Cortina de fumaça para a construção de um Estado mínimo?, por Emilio Chernavsky

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Cortina de fumaça para a construção de um Estado mínimo?

por Emilio Chernavsky

Na última segunda-feira 10 a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a PEC 241, Proposta de Emenda à Constituição que limita por vinte anos em termos reais os gastos primários da União aos valores realizados em 2016. Ela tem sido defendida no Congresso e nos meios de comunicação como indispensável para reverter o desequilíbrio fiscal do Governo Federal e salvar o país do desastre; segundo o relator da proposta na Câmara, “sem a sua aprovação, nossa economia entrará em colapso nos próximos anos, com devastadoras consequências para a coesão social. […] o Dia do Juízo Fiscal chegará e atingirá a todos.”

Tal previsão apocalíptica se apoia no diagnóstico de que o Brasil se encontra numa profunda crise fiscal, com uma trajetória explosiva de crescimento da dívida pública que aumentará seu custo de financiamento e levará, em um futuro próximo, à recusa por parte dos investidores em financiá-la; nessa situação, somente restaria ao governo aumentar fortemente os impostos ou recorrer à emissão inflacionária de moeda. Já antevendo essa possibilidade os empresários teriam deixado de investir, contribuindo para a recessão atual que se aprofundará se nada for feito. É nesse contexto que a PEC, ao sinalizar aos agentes o esforço em buscar a sustentabilidade da dívida seria crucial para rapidamente recuperar a confiança, reduzir a taxa de juros e retomar o investimento e, com ele, o crescimento econômico e a arrecadação fiscal.

É verdade que o país atravessa uma recessão profunda e que a situação fiscal não é confortável, e que a dívida pública assumiu nos últimos dois anos uma trajetória indesejada. Contudo, não é claro que a introdução de um limite aos gastos como o proposto pela PEC seja capaz de cumprir suas promessas, mesmo se sua permanência no tempo fosse crível – o que não é garantido diante dos sacrifícios que impõe à população e do desgaste político que provoca numa base governamental frágil. Com efeito, mesmo assumindo que a medida ajude a aumentar a confiança dos empresários no governo e a reduzir os juros, as perspectivas de rentabilidade do investimento produtivo são pouco promissoras. Isto porque o consumo interno deve permanecer em queda por um longo período com a continuidade da deterioração do mercado de trabalho e a cautela dos bancos em emprestar com a alta da inadimplência, e a demanda externa deve seguir prejudicada pela valorização real da taxa de câmbio e pela estagnação da economia internacional. Por outro lado, mesmo que o governo supere as dificuldades de regulação e financiamento e as empresas do setor resolvam seus problemas jurídicos e financeiros ou, ainda, firmas estrangeiras entrem no mercado, nada do que é certo, é difícil crer que o investimento em infraestrutura possa alavancar a economia em ambiente tão adverso. Sem a prometida retomada do investimento privado, e com o investimento público contido em função do limite aos gastos, a expansão do PIB e a arrecadação do governo não se recuperariam, e a dívida pública continuaria a crescer. Anunciada como imprescindível para retomar o crescimento e solucionar o problema fiscal, a PEC fracassaria na busca de ambos os objetivos.

Mesmo que isso ocorresse, o limite aos gastos poderia ainda ser defendido com base em sua contribuição para uma melhor administração das finanças públicas, uma vez que eleva a previsibilidade da política fiscal e evita o aumento de gastos em momentos favoráveis que acentua o ciclo econômico. Todavia, não parece ser esse o objetivo da proposta, pois, se assim fosse, o limite deveria, como tipicamente ocorre nos países em que é adotado, ser indexado à evolução do PIB ou da receita do governo, para que os gastos possam acompanhar a capacidade do país de custeá-los. Poderia também ser indexado à dívida pública, que é justamente o indicador que se pretende reduzir ou estabilizar. Ainda, poderia ser definido como uma taxa de crescimento em termos reais aplicada durante um período curto, possivelmente equivalente ao da legislatura, o que permitiria adaptar a política fiscal a choques adversos e a mudanças nas preferências da sociedade de forma clara e transparente.

