Demografia brasileira, um item pouco lembrado em análise da capacidade de mobilização

Por Rogério Maestri

Demografia brasileira, um item pouco lembrado em qualquer análise da capacidade de mobilização da sociedade.

Uma dos índices mais impressionantes da nação brasileira e extremamente mal utilizado ou até citado é a variação quantitativa e qualitativa da nossa população. Cientistas sociais e historiadores treinados e adaptados às análises feitas nos países do primeiro mundo em que estes índices populacionais não são tão impactantes esquecem por completo nas suas análises a influência a demografia tem na nossa história e nos movimentos sociais.

Para termos ideia da modificação da capacidade de mobilização de amplos setores incomodados com as pessoas que querem decidir por eles, pode-se se fazer uma pequena demonstração da mudança da demografia entre o início do século XX e os dias atuais.

Se olharmos a variação populacional de alguns países a partir do início do século vinte temos, por exemplo, a seguinte representação gráfica.

O gráfico mostra claramente que no início do século éramos um país que não existia, com a mesma dimensão continental tínhamos uma população de dezessete milhões de habitantes. Milton Santos, no livro Urbanização do Brasil, do qual foram retirados os dados demográficos antes de 1950, nos ensina que até o fim do século XIX não éramos um país, mas sim núcleos voltados para si mesmo e para o exterior, e que a ocupação do Brasil que lá pelas décadas de 4  e 50 que começamos a pensar como país.

Devido primeiro a inexistência de população nas grandes cidades, ou mesmo a existência de grandes cidades, durante esta época os movimentos populares eram centrados no campo, vide Guerra de Canudos e Guerra do Contestado, que apesar da população rarefeita chegaram a juntar 25.0000 combatentes (sendo praticamente exterminados) e 10.000, que num país que tinha na época 17 milhões de habitantes dispersos em todo o território são quantidades notáveis.

O gráfico também mostra o crescimento em relação a outros países que no início do século XX tinham populações notáveis, os Estados Unidos 76 milhões de habitantes e a França 40 milhões.

A partir do início do século XX começa um crescimento populacional do país que é acelerado nas décadas de 40 e 50, para em 1940 ultrapassarmos a população francesa.

Este crescimento gera uma série de demandas sociais que são cumpridas a conta gotas com as migalhas que sobram de despesas com juros que são pagos tanto ao grande capitalismo internacional como o nacional.

Outro fator importante em termos de política internacional que se demonstra na diferença entre a demografia norte-americana e brasileira se enxerga que a partir de 1960 mantemos uma tendência decrescente da diferença de população entre os USA e Brasil, ou seja, a partir de 1960 mantemos uma diferença absoluta de entorno de cem milhões de habitantes em relação aos USA, porém se formos pensar em termos de diferença em relação à população absoluta norte-americana teremos uma interessante realidade.

No início do século XX a diferença entre a população norte-americana e a brasileira em relação à população norte-americana era de 77% e nos dias atuais é aproximadamente menos que a metade disto 36%, ou seja, incomoda em muito ver crescer um país equivalente em área e população no mesmo continente. Talvez ver um país crescendo democraticamente sendo não mais um país submisso mas sim um parceiro a ser respeitado incomode em muito os conservadores norte-americanos.

Mas o mais interessante de tudo é uma olhada no aspecto qualitativo da distribuição de população urbana e rural no Brasil.

No início do século XX a população urbana estava em torno de 10% da população global (dados com pequena incerteza, como adverte Milton Santos), ou seja, em torno de 1,7 milhões de pessoas, só começa a reverter durante as décadas de 60 e 70, para nos dias atuais atingir valores de em torno de 85% da população do país, por consequência temos uma população urbana de 170 milhões de habitantes concentrados nas cidades.

Vê-se que até o golpe de 1964 a população era ainda rural apesar de maioritária era dispersa e pouco numerosa, perfazendo somente algo em torno de 30 milhões de habitantes. Ou seja, era a época em que o Brasil industrial e urbano começaria desta data em diante se tornar maioritário.

