Ensaio sobre a cegueira paulista, por Mauricio Moraes

Da Revista Fórum

Ensaio sobre a cegueira paulista
 
E, de repente, um surto de cegueira acometeu São Paulo. Não se sabe se começou na avenida Higienópolis, na capital, ou se veio do interior. Há quem diga que o primeiro cego perdeu o senso de realidade em Ribeirão Preto. De repente deu de achar que estava na Califórnia. E a epidemia se espalhou silenciosamente pelo estado, por todas as cidades e vilarejos
 
Por Mauricio Moraes

publicado originalmente em 21/1/2015

E, de repente, um surto de cegueira acometeu São Paulo. Não se sabe se começou na avenida Higienópolis, na capital, ou se veio do interior. Há quem diga que o primeiro cego perdeu o senso de realidade em Ribeirão Preto. De repente deu de achar que estava na Califórnia. E a epidemia se espalhou silenciosamente pelo Estado, por todas as cidades e vilarejos.

Em 2014, nas eleições para o governo do Estado, a cegueira estava disseminada. Diferentemente do livro de José Saramago, onde uma mancha branca, um “mar de leite”, cegava um a um os habitantes de uma cidade fictícia, em São Paulo os cegos continuavam enxergando. Mas há tempos já se diz que o pior cego é aquele que não quer ver.

E eles não viram, ou apenas fizeram cara de paisagem, junto com editores cegos de jornais e revistas, do rádio e da TV. Tudo parecia normal durante a reeleição do “Geraldo”, alcunha de Geraldus Alckminus, da longeva dinastia tucana. “Não vai faltar água”, disse o governador pausadamente naquela campanha, ressaltando cada sílaba, na maior mentira deslavada da história recente do país.

E assim a maioria dos paulistas “acreditou” no que ele disse. Culparam São Pedro, o PT, e ignoraram solenemente os milhões que escorreram nos túneis do metrô e a violência que voltou a crescer. Se fizeram de Maria Antonieta no desmonte da educação e das universidades do Estado. Aplaudiram a PM esfolando manifestantes e matando jovens negros e pobres nas periferias. E sobretudo se fizeram de surdos quando alertados que a Cantareira estava baixando e que a água, logo logo, iria acabar.

No quarto mês de 2015, no início do quarto reinado alckmino, ano 20 da era tucana, muitos paulistas começaram a se dar conta da realidade. Talvez tenha sido o odor inebriante do CC no busão ou as louças amontoadas na pia. O cabelo ensebado por falta de banho pode ter ajudado. Cientistas suspeitam dos efeitos colaterais da água do volume morto.

Dizem que uma moradora dos Jardins acordou num surto psicótico depois que uma crosta de poeira havia se impregnado em seu carro de luxo. Nem decuplicar a oferta ao lava jato conseguiu driblar a realidade. “Esse atendimento não era gourmet?”, gritava, insana. Mas naquele dia já não havia mais água.

Não demorou a que o caos se instalasse. Todos correram aos supermercados para estocar o líquido precioso. As gôndolas ficaram rapidamente vazias. Em Itu, um caminhão de água foi sequestrado. Por toda a parte, havia registros de brigas, até por garrafinhas de 500 ml de água. E o preço foi às alturas. Em Pinheiros, uma rua cedeu depois que vários moradores cavaram poços clandestinos. A desordem se instalou. No Palácio dos Bandeirantes, longe de tudo e de todos, Alckminus tentava contornar a crise.

Desta vez, estava preocupado. O Maquiavel de Pindamonhangaba enxergava tudo muito bem e, com jeito de bom moço, já havia se tornado mestre em abafar CPIs na Assembleia Legislativa ou em mentir que a Corregedoria da PM funciona. Agora, estava sob grande pressão.

Ainda não havia sinal de nenhuma turba chegando ao longínquo Palácio dos Bandeirantes. O Choque da PM bloqueou o acesso ao Morumbi (com garantia de água à vontade, a fim de evitar um motim policial). O estoque de balas de borracha foi reforçado e um novo lote de gás lacrimogêneo fora usado contra manifestantes do Movimento Água Livre.

Contra o povo, Alckmin tinha a polícia. O que realmente o preocupava eram os 30 PIBs de São Paulo reunidos no Palácio (a quem foi oferecido champagne por razões de “restrição hídrica”, como explicou o cerimonial). Também apavoravam o governador as chantagens dos acionistas da Sabesp. Apesar do preço exorbitante, a falta d’água deixou a companhia deficitária, com as ações a preço de banana na Bolsa de Nova York, onde eram comercializadas desde a privatização parcial da empresa.

E assim os paulistas tentavam deixar a cidade, o Estado. Um grande congestionamento, que já durava uma semana, travou as rodovias. Na capital, moradores fugiam pelas ruas, carregando o que podiam, em uma cena dantesca. Uns deliravam e arrancavam as roupas, andando desorientados. A Força Nacional foi acionada. Já havia gente se jogando no Tietê.

