Don’t F**k With Cats: mais do que a morte, tememos a solidão, por Wilson Ferreira

Um documentário que ajuda a refletir como os psicóticos caçadores da fama não são apenas “lobos solitários” que a qualquer preço tentam fugir da própria infelicidade. Mas também são produtos de um sistema de entretenimento.

Don’t F**k With Cats: mais do que a morte, tememos a solidão

 por Wilson Ferreira

O serial killer vitoriano Jack, O Estripador jamais procurou a notoriedade: vivia no anonimato o seu inferno pessoal de violência e culpa e jamais foi descoberto. Muito diferente da sociedade midiática em que vivemos, onde assassinos seriais querem dar visibilidade aos seus atos para virarem celebridades – numa cultura em que a popularidade midiática é sinônimo de amor. A minissérie documental da Netflix “Don’t F**k With Cats: Uma Caçada Online” (2019) mostra como um exército de detetives on-line tentaram rastrear um assassino de gatos em aterradores vídeos postados na Internet. E ingenuamente retroalimentaram com a visibilidade até o assassino partir para humanos. Um documentário que ajuda a refletir como os psicóticos caçadores da fama não são apenas “lobos solitários” que a qualquer preço tentam fugir da própria infelicidade. Mas também são produtos de um sistema de entretenimento. Principalmente no contexto digital das redes sociais no qual os cliques e os likes passam a ser os novos vetores da fama e sinônimos de amor ou amizade. Confirmando o insight freudiano: mais do que a morte, o que homem mais teme é a solidão.

O assassinato do ex-Beatle John Lennon, pelo fã chamado Mark Chapman, em 1980 não só foi o divisor de águas nas relações entre os ídolos pop e seus fãs. Mudou a própria compreensão da natureza da fama, ao associá-la com assassinato e violência.

Em audiência que o criminoso teve com os juízes para justificar a razão pela qual mereceria a condicional, Chapman afirmou que pensava que se matasse John Lennon “eu me tornaria alguém”. O que deixou claro que o culto moderno à celebridade nada tem a ver com a “admiração” ou “identificação” por personalidades que nos inspirariam. Tem a ver principalmente com o sentimento potencialmente perigoso da inveja.

A cobiça pelo pressuposto que subjaz na cultura da celebridade: para ser feliz é necessário ser conhecido um mundo atual onde o número de “seguidores” no twitter ou de “amigos” no facebook cada vez mais se torna a medida da própria identidade do indivíduo, parece que sim. Essa medida de felicidade se insere na chamada “cultura da celebridade” onde a vida real acabou misturando-se com categorias do entretenimento como a “fama”, “sucesso”, “desportividade”, “passatempo”, “escapismo” etc.

Três anos depois do assassinato de John Lennon, Scorsese lança O Rei da Comédia, no qual o protagonista Robert Pumpkin (Robert De Niro) planeja sequestrar o próprio ídolo (Jerry Lewis) para alcançar a fama e entrar na intimidade do mundo das celebridades.

Mais tarde esse tema da conexão fama e violência alcança seu ápice no filme Assassinos Por Natureza (1994) no qual a dupla “Boonie e Clyde” de assassinos seriais descobrem a fama ao verem seus atos imortalizados por um programa de TV sensacionalista.

Lobos solitários ou produtos de um sistema?

Mas ainda em todos os filmes sobre a fama e a cultura da celebridade (The Commitments – Loucos pela Fama, Misery, Antiviral etc.) há uma, por assim dizer, causalidade mecânica entre a mídia e os loucos pela fama – “zé-ninguéns” veem na mídia a única oportunidade de se tornarem alguma coisa, nem que seja abrindo caminho por meios lícitos ou violentos.

Mas a série documental Don’t F**k With Cats: Uma Caçada Online (2019), no qual um exército de detetives on-line se une para rastrear um insensível assassino de gatos que posta seus vídeos macabros em redes sociais, abandona essa abordagem hipodérmica da busca pela celebridade: e se esses violentos psicóticos pela fama não forem apenas “lobos solitários” e perdedores que a qualquer preço tentam fugir da própria infelicidade? E se eles forem produtos de um sistema que se continuamente se retroalimenta? Principalmente no contexto digital das redes sociais no qual os cliques e os likes passam a ser os novos vetores da fama.

Dividido em três episódios, a série origina-se em um incidente ocorrido em 2012: a caça de um assassino canadense, Luka Rocco Magnotta, que matou e esquartejou um estudante de intercâmbio chinês chamado Jun Lin, em Montreal.

Depois de publicar um vídeo em que matava o estudante, amarrado a uma cama, foi preso em Berlim enquanto lia as notícias sobre ele próprio em uma LAN house.

Anos antes, Luke Magnotta já tinha sido perseguido na Internet por um grupo de defesa dos direitos dos animais, por ele publicar aterradores vídeos em que ele matava gatinhos com requintes de extrema crueldade.

Gatos e Internet têm um appeal intrínseco – Uma tendência tão crescente nos últimos anos que chegou a merecer uma exposição no Museum of Moving Image em Nova York, em 2016, intitulada “How Cats Take Over The Internet” – “Como os Gatos Dominaram a Internet”. A exposição mostrava a história dos gatos online examinando fenômenos como Caturday, LOLcats, Cat Videos, Celebrity Cats e toda sorte de espécies de felinos que vem acompanhando gerações de usuários na Internet.