Poderíamos também trabalhar com a variação da população nas regiões metropolitanas que tem mais de um milhão de habitantes, elas são 26 grandes regiões e nelas se concentram aproximadamente 90 milhões de brasileiros, sendo que só na região da Grande São Paulo é de 21 milhões. Ou seja, o grau de concentração da população brasileira em grandes cidades não tem equivalência em nenhuma parte do mundo. Países como a Índia, apesar de terem populações da ordem do bilhão somente 30% desta esta nas cidades.

O que podemos concluir disto tudo, que esta concentração de população nas grandes cidades, população jovem e que deseja ter um futuro, faz com que o potencial de mobilização popular para demandar reformas é espantoso.

Se deste grupo de 90 milhões de brasileiros em cada 100 retirarmos um representante do movimento LGBT, cinco representantes da maioria negra do nosso país, duas meninas que desejam lutar por seus direitos com seus companheiros as acompanhando, e mais um meio velho socialista ou comunista perdido nesta multidão, seríamos 10,5 pessoas por cada 100 habitantes, nada muito absurdo, mas multiplicado por 90 milhões representa 9,45 milhões de pessoas que questionaram com garra o seu protagonismo no futuro do país.

Redação

13 Comentários

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  1. Demografia.
    O texto, apesar do viés ideológico, nos oferece oportunidade reflexivas. A urbanização acelerada, sem o devida compreensão e atendimento das novas demandas sociais, por parte dos poderes públicos, explica os crescentes niveis de violência nos centros urbanos. A “questão das drogas”, citadas como a “grande” causa da violência não passa, na verdade, de mais uma consequência…

    1. Pô meu, “viés ideológico” ou meras reflexões sobre a realidade?

      Faço um texto sobre DADOS REAIS, as pessoas moravam no campo e migraram para as cidades (ponto). O número de total de pessoas no Brasil no início do século XX eram tantas e no início do século XXI são outro número importante. 

      Ou seja, uso o dado MAIS INQUESTIONÁVEL em todas as ciências sociais, a demografia. Agrego algumas conclusões que podem ser questionadas, porém escreves com imensa sabedoria “…apesar do viés ideológico…”, Não aceito uma merda de crítica como esta, se quiseres mostrar a onde está este “…viés ideológico…” escreva, discuta e defenda a tua idéia.

      Não aceito críticas vazias baseadas em pequenas frases que tentam desqualificar o texto.

      ANALISE, DESCREVA, REFUTE mas não me encha o saco.

  2. Correlação de datas

    Com esses dados estatísticos também poderia ser muito interessante correlacioná-los com algumas datas históricas / culturais marcantes, não é?

    Um de vários casos: até a década de 20 do século passado, o Brasil se inspirava na cultura francesa, e não é que, quando a nossa população se tornou equivalente à francesa, esse modelo cultural francês perdeu seu espaço no Brasil? Claro, há diversos outros motivos disto ter acontecido, como por exemplo, o desgaste econômico francês decorrente da primeira guerra mundial. 

    Se estes estatísticos formassem uma equipe com historiadores, certamente muito da história contada do Brasil teria que ser revisto.

    1. A demografia é um dado muito mal utilizado pela a história.

      O pessoal gosta muito de citar autores: “Max Weber no – O sentido da neutralidade axiológica nas ciências políticas e sociais descreve com perfeição…..”, mas ninguém se atém a alguns fatos reais, como o Brasil em 1900 tinha uma população que era uma merreca e que imensa parte dela estava no campo, ficam aí surpresos que não havia revoltas proletárias nas cidades (que não existiam) e que o operariado urbano não era muito ativo (eram para a quantidade que havia até muito ativos).

      Isto ocorre porque analizar dados demográficos dá trabalho e não se pode pegar a muleta das citações para ancorrar as conclusões.

      Um dos maiores responsáveis de tudo isto são principalmente os geógrafos, que simplesmente deploram os dados geográficos e começam a se meter em áreas que não conhecem.

      O maior Geógrafo da História Brasileira, Milton Santos, se atém ao dado geográfico e dele tira conclusões que se tornam inquestionáveis suas conclusões.

      A demografia é muito mal tratada no Brasil e no Mundo, é tratada como uma ciência menor, quando ela explica com dados inquestionáveis de forma concreta muitos fenômenos sociais.

