Chutando o balde do Século XX, Parte 1, por Joaquim Aragão

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Chutando o balde…do Século XX !

Parte 1

por Joaquim Aragão

A reviravolta política

A nação, mas também a comunidade internacional, assiste atônica a reviravolta política que se abateu sobre o Brasil, impondo uma mudança de 180 graus na orientação estratégica dessa sétima economia do mundo. O País, a qual essa comunidade atribuía um clima de entusiasmo e de exemplar mudança social, entrou assim no círculo de fogo que arde em diversas partes do mundo.

Abstraindo-se do debate apaixonado das acusações mútuas e das interpretações legais aviesadas, tal reviravolta reflete uma crise profunda que não ocorre apenas aqui, mas também nessas outras partes, até em continentes que serviam de paradigma de sociedade civilizada.

Essa crise, como explanamos em artigo recente (https://jornalggn.com.br/noticia/buscando-saidas-para-a-crise-economica-por-joaquim-aragao), representa o fim do ciclo do desenvolvimento capitalista que fora até então orientado pelos clássicos paradigmas do Século XX (protosocialismo, keynesianismo e monetarismo).

A comparação com a crise da década de 30, muitas vezes bem lembrada, não é vã: naquela década, o capitalismo esgotara definitivamente o liberalismo do Século XIX, e a ameaça do socialismo então em ascensão fizera boa parte da apavorada classe capitalista abraçar nos diferentes países europeus e não europeus o fascismo, como “freio de emergência”. Um renovado papel do Estado na economia, agora mais interveniente, surgia então como solução para desatolar a economia. Tal vertente estatista se impunha tanto no capitalismo quanto no socialismo, devido ao estado de desenvolvimento da tecnologia industrial de então.

O que há, realmente, de comum da atual crise com a de então é a mesma incapacidade da classe capitalista de continuar a dominar corações e mentes da maior parte da população e o pânico da perda da hegemonia ideológica e política. Novamente, a propagação de valores retrógados como a xenofobia, o nacionalismo belicista e o reacionarismo social são aplicados como distração do desastre e da busca por seus verdadeiros responsáveis.

O que está acontecendo afinal?

O controle do incêndio, que se alastra, passa pela procura e pela detecção de uma nova lógica para o capitalismo no século que, em termos históricos, ainda não se iniciou. Os elementos constituintes dessa lógica precisam ser buscados nas tendências atuais do desenvolvimento capitalista. Merecem ser aqui destacados os seguintes movimentos:

  1. a reorganização crescente do processo produtivo capitalista em agrupamentos locais (clusters) e em cadeias globais de valor;

  2. a aceleração possante do desenvolvimento tecnológico;

  3. o alastramento do empreendedorismo , o subsequente redesenho do sistema empresarial em empresas menores, coordenadas por empresas integradoras (muitas vezes, as antigas grandes corporações);

  4. a precarização e a paulatina dissolução das relações de emprego;

  5. o predomínio do sistema financeiro sobre o sistema produtivo real, com reforço do papel dos bancos, fundos de investimentos e seguradoras na definição dos resultados econômicos das empresas e de toda a sociedade;

  6. a celebração quase que forçada de acordos internacionais, restringindo os espaços das políticas nacionais;

  7. em compensação, um maior desconforto do sistema com relação às consequências ambientais e ao alastramento da pobreza.

Entretanto, a soma dessas tendências já reconhecidas e amplamente debatidas não tem ainda inspirado a criação de um paradigma do Século XXI, um novo “ismo” para guiar o desenvolvimento capitalista, e cuspir em cima.

Nosso particular capitalismo “mequetrefe”

Seria indigno de uma nação de 200 milhões, dona da sétima economia mundial, buscar a culpa do nosso reiterado fracasso em forças ocultas e abertas do imperialismo e de seus agentes internos. Que elas existem, ah, isso existem; mas não pode se partir do princípio delas serem tão fortes de forma a derrotar qualquer iniciativa do País em se afirmar no cenário internacional.

Mas para que possamos superar uma autocomiseração degradante haveremos de reconhecer, dentro do País, as principais fragilidades da nossa sociedade, fragilidades essas que, sim, podem ser aproveitadas pelas bruxas do imaginário derrotista, que buscam  mas que surpresa!  contemplar seus interesses.

Antes do doloroso “nostra culpa” convém, todavia, nos fortalecermos com a celebração de algumas inquestionáveis conquistas: hoje, o Brasil não é mais um país miserável, situado “lá em baixo”, o famoso país do samba, do futebol, da injustiça social e miséria, e ainda da destruição da Amazônia. Os resultados do recente desenvolvimento social e do combate à pobreza são reconhecidos mundialmente. Por outro lado, os investidores bem sabem que atrás das chamas da crise política existe um país que tem avançado na forma de regular seriamente projetos públicos e privados, embora persistam percalços da gestão de grandes projetos (algo não tão incomum também no cenário internacional). E no lado econômico, o Brasil tornou-se, sim, um grande player no agronegócio, embora assuma ainda um papel politicamente passivo na regulação dos respectivos mercados.

Mas vamos agora às chagas. Atrás da crise política, agravada pela forma no mínimo questionável da troca de poder, pode-se enxergar o esgotamento de uma forma “tupiniquim” de se fazer capitalismo:

  • É um capitalismo pequeno para esse grande País, fragmentado nas suas políticas, nos seus empreendimentos e nos interesses econômicos reinantes.

  • Esse capitalismo apresenta, ademais, baixo nível de inovação, apesar dos recentes esforços governamentais de incentivá-la.

  • Persistem, nesse quadro de “indolência conservadora”, relações obsoletas de produção, improdutivas e cruelmente exploradoras.

  • Mesmo os maiores projetos públicos e privados possuem uma dimensão muito aquém do necessário para mobilizar os grandes potenciais territoriais do País.

