Doutrina do choque: a direita produz o caos para impor sua política, por Reginaldo Moraes

Segundo Naomi Klein, a técnica usada para ditar ‘ajustes’ a determinadas sociedades é a mesma da submissão aplicada aos prisioneiros torturados para fornecer informação a organizações como CIA e polícia secreta israelense

no Brasil Debate

Doutrina do choque: a direita produz o caos para impor sua política

por Reginaldo Moraes

Faz alguns anos, a escritora canadense Naomi Klein publicou um livro de grande interesse para entendermos o tempo em que vivemos. Chama-se A Doutrina do Choque. O livro mostra em detalhes várias situações em que um mesmo modo de operar foi utilizado por forças reacionárias para impor “ajustes” que os cidadãos rejeitariam em condições normais. O modo de operar é aproveitar ou criar um clima de choque.

Ela diz que esse é o “método preferencial para promover os objetivos das corporações: aproveitar os momentos de trauma coletivo e implementar uma engenharia social e econômica radical.”

Ela compara essa técnica – utilizada para forçar multidões, comunidades, países inteiros – com a técnica de submissão aplicada aos prisioneiros, torturados para fornecer informação aos “serviços de segurança”. São técnicas desenvolvidas durante décadas por equipes de “pesquisadores da tortura”, ligados a organizações criminosas de estado, como a CIA americana e a polícia secreta israelense.

É muito útil para nós, neste momento, ouvirmos a palavra de Klein:

A tortura, ou “interrogatório coercitivo” no linguajar da CIA, é um conjunto de técnicas destinadas a colocar os prisioneiros em estado de profunda desorientação e choque, de modo a obrigá-los a fazer concessões contra a própria vontade. A lógica que norteia os procedimentos foi elaborada em dois manuais da CIA que se tornaram públicos na década de 1990. Neles, está explicado que o melhor modo de quebrar as “resistências” é promover rupturas violentas entre o prisioneiro e a sua habilidade para compreender o mundo à sua volta.(36) Em primeiro lugar, privando-o de qualquer tipo de contato (utilizando capuz, tapa-ouvidos, algemas, total isolamento), e depois bombardeando seu corpo com estímulos exagerados (luz estroboscópica, música estridente, pancadas, eletrochoque). O objetivo desse estágio “suave” é provocar uma espécie de furacão dentro da mente: prisioneiros ficam tão regredidos e assustados que perdem a capacidade de pensar racionalmente e proteger os próprios interesses. É nesse estado de choque que a maioria dá aos interrogadores aquilo que estão querendo – informação, confissão, renúncia a crenças anteriores.

E ela esclarece: aquilo que funciona com esse indivíduo preso funciona também quando aplicado a coletivos, a grandes comunidades, como se elas também estivessem aprisionadas e submetidas a tratamento de interrogatório forçado:

Como o preso aterrorizado que entrega os nomes de seus companheiros e renuncia à própria fé, as sociedades em estado de choque frequentemente desistem de coisas que em outras situações teriam defendido com toda a força.

A doutrina do choque imita esse processo de forma meticulosa, procurando atingir numa escala maciça o que a tortura faz individualmente nas celas de interrogatório.

Em 1996, um documento da defesa americana já resumia essa técnica, utilizada em invasões, sabotagens e processos através dos quais o governo americano, diretamente ou através de forças manipuladas, tentava impor suas metas a outros países:

“Domínio significa a capacidade de afetar e dominar a vontade do adversário, tanto física como psicologicamente. Domínio físico inclui a capacidade de destruir, desarmar, perturbar, neutralizar e tornar impotente. Dominação psicológica, a capacidade de destruir, derrotar e castrar a vontade de um adversário para resistir; ou convencer o adversário a aceitar nossos termos e objetivos sem usar a força. O alvo é a vontade do adversário, sua percepção e compreensão. O principal mecanismo para se atingir este domínio é impor condições suficientes de “Choque e pavor” sobre o adversário para convencer ou obrigar a aceitar nossos objetivos estratégicos e objetivos militares. Devem ser empregadas a mentira, confusão, informação falsa e desinformação, talvez em quantidades maciças.” [Shock and Awe – Achieving Rapid Dominance – do Defense Group Inc. for The National Defense University]

Atenção, leitor. Até agora falamos mais de “aproveitar a crise” para impor políticas que, em tempos normais, seriam recusadas. Mas no exemplo do prisioneiro, não se trata apenas de aproveitar a crise, mas de produzir a crise. Também na vida política se faz assim.