      Quanto a tua conclusão que se os dados demográficos fossem tratados com inteligência explicariam muito melhor determinados problemas sociais, concordo 100%, não só dados demográficos puros, mas também dados climatológicos, que explicam fomes e super-ofertas de alimento. Porém isto tudo não tem importância, o importante é citar Max Weber.

  3. Uma coisa é cercear a

    Uma coisa é cercear a liberdade, com desemprego, em 1964, com cerca de 50% de taxa de urbanização. As pessoas vão até o fundo do quintal (elas tinham quintal!), pegam uns ovos, um pé de couve, matam um frango e tá garantido o almoço.

    E vão tocando a vida.

    Crise econômica com 85% de urbanização a conversa é outra. Não há mais quintal.

    Começam os saques de supermercados? Resposta cartesiana: mão de ferro para impedir.

    Insustentável.

    Nossa imprensa golpista insiste em não noticiar as passeatas e manifestações. Não vão ficar para o lixo da história.

    Não vão nem para a lata de lixo. Por que não deixarão cada vez mais de ser lidos/acessados.

    Deixarão sequer de ter audiência ou leitura. A cisão ideológica e de sensibilidades se aprofundará.

    1. José, perfeita conclusão.

      Realmente a demografia mostra facetas do comportamento social que só é explicada por ela mesmo.

      Estava numa conversa meio sinistra com umas alunas sobre projeções mais sinistras ainda de coisas que podiam acontecer nos dias futuros, e uma delas chamou a atenção que como a família dela mora na colônia ela achava seu futuro menos negro, pois pelo menos não lhe faltaria comida. Porém ela chamou a atenção da diferença da produção que se fazia há trinta anos nas pequenas propriedades com as dos dias atuais, onde estas são especializadas e precisam comprar grande parte dos insumos domésticos em super-mercados.

      É outro fator interessante, há trinta anos o colono produzia manteiga, queijo, hortaliças,… até mesmo sabão! Hoje são especializados, por exemplo, o pai dela hoje em dia produz quase que exclusivamente uva para suco e vinho, logo o impacto de uma queda de preços dos produtos agrícolas impacta diferentemente o nível de vida do povo do campo que vive numa agricultura familiar.

  4. Vão reduzir Farmácia Popular

    Vão reduzir Farmácia Popular (remédios para doenças crônicas como diabetes e hipertensão – consequentemente, vai reduzir a expectativa de vida).

    Esvaziar Prouni e Fies: desemprego nas Universidades Privadas, menos alunos pobres e negros nas universidades públicas.

    Desinvestimento na Ciência e Tecnologia.

    Desativar o Mais Médicos: vai aumentar a mortalidade infantil.

    Vão aumentar os ´´investimentos´´ em segurança pública.

    Quando a China começar a reduzir as compras de soja e ferro do Brasil, aí os latifundiários perceberão o tamanho da encrenca em que se meteram.

    Vão vender soja para o Wiscosin?

    Ferro para o Nebraska?

  5. Bem lembrado. Tem que levar

    Bem lembrado. Tem que levar em conta essas mudanças colossais, o artigo é oportuno. O velho Polanyi certa vez usou uma expressao para essas grandes mudanças em curto tempo, acho que era algo assim, vou conferir – elas provocam terremotos ‘dentro’ das pessoas. Nao podem ser ignoradas. Uma outra coisa a pensar, nesse terremoto, é a ‘disponibilidade’ dessas pessoas a certos ventos. Lembro-me de ter lido que algumas escolas médicas estimam que nas grandes cidades há perto de 1% da população na situação de psicopata potencial, isto é, psicopata à espera da oportunidade ou agente detonador. Não sei dizer se isso é uma estimativa realista, mas, se estiver perto de ser, é o mesmo que afimar que na grande sao paulo temos mais de 200 mil pessoas vulneraveis a coisas como ir para a Paulista e tirar a roupa em defesa da família. Os mais ‘inofensivos’. Se temos 90 milhoes em regioes metropolitanas…. bom, melhor nem pensar.