É claro que o sucesso de Don’t F**k With Cats na Netflix vem de que o seu conteúdo é orientado pelos dados dos hábitos de visualização dos seus 158 milhões de assinantes. Esse monumental banco de dados alimenta os algoritmos que orientam a produção de conteúdos.

Deanna Thompson e John Green

 

Portanto, o que incomoda nesse documentário é que o mesmo drive que orienta comercialmente a Netflix, também orientou o serial killer de animais e humanos Luka Magnotta – após uma frustrada busca pela celebridade em reality show televisivos e agências de modelos, ele descobriu a forma mais extrema de alcançar visibilidade midiática: vídeos com gatinhos… mas matando-os! Para ter nos seus calcanhares um exército de ingênuos defensores dos direitos dos animais que deram a ele o gosto da fama, mesmo como subcelebridade.

A Série

O primeiro episódio começa em 2010, com dois vídeos horripilantes que viralizaram de um homem pegando dois gatinhos, colocando-os em um saco plástico e aspirando todo o ar para fora até que os dois gatinhos se sufocassem. Deanna Thompson (uma analista de dados de um cassino de Las Vegas) e John Green estavam em um grupo de Facebook decidiram descobrir quem era a figura cruel que estava por trás perpetrando esses vídeos, enquanto a maioria dos usuários apenas postava ameaças e xingamentos.

Obviamente, o assassino procurava atenção e continuou provocando-os com mais vídeos de gatinhos mortos – criou uma conta falsa no Facebook que levou aquele grupo em busca de vingança a uma pessoa na África, que mais tarde se mataria devido a depressão. Essa era a primeira de uma série de pistas falsas para manter o grupo em seu encalço. Para o seu próprio prazer.

Eventualmente, as pistas levam para uma figura chamada Luka Rocco Magnotta, que fez um teste para um reality show com modelos no Canadá. Anos antes já havia tentado chamar a atenção ao criar diversos perfis falsos de pessoas que supostamente diziam que ele estava namorando com uma famosa serial killer canadense chamada Karla Hamolka.

De ator e modelo pornô fracassado, Luka entrava em uma nova fase na busca por notoriedade: sabendo que gatos estão em alta na Internet, começou a sadicamente mata-los em vídeos em que propositalmente deixava diversas pistas para manter os detetives virtuais amadores no seu encalço.

Green e Thompson estavam cientes que muitos seriais killers começam matando e torturando animais antes de passar a fazer tudo isso com pessoas. Então, as coisas ficariam realmente muito sérias.

Até abalar Montreal e o mundo com o brutal assassinato de um estudante de intercâmbio, ficava claro que as migalhas de pão que Luka deixava nos labirintos da Internet  para que propositalmente fosse seguido, eram alusões a filmes como Prenda-me se For Capaz (2002), Instinto Selvagem (1992) e até o clássico Casablanca (1942).

Tão sedento pela fama, Luka via a si próprio dentro de um filme – era ao mesmo tempo o diretor e protagonista, enquanto os ingênuos detetives amadores eram os distribuidores da produção.

Dessa maneira Don’t F**k With Cats tem um enfoque inovador no comentário social sobre esse submundo da busca pela fama e celebridade:  há um fenômeno de retroalimentação no qual a plateia parece sancionar a busca de um anônimo pela visibilidade – nem que essa sanção seja através da caça e do linchamento.

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Redação

1 Comentário

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  1. O começo de artigos sempre é algo extremamente difícil, pois ele molda a sua evolução e prende o não o leitor.
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    O início desse artigo é um exemplo dessa técnica, uma frase de efeito que não se para de em num primeiro olhar atento.
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    “O serial killer vitoriano Jack, O Estripador jamais procurou a notoriedade: vivia no anonimato o seu inferno pessoal de violência e culpa e jamais foi descoberto.”
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    Se o Jack vivia no anonimato e (talvez) jamais tenha sido descoberto, uma afirmação duvidosa pois há sérios indícios que era um parente bem próximo da rainha Vitória, porém esquecendo essa última observação se ele vivia no anonimato e jamais foi descoberto, como o autor sabe que ele vivia no anonimato o seu inferno pessoas de violência e culpa.
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    Todos sabemos nos dias atuais, todos é meio forte, pois na realidade só quem procuram entender como funciona a cabeça dos serial killers sabem, que os que foram pegos são indivíduos sem a mínima empatia com qualquer outra pessoa e por isso NUNCA TEM A MÍNIMA NOÇÃO DE CULPA.
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    Outra coisa, serial killers não são pessoas que querem o anonimato, eles não querem ser descobertos pois tem toda a noção de que serão punidos, logo se escondem não por vergonha ou culpa, mas sim por medo, mas antes deixam marcas características para serem identificados como autores das mortes.
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    Mas qual é o meu desconforto com esse artigo para criticá-lo, muito simples, pois o autor geralmente sacrifica a verdade para postar textos em que procura justificar alucinações de vários roteiristas através de um novo “realismo fantástico” misturado com “eram os deuses astronautas”.
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    Todas as elucubrações que seguem no texto servem para simplesmente criar uma narrativa fantástica e na maior parte das vezes não ligada a fatos, mas com uma qualidade de texto que sinceramente invejo.
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    Porém sacrificar a verdade para produzir algo com talvez baseado em teorias psicológicas, se torne um pouco obscuro e que as pessoas façam de conta que seguiram o raciocínio e se acharem inteligentes, isso sim é fazer INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO.
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    Ou seja, o texto é um exemplo daquilo que o autor ilude em criticar.

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