Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Curta “BlinkyTM” mostra obscuras relações humanas com a tecnologia

O curta metragem “BlinkyTM – Bad Robot” (2011) dirigido pelo irlandês Ruairi Robinson segue a trilha temática análoga ao filme premiado pelo Oscar “Ela” de Spike Jonze: a relação mágica e fetichista com os gadgets tecnológicos. Se no filme de Jonze um usuário se apaixona por um sistema operacional, no curta de Robinson uma criança acredita na promessa de um anúncio publicitário de que um robô de estimação será capaz de reunificar a sua família, cujos pais estão em constantes brigas. O curta é uma ótima oportunidade para discutir os efeitos do descompasso entre os modelos de família perfeita apresentados pelo discurso publicitário e as relações reais entre pais e filhos. Curta sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Em um futuro próximo toda casa terá um robô ajudante capaz não só de entreter seu filho como de também fazer o almoço. Mas não se preocupe. É perfeitamente seguro… mas, cuidado com o que você pedir para ele: o robô poderá interpretar ao pé da letra o que você desejar e as consequências podem ser imprevisíveis.

O diretor e animador irlandês Ruairi Robinson (indicado ao Oscar em 2002 com o curta Fifty Percent Grey) com o curta BlinkyTM – Bad Robot nos sugere como pode ser perigosa a combinação dos velhos problemas humanos com a moderna tecnologia, não só incapaz de resolvê-los como ainda podendo ampliá-los. Máquinas e seus programadores são incapazes de inserir julgamentos éticos ou morais entre os O e 1 das codificações. Mas os usuários dos gadgets tecnológicos não veem dessa maneira e passam a ter uma relação fetichista ou mágica, acreditando que aplicativos, programas ou robôs irão misticamente encontrar soluções para nós.

E o curta BlinkyTM nos mostra como perigosa poderá ser essa combinação entre a frieza denotativa dos códigos e a nossa expectativa mágica em relação aos gadgets tecnológicos – assista ao curta abaixo.

A promessa publicitária

Robinson nos conta a história de um garoto chamado Alex (Max Records), perturbado com a ausência dos pais, sempre emocionalmente distantes com suas intermináveis discussões. É Natal quando ele vê na televisão um anúncio do novo modelo de robô chamado Blinky, “empregado, ajudante e amigo, eles nos reaproximou e nos tornou uma família mais unida”. Ele interrompe mais uma das discussões dos pais para pedir o robô Blinky como o seu presente de Natal. Na sua ingenuidade, acredita que o pequeno robô com cara do emoticom Smile será a solução para sua família disfuncional.

Mas as coisas não correm como o desejado: os pais continuam discutindo e ele começa a ficar entediado com a voz monocórdica de Blinky e a pequena variedade de jogos programados. Decepcionado, Alex descontará no pequeno robô toda a insatisfação com seus pais como, por exemplo, deixar Blinky no meio da chuva numa infinita contagem retroativa num jogo de esconde-esconde que nunca começa…  Mas o que Alex não percebeu no anúncio da TV é que o diferencial de Blinky é possuir uma personalidade própria – e Alex descobrirá isso da pior maneira possível.

Famílias publicitárias felizes e pais ausentes

O curta de Ruairi Robinson propõe para discussão o problema dos chamados pais ausentes e a construção das imagens de famílias ideais na publicidade. O historiador norte-ameriano Christopher Lasch talvez tenha sido um dos primeiros pesquisadores a tematizar as consequências desse descompasso entre os modelos de paternidade perfeita oferecidos pela mídia e a qualidade das relações reais entre pais e filhos.

Enquanto nos comerciais de margarinas, cereais matinais e sabão em pó vemos pais atentos e carinhosos com os filhos e mães preocupadas com a brancura da camisa com que o filho vai para a escola, no dia-a-dia encontramos o contrário: pais esgotados e ausentes com jornadas de trabalho estressantes e filhos solitários entregues à TV, games de computadores ou em tempo integral na escola.

Culpados com esse descompasso entre os modelos midiáticos e a realidade, os pais partem para estratégias de compensação materiais, satisfazendo os filhos com tudo o que lhes dá na telha.

Lasch argumenta que o problema não se resume unicamente a “crianças mimadas”: ao tratar as crianças como “propriedades exclusivas” como forma de mitigar a culpa, os pais evitariam o que se chama “mecanismo de frustração favorável” – o momento em que a criança descobre que os pais não são infalíveis, estimulando-a a cuidar de si mesma, desenvolvendo autoconfiança e maturidade.

O excesso de cuidados e presentes levaria a criança a ter uma percepção contraditória dos próprios pais: de um lado são solícitos dando coisas e proteção, mas, de outro lado, há pouco calor emocional real e espontaneidade. Na verdade, todo excesso de solicitude paterno se originaria da culpa, deixando as relações familiares inautênticas como se tentassem se aproximar de um inatingível modelo midiático.

O jogo esquizofrênico

A grande virtude do curta BlinkyTM é mostrar a certa altura como essa percepção contraditória de Alex com relação aos seus pais é descontada no pequeno robô: seus pais dizem amá-lo, mas a mãe perde a paciência com ele e o ameaça de se não arrumar a bagunça “vou fazer Blinky limpar e cozinhar você para o jantar” – cuidado com o que você diz a um robô… ele não entende metáforas!

Alex fará esse mesmo jogo esquizofrênico com o robô, dando ordens contraditórias até levar a pobre máquina a uma disfunção recursiva (o popular “deu pau!” em um computador), obrigando-o a ressetar a máquina.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Uh…  eu nao consegui chegar

    Uh…  eu nao consegui chegar ao fim de “Something wicked this way comes” nem  “Bridge to Terabithia” nem (aquele filme do menino psicotico e seus monstros).  So cheguei ao fim desse porque eh um curta.

    Simplesmente nao tolero ver alguem como voce nao notar que o menino eh psicotico e que realmente merece ser cozinhado!

    Eu nao tolero filmes psicoticos.

    Claro, sua critica eh excelente, mas…  faltou so isso!

  2. O robô pirou na batatinha

    O robô pirou na batatinha porque seus desenvolvedores esqueceram de programar um VTNC quando o maluco começou a dar ordens imbecis.

    Menos um futuro coxinha no mundo, hehehe.

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