  • Persiste, também, disparidades altamente disfuncionais de desenvolvimento regional, o que produz um capitalismo de “diferentes” velocidades: o capitalismo quase-que pós-industrial paulista, onde predomina a lógica cosmopolita neoliberal, confronta-se com capitalismos mais atrasados do agronegócio, das pequenas economias comerciantes periféricas, que dificultam o acordo em assuntos tão essenciais para o crescimento como a reforma tributária.

  • É um capitalismo que depende em uma proporção anormal do Estado, de seus incentivos e subsídios, de seus investimentos e de seus gastos. Tal dependência dificulta a sustentabilidade fiscal além de produzir problemas morais nas relações público-privadas.

  • Com raras exceções, é um capitalismo ainda fechado para o mundo, que não luta por um lugar no sol nas cadeias globais de valor, e é, quando muito, integrado de forma subserviente aos mercados globais. Prova disso é a participação ridícula do comércio externo brasileiro no mercado global, a despeito do tamanho e da posição de sua economia.

Caminhos a trilhar

A superação desse tipo de capitalismo pequeno, que não faz jus e bloqueia o pleno desenvolvimento dos nossos potenciais, requer a construção de um modelo de capitalismo de nova dimensão, inovador. Esse novo capitalismo nacional seria, de um lado, articulado de forma afirmativa nas cadeias globais, mas também terá por foco desenvolver de forma decidida os mais diferentes espaços do território nacional. Além disso, deverá avançar no amadurecimento das relações sociais de produção, superando definitivamente a miséria.

Essa reconstrução, rompendo com as tradições e vícios do capitalismo “mequetrefe” nacional, é imperativa para a saída definitiva da crise política, que não se resolve por “tours-de-force” parlamentares e judiciais, e sim pela busca de um novo consenso democrático.

Quais seriam os ingredientes básicos do desenho desse novo capitalismo nacional? Pautando-nos pelas chagas enumeradas da seção anterior, poder-se-iam apontar seguintes pontos:

  • No lugar de projetos isolados em oportunidades atrativas, porém de alcance limitado em termos de desenvolvimento econômico, e que fragmentam de forma disfuncional as redes de infraestruturas, devem ser incentivados projetos estruturantes de maior dimensão, que deem impulso ao crescimento regional e nacional, selecionados com base em um planejamento territorial consistente.

  • Deve ser incentivada a busca de maior eficiência sistêmica no setor privado, por exemplo, com apoio a agrupamentos produtivos ancorados nos potenciais regionais, ao invés de dispersão dos recursos para projetos isolados, sem efeito de vinculação a jusante e a montante (conforme a prática corrente de “atendimento de balcão” dos fundos regionais e industriais).

  • Para projetos de grande porte, cujo limiar a de ser definido, há de se introduzir a avaliação compulsória dos impactos econômicos e fiscais e priorizar projetos ou agrupamentos de projetos que apresentem um balanço positivo dos impactos econômicos e fiscais (garantia de sustentabilidade fiscal interna a grandes projetos ou programas territoriais)

  • Há de se adotar um planejamento e uma política que promova de forma decidida e definitiva o desenvolvimento amplo e integrado do território nacional, superando de forma decidida as disparidades regionais.

  • Deve ser apoiada de forma igualmente decidida uma nova onda de industrialização a partir a) do beneficiamento de produtos agrícolas e minerais, b) da produção de bens de consumo básico e c) da provisão de segurança ambiental. No que tange particularmente a proteção ambiental, a experiência internacional demonstra que esse setor pode ser objeto de sólidos modelos de negócio.

  • A política industrial e de comércio exterior deve buscar de forma afirmativa posições mais vantajosas nas cadeias globais de valor para a produção brasileira;

  • Continuando com a política de comércio externo, deve ser incentivada, de um lado, uma maior parceria com players internacionais, mas insistindo-se em benefícios mútuos (parcerias de crescimento); de outro, essas parcerias deverão privilegiar acordos de cooperação entre regiões e estados dos países (diplomacia sub-regional), vez que tais níveis governamentais estão mais comprometidos com o destino de sistemas produtivos locais;

  • Os tempos de ajuste fiscal não podem ser, absolutamente, usados como justificativa para voltar a submeter as famílias a condições existenciais inseguras e à subsequente superexploração: isso, mais uma vez, dispensa e desencoraja o investimento em inovação e preserva formas de produção de baixa produtividade (por exemplo, subcontratação de trabalhadores de baixa qualificação), consolidando mais uma vez a indolência conservadora tão típica do nosso capitalismo “mequetrefe”.

  • Ao invés, devem ser reforçadas e preservadas as políticas de desenvolvimento social, desde que vinculadas ao apoio das indispensáveis funções familiares de reprodução da força de trabalho, assim como à promoção de sua qualificação e, finalmente, a seu empoderamento econômico pelo fomento do empreendedorismo em todas as camadas sociais.

  • Está, sim, na ordem do dia uma revolução educacional, que deve reorientar a estratégia de ensino e aprendizagem em todos níveis escolares e introduzir o empreendorismo como orientação principal. Uma vez que o setor produtivo é diretamente afetado pela qualificação e pela cultura laboral da força de trabalho, tal processo não pode deixar de ser capitaneada por uma aliança entre o sistema educacional e o setor produtivo. Tal orientação é, igualmente, imprescindível para operar a transição social e tecnológica, que evitará que o País perca, novamente, o bonde de mais uma revolução industrial.

  • Hão de se estimular, pois, o desenvolvimento tecnológico e a transição social e organizacional, onde grandes empresas com alto capital fixo devam ser paulatinamente substituídas por sistemas produtivos estruturados em redes de pequenos empreendimentos de alta tecnologia, de menor capital fixo, coordenados por empresas integradoras. Por outro lado, é imprescindível que a transição social se proceda de forma paulatina e negociada com organismos representantes de empregados, com vistas a mitigar os riscos sociais inerentes a cada revolução industrial.