  6. Tempos ruins podem vir

    Queria apontar também, de minha vivência. Trabalho numa secretaria municipal de saúde em Marabá, no Pará. A cidade tem vários distritos rurais bem distantes do núcleo urbano alguns chegando a + de 100km de distancia. Regularmente habitantes de lá vem pegar medicamentos aqui, e quando o atendimento é ruim, ou lhes falta os medicamentos necessários recorrem ao ministério publico e aos meios que lhe podem ajudar. Muitos que vem são senhores de idade na casa  60 – 70 anos, alguns ainda analfabetos, mas até eles já possuem contato com os novos meios de comunicação, os que nao possuem celular, andam com numero de responsáveis que o tem, e não são mais aqueles habitantes de antes de 1990 que nem tinham energia eletrica ainda. 

    O que eu acredito ver nos principais atores politicos, midiaticos e juridicos que estão jogando o país nesse abismo, é que eles acreditaram que o brasileiros dos anos 2010 possui a apatia e a desinformação que lhes deu poder desde 1950. A maioria da pessoas hoje pode não ter o perfil tipo altamente politizado, ou formado em alguma opinião, mas é um povo que sabe o que é bandidagem, trairagem, hipocrisia, interesse próprio e estão vendo isso claramente. E acho que é essa desconexão com a demografia atual que muitos desses atores, que chegam ao poder nos anos 1980 – 1990, ainda não se atualizaram com. Que acreditam que os grandes centros de formação de opinião ainda seja exclusivamente o eixo Rio-São Paulo. 

    E aquele senhorzinho que hoje ameaça ir à justiça pela falta de medicamento, vai começar a brigar fortemente quando ver o governo que pretende se instaurar quer remover aquilo que lhe trás benefício. E isso é só um exemplo particular, nem falei dos estudantes de escolas publicas, dos direitos de trabalhadores rurais e urbanos, etc.

    Outra coisa que só queria mencionar. Como citei, sou de Marabá, Pará. Se olhar no mapa da demografia que você postou no artigo, é uma cidade bem do lado do “bico de papagaio” do Tocantins. Como se pode ver na densidade da região, somos bem “frios” em relação a densidade da área de Belém e entornos. E é isso uma das coisas que uma pretensa reforma política após todo esse caos atual deva evidenciar, pois nós daqui temos representação minuscula inclusive em nossa Assembleia estadual. No circo de domingo, só reconheci dois deputados da região, os restantes não reconheço pois mal fazem campanha por aqui, pois nem precisam, já que os votos da região de Belém são mais quantitativos.

    A estimativa atual é que o Pará tenha 8,1 milhoes de habitantes. Cerca de 5 milhoes moram na parte Norte e Nordeste. Cerca de 2 milhoes na parte sudeste, e o outro 1 milhão na parte Oeste. Lembrando que estas duas ultimas são regiões bem espassas em que as cidades com mais de 100 mil habitantes costumam estar de num minimo de 200 a mais 500km de distancia uma da outra. Então existe esta falta de representividade que gera uma disparidade desproporcional em vários aspectos economicos, cultural e político. Não se pode comparar um morador de Marabá, com um de Santarém ou um de Belém, você pensa que são tres pessoas de estados completamente diferentes. Só de ver pelo mapa, já dá pra imaginar como deva ser pior ainda no caso do Amazonas, Roraima, Amapá, entre outros da região norte. 

    1. Charles, este aspecto qualitativo sobrepõe aos aspectos ….

      Charles, este aspecto qualitativo sobrepõe aos aspectos demográficos quantitativos, porém não falei algo que é extremamente importante nas zonas mais rarefeitas de população, os laços que as pessoas tem entre si e a capacidade de um homem do campo em se auto-organizar, explico melhor.

      Médias e pequenas propriedades agem quase como um corpo único, o tempo para chegarem a uma conclusão sobre a pertinência ou não de um movimento é mais longo do que em grandes núcleos urbanos, porém decidido aquilo é levado extremamente a sério e passa a ser um compromisso de todos com todos. Logo não desanime e ajude este povo a se concientizar do que estão aprontando para eles.

      O outro ponto é que uma pessoa do campo quando sai em marcha ele se auto-organiza e tem domínio do seumeio ambiente, ele não precisa de ninguém para dizer o que fazer, ele faz!

      A cidade grande é mais explosiva, porém as cidades médias e pequenas e o campo é mais consistente e organizado, quando virem o tambor bater e acharem que é a hora de marchar, sai da frente.

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