Vamos lembrar o que dizia um famoso guru neoliberal Milton Friedman, amigo e conselheiro de Pinochet e dos militares argentinos:

Somente uma crise – real ou percebida como real – produz mudança de fato. Quanto essa crise ocorre, as ações dependem de ideias que estão disponíveis no momento. Acredito que essa é a nossa função básica: desenvolver alternativas para as políticas existentes, manter essas alternativas prontas e disponíveis até que aquilo que antes parecia politicamente impossível se torna politicamente inevitável”. (Milton Friedman – Prefácio à edição 1982 de Capitalism and Freedom, University of Chicago Press)

O que aconteceu no Chile, laboratório de Friedman, não foi um “aproveitamento” da crise. Foi a produção deliberada de uma crise, por meio de sabotagem ampla, geral e irrestrita. Se quiser alguns detalhes veja essa estória: http://brasildebate.com.br/chile-brasil-e-as-reformas-a-prova-de-mudancas-politicas/.

No Chile, como no Brasil, na Venezuela, no Egito, na Ucrânia… em muitos lugares do mundo, as grandes corporações e o governo americano produziram a crise, sabotaram o país para criar o ambiente que desarvorou a resistência e impôs as reformas que eles pretendiam.

Do outro lado, o desafio da resistência é perceber como evitar a produção da crise encomendada, como enfrentar as armadilhas dos torturadores, que possuem armas, recursos, mídia, aparatos de estado. Mas esse tema – como enfrentar os torturadores – é assunto para outro artigo. Voltaremos a ele.

Reginaldo Moraes – É professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. É colunista do Brasil Debate

Crédito da foto da página inicial: Mídia Ninja

 

Redação

17 Comentários

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  1. tremenda bobagem
     ..a

    tremenda bobagem

     ..a esquerda, quando pode, faz do mesmo  ..vide o oportunismo dos MTST ou MST da vida por aqui  ..ou vai me dizer, por exemplo, que invadir terra alheia (pública e/ou privada) antes que a Justiça se pronuncie, desafiando a razão e os ritos, jogando gente carente na beira de esgotos equilibradas em palfitas, não é roubo e vilania também ?

    “..numa guerra a primeira vítima é a verdade..” (Ésquilo, o grego  ..que não era primo do tico nem do teco)

    a torpeza não reside nas ideologias, mas na alma das pessoas

     

    1. O pior inimigo é o que você não vê.

      A diferença é que o capitalismo faz sua engenharia social de forma enrustida. Mente que promove a liberdade quando na verdade planifica rigidamente a economia. E como faz tudo escondido, acaba torcendo a cabeça dos incautos, que sentem o mal estar mas não conseguem saná-lo porque não sabem de onde vem. Ao contrário do socialismo, o capitalismo promove a ignorância cidadã, política, afasta as pessoas da participação na vida pública, toma para si o que é, por sua natureza, de todos.

      Por exemplo, porque você acha que a educação capitalista é apenas para os que se beneficiam e concordam com o capitalismo?

      1. nada disso esta no ideário 

        nada disso esta no ideário  ..mas em valores desenvolvidos por Estados independentes ao longo do tempo e das conveniências

        Claro que no centro da questão esta a divisão entre seres humanos, uns mais solidários e gregários, e outros mais egoístas e individualistas ..talvez um dia a genética, que nos pré programa em tantos atributos, nos explique

        Na teoria quem pode ser contra o mérito e o esforço ? ..a equidade no preparo e nas oportunidades ?

        Na pratica, em qq regime, como combater o CORPORATIVISMO e a VAGABUNDAGEM acompanhada de estabilidade e de direitos exclusivos dados aos servidores que se apossaram do Estado, e que aqui se confundem com a existência duma “sociedade solidária, de esquerda”..