  • A proteção do patrimônio natural e a garantia de sustentabilidade ambiental das ações econômicas, ao invés de serem considerados como custos fixos da economia, devem abrir espaços para novos negócios voltados para a manutenção das bases naturais para o crescimento (por ex., assegurar recursos hídricos, assim como a biodiversidade).

 

Uma proposta de abordagem integrada: a Engenharia Territorial

Remetemos o leitor ao artigo supracitado: lá, já tínhamos esboçado elementos fundamentais da nossa proposta de programas territoriais e os aspectos centrais do respectivo modus operandi. Esses programas introduziriam na economia um processo de fundamental reorganização do capital, procurando superar a fragmentação das iniciativas dos setores público e privado, assim como produzir ganhos de eficiência sistêmica em escala local, regional ou mesmo nacional.

Também nesse mesmo artigo, explanamos as ideias de empresas de desenvolvimento territorial e da concessão por desempenho econômico, que representam um gênero inovador de negócio e de contratação administrativa do setor privado. Ao mesmo tempo, redesenham essas inovações a atuação do Estado na promoção de investimentos estruturantes, na medida em que ele passa a se preocupar mais com resultados finalísticos (geração de emprego, impulso ao empreendedorismo, geração de renda, restauração ambiental etc.), ao invés de especificar e precisar o tipo de investimento a ser realizado pelo setor privado e os procedimentos a serem adotados. Ou seja, pela nova abordagem, o Estado “sai da cozinha do empresário”, reduzindo-se o risco de falhas regulatórias, para se concentrar na qualidade do prato servido (ao contribuinte e à sociedade).

Outras características desse novo sistema econômico seriam, conforme descritas no artigo, o controle rigoroso dos efeitos multiplicadores econômicos e fiscais de qualquer tipo de desempenho de maior vulto, e o tratamento fiscal privilegiado a projetos, ações ou respectivos pacotes (integrados em programas territoriais) que venham apresentar balanço fiscal interno positivo.

Os programas territoriais de balanço positivo, que gerem, portanto, suficiente efeito multiplicador fiscal para cobrir o fluxo de despesas do setor público (inclusive despesas de dívida), deveriam então ser protegidos de ajustes fiscais. Eles funcionariam como fortes atratores de investimento e geradores de renda em escala regional; assim como geradores de fluxos econômicos com força necessária para viabilizar o investimento privado em infraestruturas.

A Engenharia Territorial, cuja função é conceber, implantar e gerenciar esses programas territoriais, já se encontra em fase adiantada de desenvolvimento, dispondo já de:

  • técnicas de gestão de programa e de gestão política;

  • propostas para novos marcos jurídicos;

  • novos modelos empresariais (empreendimentos territoriais, como serão discutidos adiante);

  • novas estratégias de financiamento; assim como

  • novos procedimentos de modelagem e de gestão da informação.

Entender finalmente o crescimento econômico

Os programas territoriais devem assumir, pelo escrito, o papel de verdadeiras máquinas de crescimento econômico regional, provendo satisfatória arrecadação fiscal para garantir a sustentabilidade fiscal dos empenhos públicos provocados no contexto do programa. Essa proposição, aparentemente um tanto ousada, requer uma discussão do crescimento econômico, mesmo que de forma resumida.

É surpreendente constatar que logo esse processo mais essencial de uma economia capitalista, que representa em escala social a acumulação de capital, recebe uma atenção relativamente pobre da Teoria Econômica e dos paradigmas vigentes (e esgotados) da condução da economia. Grandezas como inflação, emprego, investimento e poupança merecem mais atenção do que a análise do motor central que produz os respectivos resultados.

Secundando os paradigmas vigentes, modelos econométricos tentam ajustar o crescimento econômico a diversas variáveis explicativas, e as conclusões são frágeis. De maneira geral, a economia é desenhada como um fluxo que parte da poupança (ou investimento, como defende o keynesianismo), passa pela produção e termina no consumo. A essa representação retilínea, que Harvey compara com a antiga medicina galeniana, se contrapõe a circular-epiralar, onde o consumo não é o ponto final, e sim apenas um estágio do processo de acumulação, que recomeça em um novo ciclo, superior.

O mesmo autor lembra que os remédios da economia de visão galeniana, com sua expansão e retração monetária, assemelham-se aos da medicina que precedia o reconhecimento da circulação do sangue como processo circulatório: enquanto que a retração corresponde à danosa terapia de sangria, a expansão, à da transfusão. Era uma medicina que provocava mortes desnecessárias, da mesma forma que as retrações monetárias forçadas podem matar uma economia ou até o sistema político (ver o exemplo da política deflacionista adotada por During, que levou a população alemã ao desespero no início da década de 30 e à vitória de Hitler).

Por sua vez, a representação circular-espiralar não é recente, tendo sido inaugurada por Quesnay. Ela aparece também nos escritos de Marx (ciclo da acumulação do capital) e é a base da tão útil abordagem de insumo-produto, desenvolvida por Leontieff.

Partindo dessa leitura mais apropriada, já explanamos, em um artigo mais antigo (https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/debate-sobre-o-conceito-de-crescimento-economico), uma proposta conjectural sobre o processo de crescimento. No presente documento, ressaltamos seguintes proposições:

  • Como ilustrado na figura anexa, cada etapa do processo de crescimento se inicia com a conjunção de atores, seus recursos e seus projetos. Na realização dos projetos, enquanto ponto de partida do crescimento, os recursos são utilizados como insumos da produção, que, dependendo dos diversos arranjos produtivos e do nível de efetividade, resulta em um produto. Ao mesmo, o processo de produção ativa a produção de outros agentes, situados a montante e a jusante da respectiva cadeia. O resultado da produção, em escala social, é então distribuído entre os agentes, que o consomem ou entesouram. A partir daí, há um processo de empoderamento desses todos agentes, que se preparam para uma nova rodada de projetos.

