O princípio da autoridade em Jacques Maritain

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Passeando num sebo hoje adquiri este livro por R$ 13,00. Ele foi editado em 1946 pela Agir. Os ensaios que compõe o livro foram escritos entre 1939 e 1941, portanto, durante a II Guerra Mundial. Seu autor, Jacques Maritain, é um filósofo francês de orientação católica que foi influenciado por Bergson. O livro está em excelente estado de conservação e ganhou uma nova encadernação em capa dura azul com inscrições douradas sobre a capa original, que se encontra preservada. A edição tem 239 páginas e o formato do livro é 19 cm x 14,5 cm. Fotografei uma página da obra para permitir ao interessado um contato rápido com o pensamento do autor https://www.facebook.com/photo.php?fbid=788710824486081&set=a.345737828783385.85599.100000415136357&type=1&theater&notif_t=photo_comment .

No fragmento ilustrativo, Jacques Maritain defende a tese de que a natureza humana só “…se pode desenvolver no estado de cultura…” e que este depende da existência da autoridade, cuja origem se encontra no “direito natural”. Segundo o autor deve haver aqueles que mandam e aqueles que obedeçam “…sendo o modo de designação dos primeiros uma questão à parte, a ser regulada a seguir e segundo a razão.”

É fácil ver como Maritain rejeita tanto o comunismo quanto o nazismo. Desde que Hitler chegou ao poder na Alemanha, sempre que ouviam a palavra “cultura” os nazistas sacavam suas pistolas e começavam a atirar para demonstrar como e porque a autoridade só pode derivar da força bruta, da coação que o mais forte exerce sobre o mais fraco para exterminar sua vontade ou exterminá-lo com ela. Os comunistas rejeitavam a autoridade derivada do “direito natural”, pois o marxismo enfatiza a natureza ideológica e, portanto, cultural de toda e qualquer forma de hierarquia e se propõe a subverter a ordem estabelecida de maneira a eliminar a exploração do homem pelo homem.

Maritain não procura um meio termo entre estas duas ideologias que estavam em guerra quando ele produziu a obra. Ele apenas as rejeita em princípio, na medida em que faz derivar a autoridade nem da força bruta (nazismo) nem da ortodoxia histórico-materialista (marxismo).

A crítica que se pode fazer a Jacques Maritain é a mesma que se faz a todo e qualquer filósofo que recorra ao “direito natural” para fundamentar ou explicar a autoridade. A Natureza não produziu o “direito natural”, ele é uma construção humana tardia criada para explicar as desigualdades e preservá-las. Aqueles que recorrem ao “direito natural” para explicar a autoridade se esquecem que o próprio conceito de autoridade lentamente evoluiu ao longo dos séculos.

O que nós chamamos de “autoridade” é algo bem diferente, por exemplo, do que os atenienses ou romanos chamavam de “εξουσία” e “auctoritas”, respectivamente. Para o ateniense a autoridade dependia do consentimento obtido pela persuasão, nunca mediante a coação (pois força bruta era sempre empregada contra àquele que não pertencia à Pólis). O romano, por sua vez, não fazia distinção entre persuasão e coação: plebeus e povos conquistados eram coagidos a obedecer as ordens proferidas pelos Consules e Ditadores no período da República e pelos Imperadores durante o Império.

A distinção grega entre cidadão e escravo e entre cidadão e bárbaro era absolutamente marcada pelo pertencimento ou não à Pólis. A distinção romana entre cidadão e escravo e entre cidadão e aquele que pertencia a um povo submetido existia, mas o escravo poderia vir a ser livre e cidadão romano assim como o estrangeiro submetido poderia também adquirir a cidadania romana sob certas condições. A autoridade entre gregos e romanos, portanto, tinha origem e conteúdo diferentes porque as características de suas sociedades eram distintas.

As sociedades nacionais modernas são, por sua vez, muito diferentes da Pólis grega e de Roma. Entre nós não há escravos, nem distinção entre patrícios e plebeus ou entre cidadãos e bárbaros. Todos são iguais perante a Lei independentemente de credo, cor, raça, sexo ou condição social. Num Estado de Direito o pertencimento se tornou algo vago e até mesmo irrelevante, pois a Lei Internacional concede a todos os seres humanos alguma proteção (muito embora a Lei nacional possa proibir o estrangeiro de fazer algumas coisas e disputar alguns cargos não pode impedi-lo de trabalhar, de adquirir propriedade e de se naturalizar).

A força bruta só pode ser legitimamente usada pelos agentes do Estado quando a Lei permite (a própria Lei não pode permitir o uso indiscriminado da força porque entraria em conflito com a Lei Internacional que garante os direitos humanos). Infelizmente, porém, o abuso tem sido uma triste realidade diária nas sociedades ocidentais. Os Estados modernos agem como se estivessem em guerra permanente contra suas populações. Apesar dos governantes e policiais não terem “autoridade” para agir como agem eles maltratam, espancam e até matam cidadãos inocentes e raramente são punidos.

No caso do Brasil, por exemplo, é provável que os policiais cometam tantos abusos e fiquem impunes porque os Juízes encarregados de julgá-los acreditam piamente que o “direito natural” da Polícia de brutalizar os pobres na periferia e nas favelas não deve ser submetido pelo “direito constitucional” que garante a todos os cidadãos a vida, a integridade física e um tratamento digno. A triste realidade cotidiana brasileira é suficiente para que eu manifeste discordância em relação a qualquer filosofia que coloque o “direito natural” na origem da “autoridade”.

Fica registrada aqui, portanto, minha crítica a Jacques Maritain, cujo livo será agora colocado na minha estante ao lado das “Obras Escogidas” de C. Marx e F. Engels, Editorial Progreso, Moscú, URSS, 1986.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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