Ao seguir outro caminho e inscrever na Constituição uma regra singularmente severa e inflexível que congela o total de gastos primários independentemente do crescimento do PIB e, especialmente, ao fixar a validade dessa regra para um período muito mais longo que o fixado em qualquer regra adotada no mundo, a proposta se afasta claramente das práticas internacionais e revela seu objetivo central: redesenhar o Estado para que a parcela do gasto público na renda nacional, hoje em torno de 40% do PIB segundo dados do FMI, situando o Brasil próximo à média dos países desenvolvidos, seja cada vez menor, chegando a algo entre 20 e 25% em vinte anos. Com isso, também cada vez menor seria a capacidade do Estado de reparar injustiças históricas e promover uma sociedade menos desigual por meio da transferência de recursos a seus estratos mais vulneráveis e do fornecimento de mais e melhores serviços públicos a uma população que cresce em número e em demandas.

A escolha do tamanho do Estado, ou seja, dos recursos que ele controla e das obrigações que possui, é uma escolha legítima a ser feita por um país democrático. O Brasil apontou na direção da construção de um Estado de bem-estar social na Constituição de 1988 que, com a PEC, o governo pretende desmontar e substituir por um Estado mínimo. Como dificilmente a população faria essa escolha de forma explícita pelo voto, é preciso uma cortina de fumaça para dissimulá-la. O catastrofismo em torno à ameaça de colapso econômico em caso da PEC não ser aprovada cumpre exatamente esse papel.

Emilio Chernavsky – Doutor em economia pela USP

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. A síntese do Estado mínimo, por Flávio Rocha

    Flávio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo, foi um dos artífices do golpe, o braço empresarial articulador. Vejam a entrevista toda, concedida em 18 de agosto, em especial a partir do minuto 21, onde diz: “…viramos um país normal (…) mais importante do que se atirar à tarefa de restaurar esse Estado sucateado. Não precisamos mais de um Estado como o porta-aviões Minas Gerais (*), o Estado do futuro será um veleiro com casco de fibra de carbono, com instrumentos digitalizados (sic) de última geração,com as velas sopradas pelos bons ventos do livre mercado (**). “

    (*) a analogia é óbvia, ultrapassado, obsoleto, grande, pesado, anacrônico

    (**) livre mercado – começe dispensando a ajuda do BNDES ao Grupo Guararapes

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=awl9PZjZu6A%5D

     

    1. Olá meu caro debatedor

      Olá meu caro debatedor FJ

      acabo de ver o  interessante vídeo.

      Trata-se de uma “excelente” entrevista que nos mostra uma luz no fim do túnel nesses tempos de “crise”, ou seja, um trem de ferro vindo em nossa direção.

      Avante Brasil!

      Diante desse “excelente” aula de “empreendedorismo” pude compreender que no varejo o que vale – num ambiente de “livre mercado” com democracia – é a mercadoria. E nesse sentido, o trabalho também é mercadoria! 

      Heureca! Só o Brasil ainda acredita naquela “anacrônica” Declaração dos direitos humanos (1948)! Que atraso! Tenho nojo desse “atraso” Brasileiro.

      Nossas leis precisam ser mais modernas, flexíveis e , ao mesmo tempo, gerar “segurança jurídica” paras os “empreendedores”, sobretudo, os intermediários, que compram e vendem “mercadorias”

       

      Agora sim! Pude compreender  que o  nosso  “Estado”  é anacrônico , com leis antigas as quais não deixam o espírito animal prosperar para “gerar” emprego de “carteira assinada”, para o resto da vida. Se possível sem aposentadoria!

       

      No varejo você pode comprar  a sua roupa ou o seu eletroeletrônico com parecelas que cabem no seu orçamento! Eis a solução!

      Pague “3” e leve “2” , com prestações fixas e sucessivas modernas do tipo price!

      O estado – com seu anacronismo – “atrapalha” os “negócios” com mercadorias! Já o mercado – com seu anatocismo –  impulsiona os negócios com mercadorias!

       

      Vale dizer ainda que esse “estado” arcaico só atrapalha. Veja você que coisa mais “arcaica”

       

      O grupo Riachuelo foi condenado a pagar pensão vitalícia a uma de suas ex-funcionárias em mais uma ação que revela as precárias condições de trabalho impostas às costureiras que produzem para as grandes marcas da moda. Fonte: Internet, 27/01/2016

      Vamo que vamo! Agora com esse “novo” governo os “investidores” vão “investir no Brasil  que não cansa! O brasil do  futuro e que não quer saber de aposentadoria!

       

      Yes, we can!

       

       

       

    2. Pois é. Essa é a síntese do

      Pois é. Essa é a síntese do empresariado brasileiro. Estado mínimo em tributação e máximo em investimentos (benesses) ao setor privado.

      Esse é o empreendedorismo à brasileira.

