Criação de “Estatais não Dependentes” para securitizar Dívida Ativa e lesar a sociedade, por Maria Lucia Fattorelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Esquema Financeiro Fraudulento e Sistema da Dívida

Criação de “Estatais não Dependentes” para securitizar Dívida Ativa e lesar a sociedade

por Maria Lucia Fattorelli

O modelo de securitização de créditos em expansão no Brasil constitui a materialização da financeirização em sua forma mais violenta, ilegal e inescrupulosa, atingindo diversos entes federados – União, Estados e Municípios –  com risco de aniquilamento das finanças públicas e comprometimento das futuras gerações.

Enquanto empresas como Eletrobrás, Casa da Moeda e joias como CEMIG, CEDAE, entre outras centenas de empresas estatais são privatizadas, novas “empresas estatais não dependentes” estão sendo criadas para operar esquema financeiro fraudulento, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A em São Paulo.

Tais empresas servem de fachada para que o ente federado faça uma operação de crédito disfarçada, ilegal e extremamente onerosa, obtendo recursos no mercado financeiro graças à venda de derivativos financeiros com garantia pública – disfarçados de debêntures sênior – oferecidos ao mercado com esforços restritos, de tal forma que somente privilegiados que têm acesso a esse negócio, sem o registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e remuneração exorbitante.

A elevada remuneração oferecida pela empresa está sendo paga com recursos arrecadados de contribuintes, e que sequer chegarão ao orçamento público, pois ainda na rede bancária estão sendo desviados para uma “conta vinculada” à empresa estatal criada para operar o esquema e, desta, sequestrados em favor dos privilegiados que adquiriram os derivativos.   

No caso de Belo Horizonte, onde a Câmara Municipal realiza uma CPI sobre a PBH Ativos S/A, foi constatado que a garantia pública concedida a essa empresa foi superior a 440% do valor recebido: o município recebeu R$200 milhões e se comprometeu com garantias no valor de R$ 880 milhões, acrescido de atualização monetária (IPCA), e ainda paga remuneração adicional mensal sobre esse montante.

Em pouco mais de 3 (três) anos de funcionamento, essa perversa “engenharia financeira” possibilitou, inicialmente, a realização de uma operação de crédito disfarçada que ingressou R$ 200 milhões nos cofres do Município, porém, já provocou (1) uma perda efetiva ao Município de Belo Horizonte de cerca de R$ 70 milhões¹; (2) o desvio dos recursos correspondentes aos créditos cedidos arrecadados na rede bancária², e (3) o sequestro de cerca de 50% desses recursos [3] em favor do banco BTG Pactual S/A[4] , conforme quadro comparativo das entradas e as saídas de recursos na PBH ATIVOS S/A no período de abril/2014 a junho/2017, elaborado com base em dados recebidos pela CPI.

Tanto a operação de crédito como o seu pagamento são feitos de forma disfarçada pela emissão de debêntures sênior e subordinadas, que configuram uma forma de endividamento não autorizado, mascarados por esses derivativos financeiros.

O dano ao Estado é imenso, com impactos atuais e futuros, conforme alertado inclusive por órgãos de controle (Ministério Público de Contas, Tribunal de Contas da União), que têm se manifestado contrários a esse tipo de negócio. Ainda assim ele se alastra e o ministro Henrique Meirelles está buscando implementa-lo também em âmbito federal [5] .

Essa “engenharia financeira” fere toda a legislação de finanças públicas do país, portanto é ilegal. Porém, projetos em andamento no Congresso Nacional visam dar segurança jurídica a esse crime (PLS 204/2016, que tramita no Senado e os projetos PLP 181/2015 e PL 3337/2015 da Câmara dos Deputados).

Esse tipo de securitização é semelhante ao que provocou a crise de 2007 nos EUA e também na Europa a partir de 2010. Porém, o modelo que está sendo implantado no Brasil é ainda mais grave, pulverizado pelos entes federados de todas as esferas.

Ainda há tempo de reverter esse esquema no Brasil, mas para isso a sociedade precisa conhecer e divulgar esse novo mecanismo perverso. A Auditoria Cidadã da Dívida tem produzido materiais, a exemplo do folheto disponível em https://goo.gl/NScngN e Vídeo/animação disponível em https://goo.gl/vo9Bys .

Seminário internacional sobre o tema ocorrerá em Brasília, de 7 a 9 de novembro de 2017, com a presença de especialistas nacionais e internacionais. O objetivo é reunir especialistas, acadêmicos, juristas, políticos e militantes  para analisar a atuação do Sistema da Dívida no Brasil e em outros países da Europa e América Latina, com foco na atuação dos recentes mecanismos financeiros perversos que aprofundam a financeirização e provocam simultaneamente a geração de dívida, o desvio de arrecadação e o seu sequestro em favor do setor financeiro, a fim de lançar luz sobre o tema e articular ações concretas em âmbito nacional e internacional nos diversos campos – jurídico, legislativo, acadêmico, social e político – visando popularizar o conhecimento desses mecanismos e combatê-los.

Maria Lucia Fattorelli – Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br

1 Diferença entre o valor dos créditos arrecadados R$ 531,45 milhões) e o valor repassado pela PBH ATIVOS S/A ao Município (R$ 462,16 milhões).
2 Caso não tivesse sido implementada essa “engenharia financeira”, todo o valor arrecadado (R$531,45 milhões) teria ingressado diretamente aos cofres públicos, mas foi desviado para Contas Vinculadas à PBH Ativos S/A.
3 Considerando que no valor de R$ 462,16 milhões repassados pela PBH ATIVOS S/A ao Município está embutido o valor de R$ 200 milhões referentes à operação de crédito correspondente à captação de recursos por meio da venda de debêntures sênior, constata-se que do total de créditos tributários arrecadados no período (R$ 531,45 milhões), apenas R$ 262,16 milhões ingressaram nos cofres do Município de Belo Horizonte. A outra parte, no valor de R$ 269,28 milhões, a maior parte (R$ 259,96) é transferida para o Banco BTG Pactual, e o restante fica para a PBH Ativos S/A. Tais operações serão detalhadas em capítulos seguintes.
4 O BTG Pactual S/A, embora tenha sido o líder da operação de emissão de debêntures da PBH Ativos S/A, foi também o único comprador das mesmas.
http://exame.abril.com.br/economia/meirelles-conversa-com-tcu-sobre-ideia-de-securitizacao-da-divida-ativa/
 
 
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Texto com muitos erros conceituais

    Os recursos captados com a securitização não são perdidos, como dá a entender a autora em suas contas. Pelo contrário, tiveram o seu recebimento, que se daria em data incerta, garantido em uma data específica, assegurando melhor planejamento, e foram utilizados pela prefeitura.

    Adicionalmente, esses créditos securitizados referem-se a renegociações de créditos com fato gerador no passado, sendo desonestidade intelectual qualificar a securitização como antecipação de receita ou muito menos financiamento.

  2. A cabala do dinheiro

    Não foi sobre a reprodução  sexuada que Jeová ordenou aos seu servos: crescei e multiplicai ; foi sobre o  dinheiro.

    Trabalhar pra quê?

    A filosofia é fazer o dinheiro fazer alguém trabalhar pra você.

    Os pobres do caminho, vós sempre os tereis convosco.

     

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