficiais… e evitar o pânico

…esgotaram em uma hora  o estoque ( de água mineral) do armazém…a venda de suco de frutas e gasosa estava racionada… cada cliente tinha direito à cota-limite de uma lata de suco de frutas e uma gasosa por dia… (Samuel) se barbeou com suco de pêssego.

Uma senhora regando o jardim disse a respeito da necessidade de economizar água: são mentiras dos jornais para meter medo. Enquanto houver água eu regarei minhas flores.

Os bairros pobres ficaram sem água. Nos bairros residenciais se restringiu a água a uma hora por dia.

… a notícia explodiu em toda a largura dos jornais. As reservas de La Mariposa só davam para 24 horas… Burkart, que tinha o hábito da barba diária, não pode sequer lavar os dentes.

Nas ruas, os ratos morrem de sede. O governo pede calma.

Burkart se dirigiu a pé ao seu escritório. Não usou o automóvel  pelo temor de  que esquentasse. Simplesmente não havia água para os automóveis… No centro havia alguns automóveis com motores superaquecidos abandonados pelos proprietários. Os bares e restaurantes não abriram as portas.

… Durante toda manhã caminhões do INOS (a SABESP nossa), com capacidade para vinte mil litros, distribuíram água nos bairros residenciais. Com a colaboração dos caminhões-tanques das empresas petrolíferas, havia trezentos veículos para transportar água até a capital.

A população sedenta, especialmente nos bairros pobres, precipitou-se sobre os carros-pipas e a força pública teve de intervir.

Na praça Estrella,  curiosos assistiam a um espetáculo terrível: de todas as casas saíam  animais enlouquecidos pela sede.

À noite, às dez, foi imposto o toque de recolher

Quarenta e oito horas depois que a estiagem atingiu o ponto culminante, a cidade ficou completamente paralisada. O governo dos Estados Unidos enviou, a partir do Panamá, uma esquadrilha de aviões carregados com barris de água. A força área venezuelana e empresas comerciais que prestam serviço ao país substituíram suas atividades normais por um serviço extraordinário de transporte de água. Os aeroportos de Maiquetiá e la Carlota foram fechados ao tráfego internacional e destinados exclusivamente a essa operação de emergência.

Em Las Mercedes  e em Sabana Grande a polícia interceptou vários caminhões piratas que chegaram a vender clandestinamente o litro de água a vinte bolívares (preço aviltante).

Em San Agustín del Sur o povo se apoderou de outros dois caminhões piratas e repartiu seu conteúdo entre a população infantil.

Os boatos se espalharam. Dizia-se que os parque de Caracas começavam a pegar fogo. Nada se poderia fazer quando o fogo se propagasse.

Outro boato assegurava que á tarde, na velha estrada para Los Teques, uma multidão apavorada que tentava fugir de Caracas sucumbira à insolação. Os cadáveres expostos eram a origem do mau cheiro (na cidade).

Apesar de as autoridades tentarem evitar a desmoralização, era evidente que o estado de coisas não era tão tranquilizador como eles mostravam. Ignorava-se um aspecto importante: a economia. A cidade estava totalmente paralisada. O abastecimento fora reduzido e nas próximas horas faltariam alimentos. Surpreendida pela crise, a população não dispunha de dinheiro vivo. Os armazéns, as empresas, os bancos estavam fechados. As lojas dos bairros começavam a fechar as portas por falta de sortimento.

Às nove da noite,  Burkart abriu portas e janelas, mas se sentiu asfixiado pela secura da atmosfera e pelo cheiro.  Reservou cinco centímetros cúbicos, de seu litro e água, para se barbear… A sede produzida pelos alimentos secos começava a fazer estrago em seu organismo. Dispensara os alimentos salgados. Tomou um gole de água e dormiu. Despertou sobressaltado. Sentiu em todos os andares do prédio, um tropel humano que se precipitava para a rua… Necessitou de vário segundos para se dar conta do que se passava: chovia a cântaros. “

Bem , é evidente que os tempos são outros.  A tecnologia mudou. Mas, como se pode ver, contamos apenas com o fator chuva.

Apesar de todos os alertas não existiu, por parte do governo Alckmin, um trabalho de conscientização em relação ao uso de água. Um pano B durante estiagem. Não há nada. A não ser ações na bolsa de valores de NY.

Redação

3 Comentários

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  1. Água deve acabar

    http://deolhonotempo.com.br/agua-deve-acabar-e-colapso-acarretara-em-exodo-urbano-em-sao-paulo-afirmam-especialistas/

     

    Água deve acabar e colapso acarretará em êxodo urbano em São Paulo, afirmam especialistas

    Date: 05, janeiro, 20157

    A mais grave crise de abastecimento de água potável no estado de São Paulo e principalmente na Região Metropolitana, ainda não foi tratada com realismo por parte da mídia e das autoridades.