  2. Nem precisa de cortina de

    Nem precisa de cortina de fumaça. A maioria da população é tão estúpida que não entende não entende uma guampa das “reformas” que estão sendo implementadas, muto menos seus impactos. Sabe como é: linguajar dificil, ideias difíceis de serem entendidas, etc.

    Quando começar a faltar de tudo e os serviços públicos extiverem virtualmente falidos é só a Globo dizer para o imbecil coxinha (ou o pobre f*** que vive na favela) que é tudo culpa da “corrupição do petê. Tem lógica. No mínusculo cérebro atrofiado estupidificado da maioria é mais entrar a ideia de que nada funciona porque os corruptos levam tudo. Muito mais difícil é enfiar numa cabeça oca a verdade, ou seja, que a culpa é de um bando de banqueiros fdp que estão aplicando políticas macroeconômicas que tem como objetivo sugarem o sangue do país.

     

  3. E o empresariado golpista parou de investir

    E o pior é que o empresariado golpista, que embolsaram bilhões com a Dilma tentando alavancar a economia, acreditou nestes bndidos, simplesmernte não querem investir, mesmo com o golpe que deram.

    Aí fic a difícil.

  4. Poucos países inscreveram em

    Poucos países inscreveram em suas consitituições regras ou pactos fiscais com vistas a impedir que os governos “gastem mais do que arrecadam”, limitar a expansão da dívida pública e garantir a solvência do Estado.

    Nesses poucos países em geral as disposições constitucionais não fazem referências direta aos gastos correntes do Governo, raramente são regras rígidas ou não revisáveis e quase sempre levam em consideração uma série excepcionalidades que permitem relaxar a tal norma.

    Os EUA fala em teto para a dívida (desde 1994 ocorreram 103 alterações nesse teto). Na Alemanha alguns artigos da Constituição faz referência ao equilíbrio orçamentário e determina que o endividamento não pode exceder os gastos em investimento previsto no orçamento, apenas em 2009 é que introduziram um teto para o déficit estrutural para o Estado Central (que não é igual a defitit público corrente) e sua vigência para as entidades da federação é prevista para começar a valer em 2020. Em Suiça exite um artigo aprovado em 2001 que obriga o Governo Central a manter um “equilíbrio de longo prazo” entre receitas e despesas. E finalmente, a Espanha com a crise econômica aprovou (a forceps e com ameaça dos parceiros europeus) uma emenda a sua constituição, onde prevê um “déficit estrutural” de 0.4% em relação ao PIB e remete a vigência desse déficit para os governos locais também para 2020. Dentro da zona euro também existe um Pacto Fiscal Europeu também faz referência a compromissos de um déficit estrutural de 0.5% do PIB e uma dívida pública de no máximo de 60% do PIB e de seus estados membros colocar esses compromissos em suas cartas constitucionais. Os estados membros tem até 20 anos!!!! para se adequar a essas normas.

    Não precisamos nem listar as diferenças abissais que temos em relação a esses países que contam com estruturas tributárias mais eficientes e mais progressivas (onde os mais ricos pagam proporcionalmente mais do que os mais pobres), gastos em equipamentos, proteção e previdência sociais pública bastante mais elevados do que os nossos e, prinmcipalmente, um custo de rolagem de suas dívidas públicas infinitamente mais baratas dos que as nossas. Por outro lado nossa dívida em proporção ao PIB é muito menor do que nesses países. Ou seja estamos ignorando o esforço feito em termos de superavit primário durante os últimos treze, o impacto mais que negativo e duplo para as finanças públicas de uma crise econômica profunda e uma elevação contínua dos custos de rolagem da dívida pública nos últimos 5 anos (desde que revertemos a queda e passamos a aumentar a taxas de juros de nosso mínimo histórico em julho de 2013).

    Ou seja, isso é uma covardia típica de um governo usurpador e ilegítimo que tenta reverter a decisão das urnas e impor um pacote de choque ao gosto de nossos rentintas.

  5. Lembro-me que no auge do
    Lembro-me que no auge do crescimento da economia o PT não aceitava a crítica de que se deveria equilibrar as contas e transferir gastos de custeio para investimento. O único argumento era:” A relação dívida PIB está mais baixa do que na era FHC.” Ou Mântega dizia:” Um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém “. Nenhum político ousava contrariar a máquina da gastança e tirar uma casquinha.
    Heis que me surpreende este combate à PEC diante de todo cenário apontado no início deste artigo.
    Atento ao comentário em que alguém pede leis mais flexíveis e segurança jurídica. Isso é no mínimo contraditório!

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