  • Os agentes a serem aqui considerados não se limitam às empresas de diversos setores com diferentes ritmos de acumulação (produção direta, comércio, infraestruturas, imóveis, finanças), mas abrangem igualmente entidades não comerciais da sociedade; o Estado; as famílias; e o mercado externo. Cada um desses possui um ciclo próprio de crescimento, que merece ser considerado à parte.

  • Resulta dessa representação que o crescimento não pode ser reduzido à contabilização de volumes maiores de produtos, a mudanças no processo produtivo e a resultados em termos de renda. Sobretudo, ele não pode ser compreendido, em sua plenitude, sem a consideração das transformações sociais que ocorrem durante o processo, que vão muito além da reles distribuição de renda, onde atualmente se concentra a crítica ao capitalismo.

  • A desconsideração da transformação social em qualquer política voltada à promoção do crescimento produz um reverso de turbina na decolagem e, a certa altura, resulta em um bloqueio na geração de valor: temos, então, diversos tipos de crise, que vão redundar em uma nova, brutal redistribuição da riqueza (geralmente, desfavorável à força de trabalho).

  • O desenvolvimento tecnológico, cada vez mais acelerado, aprofunda a transformação social, e assim as relações de produção também se alteram. Por exemplo, o advento da quarta revolução industrial requer, já hoje, a superação de relações de dependência empregatícia. Entretanto, se as mudanças forem realizadas de forma a prejudicar consideravelmente a aferição de renda das famílias, além dos danos na demanda agregada, haverá uma tendência de aviltamento moral de boa parte da força de trabalho, com grandes custos e danos para a sociedade e o próprio processo produtivo.

  • Para precaver contra esse dano, é imprescindível que as transformações tecnológicas se deem pari passu com políticas de transição social, com o incentivo ao empoderamento empreendedor e político da população. Só dessa maneira a transformação tecnológica cumpre integralmente sua função histórica, superando relações de produção que se tornaram obsoletas, mas ao mesmo tempo construindo novas relações mais funcionais para o novo estágio técnico do capitalismo.

  • Para que essa transição social se dê de forma mais completa, é imprescindível que se coíba o uso da diminuição do emprego par acirrar novamente a superexploração da força de trabalho, eis que essa poderá redundar em um desincentivo para a transformação tecnológica. Assim sendo, deve fazer parte da política de transição social um combate firme a discriminações sociais de qualquer tipo e a condições desumanas de existência.

Engenharia Territorial como “máquina de crescimento”

Explanada a representação conjectural do crescimento econômico, ficamos devendo a resposta à pergunta por que a Engenharia Territorial se entende como máquina de crescimento. Indo de “bolinha” a “bolinha” no ciclo, os programas territoriais irão propelir o crescimento da seguinte forma:

  1. Mobilização dos agentes econômicos em prol de programas territoriais

Propor um programa territorial não pode se iniciar como um exercício tecnocrático. Quando muito, uma ideia inicial de programa territorial pode ser avançada, no sentido de atrair interesses e mobilizar agentes relevantes da economia, da política e da sociedade em geral. Ao longo da mobilização, a ideia irá se adaptando aos interesses e aos projetos já lançados pelos agentes aderentes.

Sem esse início eminentemente político, qualquer proposição, por mais brilhante que seja, não sairá do papel, erigindo-se mais uma lápida no nosso vasto cemitério de sonhos. A mobilização dos agentes age, assim, como momento inseminador do projeto. A mobilização também será necessária para tocar reformas legais indispensáveis para a consolidação dos programas territoriais e para a criação dos institutos jurídicos pertinentes para transformá-los em ferramenta de política pública.

  1. Concepção de programas territoriais

Uma vez despertados os interesses de agentes públicos e privados relevantes, dá-se partida ao verdadeiro ato originador do crescimento: a concepção do programa territorial e de seus projetos componentes. O programa articulará esses projetos funcionalmente, tanto do ponto de vista econômico e social, quanto do espacial, respeitando-se ainda requisitos de desenvolvimento sustentável.

Nesse momento é que começa a atuar a força da Engenharia Territorial e de sua função heurística, que é o despertar dos potenciais e das ideias de investimento e a produção de ganhos de eficiência sistêmica.

  1. A provisão dos recursos necessários

A Engenharia Territorial possui, em sua caixa de ferramentas, um conjunto de inovações organizacionais, institucionais e financeiras, que permitirão descortinar novos e inéditos espaços de viabilização de programas territoriais e projetos de grande porte. Como será explanado em seções subsequentes, essas inovações deverão engrenar também a inovação tecnológica e a transição social.

  1. Mobilização dos recursos e garantia de efetividade na produção, a partir de desenhos inovadores de sistemas produtivos

Os programas territoriais, em sua procura por maior eficiência sistêmica, têm na estruturação de clusters e na respectiva articulação com cadeias globais de valor o princípio arquitetônico básico para o desenho de novos modelos de negócio.

Tais modelos, que serão levados a cabo pelas empresas de desenvolvimento territorial (descritos em artigos subsequentes) são construídos a partir do reconhecimento inicial e sistemático das cadeias produtivas envolvidas em cada projeto estruturante no programa territorial, assim como dos respectivos elos constituintes.

Esse reconhecimento permitirá o mapeamento de numerosas oportunidades de negócio, sobretudo para pequenas e médias empresas, as quais devem ser atraídas pela empresa de desenvolvimento territorial. A empresa então as coordenará e apoiará, com vistas a maximizar a eficiência sistêmica e a segurança dos negócios; e extrairá finalmente do grande número de empreendimentos atraídos seu sustento financeiro.