        .. pq convenhamos, vc há de concordar que o brasileiro foi levado a confundir o capitalismo corporativo Estatal em que nos meteram – aonde inexite o respeito a isonomia e cidadania entre os seres – com o que você SONHA ser uma sociedade socilaista, não é mesmo ?

        1. Está no ideário dos incautos,

          Está no ideário dos incautos, daqueles que se comprazem na ideia de manipular crendo que eles próprios não são atingidos pela manipulação. Crêem que tal alinhamento os fará tão poderosos quanto os tais dos 1%, esquecendo-se de que os 1% não querem que essa percentagem aumente. Pimpões, saem por aí se ufanando das vitórias dos outros, dos detentores do capital sem perceberem que fazem parte dos derrotados…

          Esse é o perigo do capitalismo: faz tudo às escondidas, mina a partir dos subsolos, trabalha como ratos, nos esgotos. Engana, ilude, é cheio de subterfúgios…

          Como perguntei antes, porque você acha que educação, segundo o ideário liberal, é algo que tem que custar caro? Que não pode ser gratuito e universal?

          1. Claro que não existe uma só

            Claro que não existe uma só resposta ou explicação  ..mas, penso que pros liberais ..e em PARTE é verdade (ou eles tem razão)  ..NÂO EXISTE NADA de graça e alguém tem que pagar a conta  ..e muitos não querem bancá-la ..nem disso, nem na saúde, nem na assistência..

             ..inclusive, em tese, eles próprios, por ódio as políticos ou por não acreditarem no sistema, nas Instituições e nos homens, quer por não quererem respeitar regras ou por não admitirem o INTERESSE PÙBLICO acima dos seus anseios particulares  ..assim, eles acabam por rechaçar a existência dum Estado tutor, revisor e ditador de regras (pior ainda se de valores)

            ..convenhamos  ..até certo ponto, pelo Estado que conseguimos montar  ..eles tem lá alguns litros de razão dentro dum lago de incompreensões e de radicalismos que eles mesmos não conseguem se libertar

          2. Pois é, é nisso que dá ter um

            Pois é, é nisso que dá ter um estado infiltrado por privatistas. E há quem vote num candidato apenas porque ele parece “fino”, “elegante” ou pior ainda: porque promete (ameaça?) levar ao que é público a “eficiência” (cultura de centralização?) da iniciativa privada. A pessoa se projeta no candidato, fantasia que “ele é parecido comigo”. Quando, na verdade, a pessoa sem perceber, é parte não dos manipuladores mas da massa de manobra. É trabalhador assalariado ou pequeno empresário nacional que certamente serão docemente aniquilados pela força do capital internacional e concentrado, centralizado. Mas acha que deve torcer por esse capital, é mole?

            Nunca deveríamos deixar um privatista tomar conta do que é público, do que é estatal: ele não gosta do estado (exceto para explorá-lo, chupinhá-lo, expoliá-lo, corrompê-lo…).

            Quanto ao pagamento da conta… ora, o PT já demonstrou que dá, sim, para ser paga com o que o estado arrecada. E isso com carga tributária regressiva, hein? Se se arrecadasse (ou quando se arrecadar) com Justiça, aí até sobra dinheiro para investir no próprio povo, assalariado ou pequeno e até médio nacional. E não falo só do PT. Qualquer partido minimamente pelo bem-estar social, capitalista, sim, mas com iniciativas socialistas em relação à, ué… sociedade, faria o mesmo e provaria da mesma forma.

             

          3. Seu raciocínio tb precisa

            Seu raciocínio tb precisa levar  em conta os funcionários públicos que são, com seu corporativismo e sindicalismo desenfreados, deletérios ao Estado ..esse é um CANCRO verdadeiro que os privateiros, como falácia, se valem pra defender a desidratação criminosa do Estado em prol de seus interesses

            Convenhamos, muitos sindicatos de ditos socialistas aplicam os mesmos conceitos de MAIS VALIA pro Estado Nacional  ..isso é absurdo e ajudou a construir muitas deformidáveis entre nós (dentre elas concentração de renda e de Poder)  ..um exemplo disso são as greves que pipocam e acabam tomando como reféns os mais humildes (educação, saúde, justiça, polícia etc)

