Contando histórias, por Gustavo Gollo

por Gustavo Gollo

Foi Karl Popper quem estabeleceu, seguindo David Hume, que o melhor que podemos fazer para conhecer o mundo é contar histórias sobre ele, que nada além disso pode ser conseguido. Assim, toda a ciência humana, todo o conhecimento, não passará, nunca, de um conjunto de histórias. Mas, não qualquer tipo de história, dizia Popper, não meras histórias, mas histórias bem contadas. (Para a imensa maioria isso parecerá misterioso: qual a diferença entre uma boa história e uma mera história? Adiantarei que: boas histórias se impõem, não podem ser facilmente substituídas por outras, meras histórias o são.).

Que fazer se temos duas histórias igualmente verossímeis relatando o mesmo fato? Contamos as duas. E o que fazer se temos mil dessas, igualmente verossímeis? Tentamos construir uma mais plausível, mas vamos contando as que temos.

Os físicos têm boas histórias para contar. São apenas histórias, um dia serão superadas por outras melhores. Mas não são meras histórias, são melhores que todas as outras que conseguimos contar, muito melhores. Nenhuma das outras se encaixa nos fatos descritos por elas de maneira tão justa.

 

E quanto às histórias contadas pelos jornais? Também não podem ser mais que histórias, mas nesse caso, grassam as mentiras.

Uma mentira internacional, contada pelo FMI, entre outros, atribuía a queda de preços dos principais produtos produzidos no Brasil, fator que depreciou a economia e favoreceu o golpe, a uma suposta decadência da economia chinesa. Um raciocínio absurdo, repetido inúmeras vezes, alegava que a redução do crescimento da economia chinesa de 10% para 7% ao ano teria reduzido a demanda de produtos, causando a redução de preços. O absurdo é gritante. Contarei história melhor.

Os BRICS estavam se tornando um bloco muito forte, estavam crescendo e logo se tornariam a força hegemônica mundial. Isso ia acontecer bem rapidamente, é espantosa a velocidade com que essas coisas acontecem quando governadas por desenvolvimentos exponenciais. A economia brasileira duplicaria em uma década, quadruplicaria em duas… de qualquer modo, se os BRICS não tivessem sido dinamitados, se Brasil e Rússia não tivessem sido fortemente abalados por golpes econômicos, os BRICS já estariam ditando as regras do mundo. Note que os outros participantes do bloco também sofreram sanções. (Imagine se aquela euforia brasileira pré-olímpica estivesse durando até hoje).

Então derrubaram os preços dos produtos produzidos no Brasil. Como isso é possível? Suponho que minérios sejam comprados fora do país pelos mesmos que vendem aqui, podendo, eles próprios, arbitrar qualquer preço. Outros produtos, como soja, e café, são mais suscetíveis à propaganda e aos boatos; contam-se histórias e derrubam-se preços.

A propaganda política levou boa parte da população a jogar contra o próprio país. Os empresários jogavam contra… a redução dos preços dos produtos de exportação reduziu a entrada de dinheiro no país e causou dificuldades econômicas. Um fato surpreendente foi que, durante a deposição de Dilma, a economia real brasileira continuava a crescer, apesar da crise! Isso me parece impressionante, a produção brasileira aumentava durante a crise, apesar dos preços completamente aviltados.

Então, de acordo com minha história, o que derrubou os preços dos produtos brasileiros permitindo a instabilidade política não foi a redução da demanda, mas sim um conluio internacional abraçado pela elite brasileira com o intuito de promover o golpe.

Quem quiser contar história melhor deve lembrar que o crescimento anual da economia chinesa tem sido superior a 6%.

(As medidas econômicas tomadas pelo usurpador reverterão o país às condições do milênio passado).

Existem fortes indicações de uma guerra econômica iminente entre EUA e China sob o comando do novo presidente americano, o que pressagia um péssimo ano para a economia mundial. Seremos pegos de calças curtas e, ao contrário de 2008, as marolas, agora, nos chegarão como maremotos.

 

Depois da China, a Índia despontará como potência emergente, mas isso ainda demora uma década.

                                   

Mas, deixemos de lado essas questões econômicas cuja importância vem sendo amplificada a extremos pelos meios de comunicação através de equacionamentos repetidos de forma massacrante com o objetivo de levar o foco de nossas atenções para a irrealidade financeira, para o mundo mágico do dinheiro. Iludidos pela magia do dinheiro, entregamo-nos ao controle dos poderosos, os magos que controlam esse poder mágico.

Embora o dinheiro seja apenas uma ilusão, uma crença tão idiota quanto execrável implementada para subjugar a multidão, sua intercambialidade universal permite que ele estabeleça uma escala única para tudo. Permeando tudo o que existe através de um preço, o dinheiro é o deus do ocidente, venerado, aqui, sobre todas as coisas. Haverá pastor que reze antes para outro deus?