  1. Arranjos institucionais e financeiros como outro braço da garantia da efetividade na produção

Novas categorias de institutos jurídicos, organizacionais e financeiros ajudarão os empreendimentos territoriais a ganhar efetividade, assim como a se beneficiar de segurança jurídica e financeira. Tais institutos também inovarão substancialmente as estratégias e as ferramentas da política pública.

Pertencem à caixa de ferramentas da Engenharia Territorial uma nova modelagem de avaliação de impactos econômicos e fiscais, novos procedimentos estratégicos de planejamento público (Operação Territorial Consorciada), novas formas de contratação administrativa (concessão por desempenho econômico) e um redesenho radical do sistema de financiamento (Sistema de Financiamento de Desenvolvimento Territorial).

Além de garantir a efetividade produtiva e a segurança às empresas de desenvolvimento territorial, esses mecanismos fornecerão ao crescimento regional uma dinâmica redobrada, como será explanado em artigos subsequentes.

  1. Otimização dos efeitos multiplicadores

Por meio do estabelecimento de metas de desempenho, os contratos de concessão e suas obrigações assegurarão a geração de empregos, o envolvimento de numerosas pequenas e médias empresas e a arrecadação fiscal suficiente para cobrir as despesas fiscais envolvidas. Outros efeitos multiplicadores serão obtidos pelo desenho e pela ação dos entes pertencentes ao sistema financeiro de desenvolvimento territorial, descrito mais adiante.

As metas contratuais podem aparecer, à primeira vista, insólitas e exigentes. Porém, elas apresentar-se-ão como perfeitamente exequíveis, na medida em que a empresa desenhe de forma mais completa possível as cadeias produtivas envolvidas nos projetos componentes e passe a estruturá-las e gerenciá-las de maneira consequente. Esse planejamento fornecerá as fontes de opções estratégicas para que a empresa de desenvolvimento territorial consiga alcançar as metas, assim como de seu retorno financeiro.

  1. Propulsão de resultados econômicos e da distribuição mais equitativa dos resultados

Os programas territoriais têm por objetivo principal atrair investimentos, gerar renda e promoção de pequenas e médias empresas, garantido o equilíbrio fiscal, o que emergirá como resultado direto das metas contratuais. O efeito mais transformador será a promoção do empreendedorismo, que deve abarcar as diversas camadas da sociedade.

Embora não seja previsível, a priori, o nível resultante de distribuição de renda, o que será seguramente mais equitativo é a distribuição de oportunidades de empreender, portanto de gerar riqueza e de realizar projetos de vida.

  1. Empoderamento dos agentes

O resultado mais importante, tanto no plano econômico quanto social, deverá ser, todavia, o empoderamento dos diversos agentes no sentido de maior capacitação e maior acesso a oportunidades de geração de riqueza. Isso é assegurado pela meta de desempenho de contratação de pequenas e médias empresas da área de referência do programa.

Esse empoderamento beneficiará não apenas as empresas, que terão sua rentabilidade assegurada, assim como as famílias, que poderão realizar e ampliar os horizontes para conceber projetos de vida, cada vez mais arrojados.

Mas igualmente o Estado, a despeito da maior contenção de despesas, sai fortalecido na sua capacidade de mobilizar e articular agentes da sociedade com vistas a realizar projetos coletivos de grande porte. Isso será explanado na descrição da Operação Territorial Consorciada.

Intermezzo

O presente artigo tinha por objetivo ainda abranger a descrição das soluções organizacionais e institucionais (operação territorial consorciada, concessão por desempenho econômico e modelo de negócio do empreendimento territorial), assim como o esboço do sistema financeiro de desenvolvimento territorial, todos eles partes inerentes aos programas territoriais.

Entretanto, devido ao tamanho já alcançado do presente artigo, resolvi desdobrá-lo em quatro partes. A última parte conterá ainda propostas de reforma da legislação, com vistas a inserir a Engenharia Territorial na caixa de ferramentas da política pública. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

18 Comentários

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  1. Devo confessar que li somente até 1/3 do texto…

    O resumão de tudo é que o Brasil não é um país capitalista e tem muita gente desonesta puxando o freio de mão. Estas pessoas desonestas estão no topo da pirâmide e querem que o Brasil continue a ser um país colonizado.

    Vou contar o que é ser industrial no Brasil: A cadeia produtiva do leite se resume ao pecuarista, a industria láctica e o consumidor final. Desde meu tempo de universidade escuto que os pequenos produtores rurais estão fadados a sair desta cadeia. Contudo os criadores de vacas leiteiras saem e voltam a atividade de acordo com o preço do leite e o preço da carne, pois é apenas vender as vacas e comprar animais de corte. A indústria láctea vê isto mas não toma a iniciativa de manter fiel o seu fornecedor da matéria prima.  

    A atividade tem um problema sazonal, excedente de produção de lácteos a preços baratos no verão e diminuição de produção no período de inverno, além do custo maior. Isto acontece desde que o Brasil foi descoberto, pois o alimento das vacas no Brasil é abundante no verão e escasso no inverno.

    Tudo bem então. 

    E daí a paçoca?

    E daí que a indústria láctea não consegue se organizar a ponto de ter a matéria prima de forma que atenda em 100% a capacidade instalada da fábrica. Neste momento conheço dois laticínios que estão sem matéria prima, caminhões de coleta de leite parados…Que capitalismo é este? E os custos comendo por trás…

    Sem falar que a demanda por lácteos é crescente no Brasil e temos a maior área de pastagens obsoletas do mundo.

    O Brasil é importador de lácteos desde a colonização portuguesa uma situação absurda para os estudiosos entendidos do ramo. Mas este ano quero ver quem vai importar leite com o dólar neste patamar.

    Este exemplo com certeza pode ser transferido para outra cadeia produtiva no Brasil.