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    5Até agora o que se viu e ouviu sobre o nível dos reservatórios, não retrata a verdadeira “guerra civil” que se aproxima nos meses seguintes, garantem especialistas.
    Desde o segundo semestre de 2013, a irregularidade de precipitação atrelada ao consumo excessivo, à péssima malha de distribuição de água e a falta de investimento por parte do governo levou a uma redução muito drástica do nível dos principais reservatórios que abastecem as regiões de Campinas, Itu e São Paulo.
    O maior destaque dado pela mídia, o Sistema Cantareira, que já não possui mais capacidade natural de armazenamento de água, está agonizando com sua segunda reserva técnica sendo retirada e com data para acabar.

    21Nesta segunda-feira (05), o nível de armazenamento do conjunto de represas do Cantareira atingiu apenas 7% da capacidade máxima, levando-se em consideração a segunda cota do “volume morto”. Em maio de 2014 foram acrescidos 182,5 bilhões de litros de água da reserva técnica e que já estão acabando.
    O governo do estado de São Paulo, que expôs ao mundo a falta de gerenciamento para com o bem mais importante que existe para a sobrevivência de qualquer espécie, segue a linha de raciocínio acreditando sempre que dias melhores virão e que a água da chuva voltará a encher os reservatórios e que ao final tudo acabará bem novamente.
    A visão é duramente criticada por geólogos, hidrólogos e pesquisadores ligados ao campo hídrico, econômico, ambiental e político.
    De acordo com Pedro Côrtes, geólogo e professor de gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP), a situação vivida pela população ao longo do ano de 2014 ainda não foi dramática.
    “Estamos no começo da crise. O pior ainda não aconteceu”, acrescentou o pesquisador.
    O déficit de precipitação de mais de mil milímetros atrelado ao esquecimento no investimento por parte do governo deve gerar ao longo de 2015, marcas jamais vividas na história recente de qualquer cidadão brasileiro, garantem os pesquisadores.

    3Dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe) mostraram que ao longo de 2013, a precipitação acumulada, principalmente entre a Região Metropolitana de São Paulo e o nordeste do estado, na divisa com Minas Gerais, onde estão as seis represas do Sistema Cantareira, oscilou entre 1.300 e 1.500 milímetros. Já em 2014, o acumulado variou em média entre 900 e 1.100 milímetros. Algumas estações não computaram nem 700 milímetros de chuva ao longo de todo o ano.

    4Cenários largamente mais preocupantes que a crise hídrica e energética (ano de racionamento de energia elétrica e de água potável) adotado pelos governos entre 2001 e 2002, quando choveu de forma bem mais distribuída que agora em 2013 e 2014.

    Se somadas as deficiências de precipitação dos últimos cinco anos, a região encontra-se mais de necessária, precisando de ao mínimo, mil milímetros de precipitação.

    6A cidade de São Paulo, principalmente, deve entrar em colapso total até o final de 2015, onde moradores não terão água para beber, indústrias promoverão a demissão em massa, pela falta de água na produção das mercadorias e a migração de famílias inteiras para outras regiões será única e exclusivamente em função da inexistência de água. Esse é o cenário mais otimista alertado com muita antecedência pelos pesquisadores.
    O comércio, a indústria e os moradores residentes em São Paulo, bem como a área metropolitana, sentirão não apenas no bolso, mas no método de sobrevivência, tamanha ingerência política.
    Os pesquisadores, que já haviam indicado a possibilidade ainda em 2013, agora cravam a certeza de que teremos um êxodo urbano, ou seja, a população migrando da cidade grande para o interior devido, exclusivamente, à falta de água potável para a sua sobrevivência e também pela demissão em massa e a crise econômica que ela irá alavancar.

    7
    A mídia e o governo não mostraram ainda a gravidade que se aproxima com a extinção da água potável dos principais reservatórios, o que não significa que em anos seguintes, o armazenamento não seja recuperado. Cabe a população agilizar suas tarefas e gerir a pouca água que resta. Mesmo que chova o dobro do que foi perdido nos últimos dois anos, as represas demorariam, pelo menos cinco anos, para recompor o que foi perdido.
    São Paulo está à beira do colapso, mas como sempre, acreditamos em dias melhores, ou na chuva que cairá. E isso terá um preço muito alto a ser pago por todos.
    Não existe milagre, mas sim planejamento. E planejamento é o que menos fizeram nos últimos anos para com a água de São Paulo.

    8(Crédito das imagens: Reprodução/Sabesp – Arquivo/Denny Cesare/Moacyr Lopes/Folhapress Arquivo/Luis Moura/Estadão Conteúdo – Arquivo/Nacho Doce/Reuters)

     

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