            ..quanto ao PT  ..façamos o diagnóstico correto  ..enquanto num circulo virtuoso o PT se saiu muito bem ..LULA soube aproveitar como poucos as oportunidades, até com a GENIAL marolinha aonde os EUA tinham que nos fortalecer pra não sucumbirem mais ainda  ..problema é que exagerou, com DILMA, numa fórmula equivocada  ..o PT de DILMA entregou sim (ou lhe tomaram) o Estado com as contas internas e externas quebradas

            DILMA jamais poderia ter desonerado como fez  ..ter artificializado o cambio e juros, tarifa e preços, o consumo como praticou  ,,não podia ter negligneciado os investimentos públicos como pareceu  ..faltou humildade, cuidados, sobrou AMADORISMO e arrogância

            ..e sim, as coisas estariam bem melhor se tivessemos uma CPMF subsituindo um punhado de impostos burocráticos, caros e corruptíveis, regressivos tb

  2. MST em PA Estratégia burra do PT

    O MST vai acampar duas semanas em PA durante o processo do TRF4 contra Lula. Burrice tem limites? O que será que os Porto Alegrenses mesmo os que são contra a condenação definitiva do Lula vão achar? Essa é a estratégia do PT? Por isso o partido chegou onde chegou. Vai ver que é fogo amigo para queimar ainda mais o Lula. Inacreditável.

    1. Os porto-alegrenses que vêm

      Os porto-alegrenses que vêm injustiça nas ações do bando Moro-Dallagnol – porque não entorpecem seus discernimentos – vão adorar e, com certeza, se juntarão ao MST, comprarão suas produtos agrícolas naturais, conhecerão, no acampamento, as escolas do MST, sua história… quem sabe, com sorte, serão convidados a almoçar aquela comida caseira, cheirosa, nutritiva e natural dos acampamentos?

    2. conselheiro  ..sabe  ..nada

      conselheiro  ..sabe  ..nada esta pior que não possa piorar

      LEIO agora que Haddad Rosinha  ..reprovado por 84% da população de SP  ..um cara que mais errou do que acertou na sua administração ..um “homem público” que como prefeito tem uma coleção de tragicômicas experiências  ..leio agora que ele vai ser o “mentor” do Programa de Governo do GENERAL LULA

      ..colega duvido  ..o maior líder que este país já teve não pode estar tão senil assim  ..líder que à época não parava de censurar o então prefeito que tinha por hábito IGNORAR as pesquisas de opinião pública por exemplo

      em tempo – algumas das suas epifanias como administrador foram : ciclovias desertas de bicicletas construídas em ruas e avenidas ABSURDAMENTE ingremes ..faixas de pedestres tomando faixas JÁ insuficientes pra veículos ..regulação ridicula do trânsito com UNIFORMIZAÇÂO por toda cidade e vias a 50 km/h  ..revitalização da indústria da punição e da multa, da criminalização dos veículos ..fingir que não via invasão de prédios e áreas públicas  ..estabelecimento dum plano MUNICIPAL pra contenção e cura de vicio em droga pesada ..estabelecimento de 4 bolsas além do da família – o do pixador, travesti, viciado e invasor  ..faixa pra onibus sem PADRÃO e liberadas pra estacionamento de carros nos tempos livres  ..não intervenção no oligopólio do transporte coletivo muncicipal onde 75% da frota esta nas mãos dum só dono (segundo a mídia)  ..enfim  ..se assim, veja o que nos espera em termos de BRASIL

       

  3. Por isso é que o “não”

    Por isso é que o “não” sereno, consciente e firme é tão subversivo. Aquele que se descabela e se desespera para fazer oposição acaba contribuindo com os ratos da direita, aumenta o caos.

    A direita adora quando incautos compram a ideia alarmista de que “as esquerdas estão desarticuladas”, “é preciso urgentemente refazer as esquerdas” etc.

    É preciso lutar mas sem perder a serenidade, a união solidária. Firme, forte, constante e tranquilo. “Tranquilo e infalível [e impiedoso] como Bruce Lee”. Isso, quem depende de que percamos nossos consciências, não suporta.

  4. Livro fantástico

    Oportunidade de conhecer a verdadeira história da América Latina.

    Entender que os cenários se repetem aqui nos últimos 50 anos como em 1 loop.

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