    1. Mas o mercado é melhor que o

      Mas o mercado é melhor que o estado para alocar e gerir recursos, certo? Temos 516 anos e essa questão, dentre tantas outras, permanece em aberto. Os capitalistas que aqui estão continuam apenas querendo bamburrar, ir para Miami (como foram para Lisboa, Paris, etc nos tempos anteriores) e viver a vida.

      1. O mercado precisa ser reformulado

        A abordagem da Engenharia Territorial constrói uma nova relação entre o Poder Público e o privado, colocando a cargo de uma empresa moderna o desenvolvimento do mercado, e isso de forma atrativa para o próprio capital. 

        Para obter novos relacionamentos, você tem de transformar as estruturas. Não adiante injetar dinheiro sem pover a transformação. Isso tentei colocar no texto da forma mais clara possível. 

  2. Bom exemplo

    Continue a ler, então. Há ainda três partes. 

    O diagnóstico é esse. Mas temos de reagir, com uma estratégia contemporênea. Não adianta ficarmos na autocaompaixão…

  3. Bom exemplo

    Continue a ler, então. Há ainda três partes. 

    O diagnóstico é esse. Mas temos de reagir, com uma estratégia contemporênea. Não adianta ficarmos na autocaompaixão…

  4. Fico feliz de ver que o Brasil não tem só

    cabeças de planilhas especialistas em mercados financeiros, que se acham mestres em contas nacionais.

    Eu estava começando a ficar bem deprimido na pobreza das discussões sobre economia, mesmo aqui no GGN apesar dos posts sempre interessantes do AA, fora obvio os do LN.

    Como não sou especialista em engenharia territorial, alias muito longe disto, vou fazer uma pergunta que talvez seja um fora terrível: não seria esta ideia mestre uma evolução/modernização das ideias mestres usadas na criação da DATAR na França dos anos ’60?

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    1. Planejamento estratégico

      O DATAR foi uma ferramenta estratégica clássica do planejamento econômico e territorial. Entretanto, com verniz tecnocrático. A participação no planejamento era ainda incipiente, e mesmo essa “participação” não consegue ser profunda, dada a assimetria de informações entre a tecnocracia e a sociedade mais larga. 

      Igualmente, o DATAR, desenvolvido em plena era de Estado do Bem-Estar, de condução econômica keynesiana,  não respondia aos desafios da sustentabilidade fiscal, que é a novidade da Engenharia TErritorial.

      Já conversamos com vários técnicos estrangeiros (holandeses, belgas, franceses, alemães e chineses), que vêm um paralelismo entre nossa abordagem e o planejamento territorial que eles praticam em seus países. Mas quando apertados na questão da sustentabilidade fiscal, todos eles reconhecem que, sim, a Engenharia Territorial está inovando sobretudo na questão fiscal e financeira. 

      Na verdade, a Engenharia Territorial é um tripé formado pelas seguintes reformas estruturais: 

      a) A Operação Territorial COnsorciada e os contratos por desempenho econômico: pelas metas, o concessionário é contratualmente obrigado a mobilizar a economia e gerar espaço fiscal para cobrir as despesas publicas envolvidas no aporte governamental ao programa;

      b) O negócio territorial em moldes de gestão de clusters, que será a estratégia de cumprimento das metas de desempenho (contratos com P&ME´s, empregos, multiplicador fiscal);

      c) O Sistema de Financiamento do Desenvolvimento Territorial, tendo como tandem o Fundo Originário e o Banco de Desenvolvimento Territorial.

      Esses são os três cabeçotes para fazer a roda do crescimento gerar. Tirar um deles, a roda não se move. 

      Falta ainda alertar que a Engenharia Territorial não substitui o planejamento territorial, e sim vem para lhe dar efetividade. É como se o Planejamento Territorial fosse uma carroça (a mais excelente, antes do automóvel), mas ainda sem motor. A Engenharia Territorial seria, então esse motor, que transformará a corroça em automóvel. 

       

       

       

  5. Mas no fim sai sempre uma metralhadora

    Vou lembrar aqui uma piada que se contava na Alemanha nos anos 20, em plena crise do pós-guerra.

    Era uma vez um ex-sodado que trabalhava como operário metalúrgico em uma fábrica. Quando a esposa dele ficou grávida, eles precisaram comprar um carrinho de bebê, mas com a inflação a milhões por cento, não havia dinheiro. Então a mulher dele sugeriu: você não trabalha em uma fábrica? Então a cada dia, sem ninguém perceber, você rouba uma peça, até ficar com o material completo para montar o carrinho!

    O ex-soldado achou aquilo uma excelente ideia, e assim fez: um dia pegou umas rodas, outro dia os eixos, outro dia a alça, até que chegou em casa todo feliz dizendo que já tinha o suficiente para montar o carrinho. Fechou-se na oficina e a esposa ficou aguardando ansiosamente. Mas o tempo passava, e nada. Por fim a esposa entrou na oficina e perguntou porque ele ainda não havia montado o carrinho. Muito desanimado, ele respondeu: Não consegui! Já tentei várias vezes, mas no fim sai sempre uma metralhadora!

    Pois você agiu como esse ex-soldado. Fez o diagnóstico correto, mas ao propor a solução, fez um enunciado tão extenso e complexo que recaiu no velho dirigismo estatal que é a causa última do atoleiro onde está a nossa economia.