Em meio à tragédia, os jornais traziam notícias otimistas. “Cacique Cobra Coral assegura que vai chover”, dizia a manchete de um deles, com declarações de Alckminus justificando a contração da “consultoria para deficiência hídrica”.

Analistas chegaram a prever um ataque da população ao Bandeirantes, mas pesquisas mostravam que grande parte dos paulistas ainda não tinha certeza sobre quem era o responsável pela crise da água, se Dilma ou Haddad.

Na dúvida, resolveram ir embora o mais rápido possível, com a fé abalada em São Pedro. Ainda mantinham a esperança de que, um dia, a cidade fosse inundar mais uma vez durante as chuvas de verão e que haveria água para todos (ou ao menos nos camarotes). Para muitos, a cegueira era irreversível.

 

Redação

7 Comentários

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  1. Voto no menos pior

    Resultados para Governador de São Paulo (1º turno)

    Estão listados os resultados apurados ao Governo Estadual de SP:

    100.00% Apurados Geraldo Alckmin 45PSDB ELEITOGeraldo Alckmin 4557.31%12.230.807 Votos

    Geraldo Alckmin é candidato à reeleição ao cargo de Governador do Estado de São Paulo pelo PSDB. Natural da cidade de Pindamonhangaba …

    Skaf 15PMDB NÃO ELEITOSkaf 1521.53%4.594.708 Votos

    Skaf é candidato do PMDB ao cargo de Governador do Estado São Paulo. Nascido na capital São Paulo em 1955, Paulo Antônio Skaf, …

    Padilha 13PT NÃO ELEITOPadilha 1318.22%3.888.584 Votos

    Padilha é candidato do PT a Governador do Estado de São Paulo. Com 42 anos, nascido em São Paulo, Alexandre Rocha Santos Padilha é …

    Gilberto Natalini 43PV NÃO ELEITOGilberto Natalini 431.22%260.696 Votos

    Gilberto Natalini é candidato pelo PV ao cargo de Governador do Estado de São Paulo. Nascido na capital fluminense do Rio de Janeiro em …

    Maringoni 50PSOL NÃO ELEITOMaringoni 500.88%187.487 Votos

    Maringoni é candidato ao cargo de Governador do Estado de São Paulo pelo PSOL. Natural da capital paulista de São Paulo, Gilberto …

    Laércio Benko 31PHS NÃO ELEITOLaércio Benko 310.62%132.042 Votos

    Laércio Benko é candidato ao cargo de Governador de São Paulo pelo PHS (Partido Humanista da Solidariedade). Natural de SP – São Paulo, …

    Walter Ciglioni 28PRTB NÃO ELEITOWalter Ciglioni 280.11%22.822 Votos

    Walter Ciglioni é candidato ao cargo de Governador de São Paulo pelo PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro). Natural de SP – São …

     

    O Skaf até demonstrou potencial, mas perdeu o folego logo de cara aparecendo nos palanques ombreado por figuras defenestradas pela opinião publica.

     

    1. Com arte e engano, vives metade do ano?

      Contariando sua epígrafe, a eleição de Alckmin comprovou que é possível enganar muitos o tempo tempo, ainda que não muito além de uma maioria que gosta de ser enganado e ainda faz esforço para enganar os outros…

  2. Acreditaram na Dilma também

    “As pessoas acreditam em qualquer coisa”, já dizia Deus num episódio da Porta dos Fundos.

    Acreditam em Alckmin, em Eduardo Cunha… veja só, acreditam até na Dilma!

     

  3. Falando em escolha de

    Falando em escolha de candidatos, a cegueira não está limitada a São Paulo abrange o país inteiro inclusive o autor dessa idiotice…Chega de PSDB e PT

  4. Algo semelhante cabe ao
    Algo semelhante cabe ao estado do Paraná, onde os colonos justiceiros amam e idolatram o governador mais corrupto e cara de pau do Brasil.

  5. PSDB tem licença pra roubar.

    PSDB tem licença pra roubar. Os seus eleitores já decidiram isso. Portanto, mesmo sabendo o caos e a roubalheira que rola em SP e rolou no país na época da Privataria tucana, eles se fazem que não é com eles e lascam: Coisa do PT. Só rindo mesmo. Coisa do PT foi o país sair da posição ridícula de mendigo internacional e de subserviente ridículo na política externa, literalmente “tirando os sapatos ” para agradar o patrão. Foi tirar uma verdadeira população da miséria absoluta, o que aliás, eles deveriam agradecer, porque do jeito que deixaram a coisa, logo, logo haveria uma convulsão social e quem mais perderia seriam eles; a classe média idiotizada pela mídia e pela vontade secreta de um dia participar do “andar de cima”, o que explica defenderem a causa dos milionários sem o ser, ou seja, fazer papel de idiota. Mas eles adoram isso!

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