Costumamos pensar no dinheiro como sinônimo de riqueza, trata-se mais do contrário. O dinheiro empobrece em decorrência, exatamente, do que parece ser sua riqueza; refiro-me à diversidade. Penso que riqueza seja sinônimo de diversidade, enquanto a abundância descreva melhor a glutoneria. Se é fato que o dinheiro permite o acesso à diversidade, constituindo, assim, fonte de riqueza aos mais sábios, é muito mais usado para saciar a gula. O dinheiro é o principal responsável pela homogenização do mundo, o tom cinzento, a falta de colorido que permeia, hoje, todo o planeta.

Mas chega disso, tornemos à queda do ocidente que ocorrerá concomitante à derrocada do dólar e ocasionará a queda do pano que oculta a profusão de mentiras que tem sustentado o nosso mundo. Sim, leitor, a sua vida não tem sentido porque você tem vivido imerso em uma imensa mentira. Nosso chão, nossos horizontes, são como uma imensa colcha de retalhos, de mentiras remendadas umas às outras. Não é possível dar sentido a uma vida transcorrida sobre um mar de mentiras.

A queda do pano, o esboroamento das mentiras, permitirá nosso acesso a inúmeras fontes. De fato, tendo vivido na cegueira e escuridão, ficaremos ofuscados pelo transbordamento momentâneo da luminosidade não velada, será essa a nossa limitação, e talvez não queiramos abrir os olhos feridos pela luz da realidade; talvez não a queiramos admitir. A maioria de nós buscará, aturdida, a normalidade mentirosa e confortável com a qual se acostumou, mesmo tendo sempre vivido ali como servos inúteis, entristecidos e sem rumo. Nossa servidão é voluntária, determinada pela finalidade de seguir o rebanho. (Nossos neurônios são predispostos a se agrupar e agir em uníssono. Conectados uns aos outros, através de uma trave, como nos bois de canga, dois ou mais cérebros acabam por se comportar como um só. A linguagem possui o mesmo papel que as cangas, podendo nos unir nossos cérebros em um modo wireless. Estamos vivendo a neuronização, o agrupamento de muitos cérebros em redes conectadas por dispositivos de comunicação que acabarão por ser miniaturizados e implantados em nossos corpos).

                               

O estilhaçamento

Enquanto uma multidão de mentes permanecerá presa a um imenso rebanho, tendo perdido a individualidade e o arbítrio, um conjunto delas terá acesso a uma enorme diversidade, usufruindo assim de grande riqueza e gerando diversidade crescente de ideias.

O século XX se caracterizou pela homogenização de tudo, pelo empobrecimento do ambiente e das ideias. Pensamos, todos, do mesmo modo, buscamos, todos, os mesmos objetivos fúteis. Somos similarmente tolos desde essa época.

A exposição das mentiras que engolfam o nosso mundo resultará na babelização, na diversificação de objetivos, crenças, modos de vida, ideias e de toda a cultura. Um vasto leque se desvelará com a denúncia das mentiras sobre as quais construímos nossas vidas, proporcionando uma riqueza cultural que abarrotará nossas mentes limitadas pela miséria na qual temos vivido. Livres do cerceamento imposto pelas limitações definidas pela normalidade, nos ressentiremos da amplidão, tendo perdido o conhecimento e o hábito de desvendar trilhas; devemos nos preparar para a multiplicidade. Grassarão por aqui ideias vindas do oriente, entre outras.

A queda, a ruptura com a normalidade, deixará o mundo com a aparência de um imenso absurdo, o que será bastante incômodo para quase todos. (Para uns poucos terá o ar de festa).

O absurdo é, de fato, a regra; tudo é completamente absurdo e apenas com um esforço extraordinário conseguimos eliminar esse “desconforto”. A infância é uma luta constante contra o absurdo; o bebê emerge em um mundo fantástico, sem regras, para, tolido, dia após dia, enquanto cresce, ir se circunscrevendo ao universo restrito da normalidade.

A aparência costumeira de continuidade, a normalidade do mundo, é uma criação conjunta mantida a duros esforços. A atividade mais usual de nossa mente, tão constante quanto nossa respiração, é a eliminação dos delírios que pululam à nossa volta, a exclusão das estranhezas, do mundo mágico, incontrolável, que constitui o universo infantil. A sanidade consiste apenas na adesão às alucinações eleitas pela coletividade para o status de realidade. A perplexidade é a norma entre as mentes despertas; a normalidade uma decorrência do embotamento mental.

 

Os matizes cinzentos e entristecidos da normalidade são o resultado da dominação. Junto com a diversidade, eliminamos, também, o colorido do mundo; com ele, foi-se nossa alegria, vieram os anti-depressivos.

          

Para lembrar

Entre dois pontos existem infinitos pontos; a infinitude permeia tudo ao redor. Existem, sempre, infinitas possibilidades.

Mas costumamos nos restringir ao mundo conceitual; nesse, ficamos restritos pelas poucas escolhas que nos apresentam. Perguntam-nos: você vai seguir pelo caminho A ou pelo caminho B? Mas podemos construir nosso próprio caminho, não precisamos seguir por caminhos já traçados e pré-definidos por outros.

Também podemos criar conceitos. Novos conceitos são portais para novos mundos.   

     

   

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Redação

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