    Os economistas brasileiros simplesmente não conseguem pensar a economia sem propor um papel de minuciosa intervenção do Estado em todos os aspectos. Mas o Estado não é a solução, o Estado é o problema. Teve um papel essencial na fase nacional-estatista, dos anos Vargas até o fim do regime militar, mas este modelo esgotou-se nos anos 80. A recente tentativa de ressuscitar o nacional-estatismo, contida na Nova Matriz Econômica, reconduziu-nos à crise. Se no passado o Estado foi necessário para dar o impulso inicial á nossa industrialização, hoje o Estado é uma vaca leiteira distribuindo tetas a um séquito de empresários amigos-do-rei. O Estado brasileiro atual é um grande desvirtuador do capitalismo, fazendo com que a fórmula do sucesso para as empresas, ao invés da produtividade e dos bons preços, seja o boa relação com membros do governo. No fundo, faz o país retroagir aos tempos pré-capitalistas anteriores à abertura dos portos em 1808, quando vigorava o sistema econômico conhecido como mercantilismo, sob o qual inexistia o livre comércio e a livre concorrência, e todo empreendimento só era possível mediante a autorização (alvará régio) e o apoio do rei, que concedia monopólios a seus protegidos. Nossos empresários, assim como o povo em geral, são possuídos desse atavismo pré-capitalista, o que explica em grande medida o fácil trânsito do PT junto a grandes empreiteiros e aos setores mais reacionários de nossa política: não há contradição, é o casamento perfeito entre o pré-capitalismo de nossas elites e o anti-capitalismo dos petistas.

    O que precisamos para sair desse atoleiro não passa por listas imensas de passos e diretrizes, é muito mais simples: desmamar os nossos empresários. Secar as tetas por onde corre o leite que vem de nossos impostos. A selecão natural do livre mercado varrerá os empresários incapazes e premiará os competentes, criando-se assim uma nova geração de empreendedores que levará a economia do país a um novo patamar.

    1. Analise melhor a proposta…

      Convido você ver a continuação. Você vai perceber um realinhamento do Estado no sentido de uma gestão mais estratégica e finalistica, e menos intervencionista. 

      Os incentivos ao empresariado dar-se-ão por um contrato, onde qualquer despesa pública deverá ser ressarcida por multiplicador fiscal, a ser garantido pela ação da EDT. Portanto, é precisamente o fim do “almoço grátis” para o capital, como você pleiteia justamente, com outras palavras.

      Além disso, é uma proposta que insere a economia brasileira no mercado internacional.

      Leia outra vez e continuemos a discutir, sua contribuição é importante!

    2. Analise melhor a proposta…

      Convido você ver a continuação. Você vai perceber um realinhamento do Estado no sentido de uma gestão mais estratégica e finalistica, e menos intervencionista. 

      Os incentivos ao empresariado dar-se-ão por um contrato, onde qualquer despesa pública deverá ser ressarcida por multiplicador fiscal, a ser garantido pela ação da EDT. Portanto, é precisamente o fim do “almoço grátis” para o capital, como você pleiteia justamente, com outras palavras.

      Além disso, é uma proposta que insere a economia brasileira no mercado internacional.

      Leia outra vez e continuemos a discutir, sua contribuição é importante!

  6. Engenharia Territorial…. ai

    Engenharia Territorial…. ai está um termo novo para mim. Fica a impressão que teve contribuição de geógrafos na elaboração do texto ou do conceito. Texto muito bom por sinal. Aguardo ansiosamente as continuações. Concordo com o comentarista Lionel, o sr. AA e o Nassif sempre trazem discussões de alto nível e o espaço começava a ficar carente disso. Até agora.

    1. Um termo construído em um longo trabalho

      Caro Elvys, essas propostas foram construidas ao longo de décadas de pesquisa sobre políticas e investimentos em infraestrutura. Fiz três pós-doutorados, sendo que um foi exclusivamente dedicado às parcerias público-privadas. 

      O estudo das PPPs e das concessões levou à necessidade de criar uma nova abordagem que conseguisse superar as limitações das primeiras. Partindo pela produção de uma maior eficiência sistêmica, ao articular projetos públicos e privados em torno de infraestrutura e do desenvolvimento produtivo. 

      COnvido a ler as próximas três partes, onde a idéia será ainda mais concretizada. 

      A Engenharia Territorial já está começando a prender a atenção do setor público e do setor privado. As perspectivas são positivas. Mas é necessário um grande empurrão político. Vamos trabalhar juntos!

       

  7. A idéia é boa, o nome é bom.

    A idéia é boa, o nome é bom. Mas tem alguns problemas: os atores se movimentam em um espaço político, onde uns têm muito poder e outros não. Isso é muito claro nas cidades interioranas nas regiões menos desenvolvidas do Brasil (excluir portanto, parcialmente, regiões Sul e Sudeste). O pequeno e médio agricultor não têm nenhum tipo de representação política, partido, associação; cooperativa; sindicato. Ele não é representado na administração municipal e não é representado na negociação comercial. As cooperativas quando conseguem se firmar, atuam como empresas e não como rep´resentantes dos cooperados. Por isso ele não tem nenhuma força no interior da cadeia produtiva. Caso por exemmplo do leite. Quem coloca preço é o laticínio; aí as margens do produtor são baixíssimas, abaixo das margens de qualquer empreendedor urbano. Ele continua no negócio por paixão. Mas os filhos não querem seguir (existe um grande envelhecimento da população rural). O mesmo acontece com os outros produtores rurais. Não têm nenhum poder dentro da cadeia. São esmagadas tanto a jusante, como a montante. A montante pelos vendedores de insumos, caríssimos (porque dominado por monopólios, muitos estrangeiros) e a jusante por comerciantes; indústrias  (ou tradings) todos com muita concentração e muito bem organizados. 

    Um projeto de Engenharia Territorial teria que partir do pressuposto que o grande poblema do Brasil é a desigualdade. E a desigualdade de renda é consequencia da desigualdade de poder político e oportunidades. Não nos movimentamos em um espaço neutro.

    A minha convicção pessoal é que o desenvolvimento do País (em um sentido pleno) teria que iniciar levando renda para o campo. Aumentar a renda do pequeno e médio (e tambem do grande) produtor rural teria o efeito benéfico de movimentar as cidades interioranas. O problema maior do campo hoje não é terra, ela em muitas regiões já é desconcentrada, falta renda no campo. Para voce sair de uma realidade, onde os 20% mais ricos tem renda 17 ou mais vezes maior do que os 20% mais pobres, e se aproximar do nível da UE, relação de 5,5 vezes, tem que iniciar pela base, no campo, levar renda para o campo. 

