Percival Maricato
Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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Distribuição de renda, sensibilidade e racionalidade, por Percival Maricato

Distribuição de renda, sensibilidade e racionalidade

por Percival Maricato

O sistema capitalista (economia de mercado) impôs-se sobre as propostas socialistas apresentadas até o momento. Há entre estas umas poucas exceções difíceis de julgar, como a experiência chilena, interrompida violentamente quanto tentava decolar. Talvez o problema não seja o socialismo, mas o homem, que não esta preparado para  o desprendimento exigido pelos sistema. Adam Smith escreveu sobre a vantagem da economia de mercado levar em conta o homem, tal como ele é, com qualidades positivas e negativas e algumas destas, como o egoísmo (antes ele e a família), ter efeitos positivos na produção e acumulação de riquezas. Para muitos filósofos e sociólogos, essa condição é imprescindível também a organização da sociedade.

Nas revoluções, ou até chegar a elas, existem abnegados que dão a vida por um ideal. Após a tomada do poder surgem não poucos epígonos, como os nominava Trotsky, os burocratas, os oportunistas, os bajuladores, matéria prima moldável, importante para os que tomam o poder. Foi em grande parte o que gerou o stalinismo ou as horrorosas ditaduras da leste europeu. E também temos exemplos no PT, com o crescimento do partido e principalmente quando começou a ganhar governos. Nota-se isso no momento, quando as dificuldades e o risco aumentam.

Esquerda e direita nunca deixaram de existir e sempre existirão, ainda que com outras nuances, em outras situações, outros temas, outras propostas. Ambas tem que se suportar e respeitar regras mínimas para conviver no mesmo espaço físico e no mesmo  planeta. Atualmente, com relação a economia e ao social, a esquerda ainda enfatiza a distribuição de renda e demais benefícios possíveis (educação, saúde, saneamento, felicidade, esperança), através  de ações, legislações, políticas de governos. A direita prefere ressaltar a importância do livre mercado, o empreendedorismo, a competição, que por si sós gerariam riqueza suficiente para alavancar a economia. Aparentemente, nenhuma das propostas isoladamente deu certo. Exageros na estatização restringem energias e sentimentos inatos no homem, estimulam os oportunistas a galgarem cargos. Por sua vez, o  livre mercado isoladamente concentra riquezas, terra, poder e resulta em injustiças e grandes bolsões de miséria social. O momento é propício para se procurar por nuances mais complexas na busca do desenvolvimento e condições de distribuir benesses. Nos próximos anos podem ganhar forças os  sociais democratas de esquerda e os liberais com preocupações sociais.

No entanto, evidente que a distribuição de renda, tão priorizada na gestão Lula/Dilma (bolsa família, fies, etc), deveria ser uma das principais agendas da direita, inclusive dos liberais. No século passado tivemos duas guerras mundiais, mais de oitenta milhões de mortes, e uma das principais causas foi sem dúvida a luta por mercados. Principalmente na primeira delas, a Alemanha não tinha como crescer sem mercados consumidores de seus produtos, sem matéria prima para sua indústria, França e Inglaterra já tinham dividido o mundo, colonizado os demais continentes. Também na segunda guerra esse fator foi relevante.

No Brasil, temos uma parte imensa da população que é um mercado potencial para ampliar o sistema, produção e consumo, uma Argentina, ou um México em potencial, logo ali, na periferia das grandes cidades, no campo, criminosamente marginalizado. Não precisa fazer guerra para alcançá-lo.  Com divisão de renda, apreensão e distribuição de excedentes pelo Estado (outra necessidade do sistema), essa gente que, quando muito consome (sistema de saúde, previdência, alimentos, polícia e presídios etc), pode começar a produzir e consumir, com renda mínima, pode educar as crianças, preparando melhor a “mão de obra”, dos quais empresários tanto se queixam. 

Distribuição de renda, remuneração decente, todo mundo produzindo e  consumindo, não teria sido isso um dos fundamentos da tão admirada economia americana? Não deveria a desconcentração de renda ser a maior meta dos admiradores da economia de mercado, sua mídia, seus partidos, o pessoal da Paulista ou das redes sociais? Não seria ótimo para o donos dos bons restaurantes, dos supermercados, das lojas de produtos de maior qualidade que toda a população pudesse gastar muito mais nos seus negócios, em vez de quando muito 10% dela? Como vemos, se distribuição de renda não é uma questão de sensibilidade e ideologia deveria ser de racionalidade, mas  dificilmente se encontra entre os liberais que assumiram o poder um artigozinho ou até uma frase que mostre essa preocupação.

Também do ponto de vista político não se pode considerar quem quer distribuir renda como desestabilizador do sistema, terrorista, comunista e outras acusações ineptas. As revoluções aconteceram em regimes de grande concentração da renda por minorias e marginalização de maiorias.  Ao contrário, a distribuição de renda, a inclusão social, econômica, o conforto mínimo, um pedaço de terra, uma remuneração que dê para dar um teto a família, um SUS e uma escola pública que seja, é que evitam a desestabilização política, a possibilidade de convulsões sociais.

Mas existe o risco de nessa mexida alguns que estão por cima perderem posições, existe a lógica ideológica, tudo vira branco e preto e invertido.

Percival Maricato

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Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

2 Comentários

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  1. Mesquinha

    Excelente analise de Percival Maricato. E como ele mesmo conclui: além de sensibilidade, falta logica para os “ricos” admitirem que a distribuição de renda benefecia não apenas o pobre, mas toda a cadeia produtiva. Mas cadê ? O jornalista-historiador Laurentino Gomes em seus famosos causos da historia sobre a formação da sociedade brasileira, salienta que ja começamos com uma elite comercial bem mesquinha… Mudou ?

  2. A questão da distribuição de renda

    O autor do artigo começa bem, reconhecendo que o socialismo fracassou porque não correspondeu à natureza humana, estritamente individualista. Mas depois caiu no lugar-comum da distribuição de renda, como se a renda de um país fosse uma pizza sobre uma bandeja que pudesse ser repartida em fatias de diversos tamanhos.

    Esta conceituação é o produto de uma concepção simplória de riqueza, vista como uma coisa pré-criada, tangível, que foi sequestrada por um grupo de indivíduos gananciosos e desprovidos de sensibilidade, e basta alguém ir lá confiscá-la e distribuí-la como quem distribui bombons. Acontece que só se pode distribuir o que já foi criado, e o que já foi criado desaparece após ser consumido, tornando necessário a continuidade da produção. É pura ingenuidade achar que só porque existe demanda, a oferta se materializa por mágica. O fato de existirem no Brasil milhões de consumidores não significa que existam condições materias de produzir tudo o que eles desejam consumir, e essa impossibilidade decorre de fatores puramente físicos – limitações dos meios de produção existentes, falta de matéria prima, de energia, de transporte e limitações ambientais. Isso nada tem a ver com o sistema econômico ser capitalista ou socialista. Se fosse possível produzir tudo o que as pessoas desejam consumir, os insensíveis capitalistas proprietários dos meios de produção já o teriam feito, pois quanto mais vendem, mais lucram.

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