    Ísso significa mudar prioridades políticas. Infraestrutura e logística para os pequenos produtores rurais, paralelamente aos corredores de exportação de commodities. Do jeito que são as prioridades hoje, todo mundo está sendo empurrado para produzir commodities de exportação. O Mato Grosso, por exemplo, importa toda sua produção de alimentos de Goiás, Brasília, São Paulo e Paraná. E os alimentos vêm pelas rodovias da soja. Porque não tem logística para o pequeno transportar, armazenar e vender na região,além de não ter assistência técnica para sistemas de produção de baixo custo que consigam competir com as produções convencionais, tecnificadas e de grande escala.

    Bem, essas são algumas observações riscadas sem muita organização.

     

    1. Muito apropriadas, suas observações

      Cara Margot, o aspecto da luta política é essencial para a implantação da Engenharia TErritorial. 

      Você pode notar, já a partir do inicio dos artigos, uma crítica veemente da situação, do ponto de vista eminentemente político. Falo do capitalismo mequetrefe e da indolencia conservadora. Portanto, não é um liguajar manso, e sim que chama à luta. 

      O nome Engenharia Territorial designa sua qualidade técnica. E sem uma proposta de avanço sem qualidade técnica, ela fica no discurso e não consegue vencer. Mas não iludamos que sua adoção requer, antes de mais nada, uma dura luta política. Já experimentamos de onde a resistência haverá de vir. 

      A desigualdade social e territorial é uma das pragas diretamente anunciadas no artigo. Talvez em uma linguagem mais nova, mas fazendo uma ligação objetiva entre ela e a nossa crise. 

      O importante é que a abordagem seja discutida, e os caminhos da luta política sejam trilhados. Isso requererá uma organização política de novo tipo. 

      Espero que a lida das próximas partes lhe tragam maiores esclarecimentos, na medida em que a abordagem seja detalhada. 

      Contamos com sua continua colaboração no debate.

      Abraços

       

  8. Mas tem a globo

    Descupem a intromissão, mas no nosso país a um elemento chamdo globo que, atendendo não sei a que interesse, destroi tudo.

    A propaganda que a globo fez da inflação, promoveu a inflação como se promove um produto para o mercado, a propaganda permanente da crise, escondendo qualquer coisa positiva, que seria bem menor sem o grande interesse da globo, a difusão de tudo que é anti democrático como a negativaçào da política, que havia nos trazido tantos ganhos econômicos e socias, que foi abraçada ingenuamente pelo judiciário enquanto defendia seus privilégios, etc, foi mortal para o país.

    Tudo o proposto ai em cima será destruido por esta peste social chamda globo.

    Que interesse há atrás da globo para ela ser tão efetiva no desastre que traz?

    1. Entenda isso como programa de luta política

      A abordagem aqui exposta é consensuável para uma maior parte da sociedade e para os próprios empresários, pelo menos para a parte não parasita. Ela pode trazer uma forte onda de crescimento. E é democratizante (leia novamente esse artigo e os próximos). 

      Quanto à Globo, se for possível mobilizar toda uma aliança, ela terá de dançar conforme a música. A força da Globo está na exploração da crise, que não foi ela que provocou, e sim o esgotamento do paradigma keynesiano. 

      Mas as transformações tecnológicas e sociais podem abrir espaço para a redução paulatina de monstrengos monopolistas. Desde que sejamos capazes de compreender e canalizar a 4a Revolução de forma positiva. Aí está um novo conteúdo da luta histórica pela democracia. 

  9. Parabens pelo texto bem elaborado

    Essa abordagem tem paralelos com discussoes, bem mais pontuais, que aparecem em mestrados e doutorados na area de Desenvolvimento Regional. Estes ultimos contudo geralmente nao abordam aspectos macro (politica economica), mas geralmente propoe solucoes de arranjos produtivos e clusterizacao de empresas alinhados a politicas publicas sociais regionais (p.ex. saude, educacao, desenvolvimento rural…).

    Eu vejo que no plano teorico varias solucoes sao validas, o problema como sempre é a “traducao” dessas medidas para a esfera “real”. Comeco e termino com a politica das camaras altas no Brasil: para se discutir uma politica territorial sera impreterivelmente necessario passar por uma reforma agraria. Se uma propostinha agraria qqer como pagamento de impostos rurais (tipicamente “enrolados” juridicamente por geracoes em grandes propriedades), por mais consevadora que seja, nao chega nem à agenda das camaras altas quem diria um plano tao minucioso como o detalhado no texto. Como transformar esse plano denso em um projeto de lei que nao sofrera grandes alteracoes por atores que legitimamente (mais ou menos intensidade dependendo do grau de influencia) tem o direito de questiona-lo.

    Pessoalmente, acho que uma cartilha destas esta mais para um plano de partido, que poderia direcionar uma plano de governo “meio que” de um partido centro esquerda dependendo do alcance das politicas sociais, do que um plano pragmatico que possa ser aplicado num espaco de  tempo de um mandato. Elementos mais relevantes podem ser priorizados para a discussao politica e tecnica, colocados como pilares numa aposta de nova ordem economica interna. Agora, sou muito cetico qdo vejo o perfil dos detentores e agentes do poder economico e politico que se fundam na logica basica do Brasil que é: quem tem privilegios nao esta disposto a abrir mao deles.

  10. Concordâncias em 95% dos conceitos e princípios orientadores. 5% de dúvida que pode tornar-se (ou não) divergência: Projetos de grande alcance podem ser construídos por conjuntos articulados de projetos pequenos, médios e grandes ou são mesmo mega-projetos?

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