Estará o Brasil condenado ao ódio e ao desentendimento?, por Bresser-Pereira

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Luiz Carlos Bresser-Pereira publicou um texto em sua página no Facebook, na noite de quarta (27), tentando levantar os motivos que explicam parte do ódio fomentado entre brasileiros nos últimos anos. Após citar autores e suas teorias, Bresser aponta que o caminho para superação dessa crise deve passar pelas próximas eleições, com candidatos exercitando não o ódio, mas debatendo sobre programas que interessam ao desenvolvimento e inclusão.

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira

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Depois do ódio

Em 2014, em artigo em Interesse Nacional, “O mal-estar entre nós”, escrevi, preocupado, que uma coisa que eu não havia visto anteriormente, o ódio, havia surgido entre as elites econômicas brasileiras. Poucos leram esse artigo, mas, em fevereiro do ano seguinte, em longa entrevista a Eleonora de Lucena na Folha de S. Paulo, esta preocupação apareceu no título da matéria, e teve ampla repercussão.

Por que esse ódio? Afinal o governo de Lula nada teve de radical; definitivamente não prejudicou as elites econômicas brasileiras. No artigo do 2014 eu usei como explicação a observação de Claudio Gonçalves Couto sobre o “incômodo” dessas elites, inclusive a classe média tradicional, de encontrarem nos aeroportos e nos shopping centers representantes da classe C. Essa explicação tornou-se, depois, paradigmática, mas hoje quero oferecer uma explicação mais ampla para o ódio na política brasileira.

Jesse Souza está fazendo grande sociologia crítica, como há muito tempo não acontecia no Brasil. E sua crítica se estende aos intelectuais. Seu último livro, “A Elite do Atraso” precisa ser lido. É obra de um intelectual crítico, não de um intelectual-político; ele pensa de acordo com a ética da convicção, não a ética da responsabilidade. Por isso, não é possível deduzir políticas diretamente de sua crítica, que é radical, mas ela obriga a pensar.

Para Jessé, o que define o Brasil é a escravidão. É uma interpretação melhor do que a do “patrimonialismo”, que ele critica porque entende que esta é uma forma de empurrar a culpa do nosso atraso econômico e políticos para o Estado, seus políticos e seus burocratas, deixando a elite econômica esquecida, e do “populismo”, que seria uma forma demonstrar a incapacidade do povo de votar de maneira “certa”. A meu ver, faz pouco sentido explicar a corrupção hoje existente no Brasil com o patrimonialismo; essa corrupção é capitalista, deriva de ser o dinheiro ou o capital o valor maior nesse tipo de sociedade. Quanto ao populismo político – a relação direta do líder político com o povo sem a intermediação dos partidos e ideologias –, ele muitas vezes é a maneira de um povo, por séculos ignorado, atuar na política pela primeira vez.

A escravidão é ainda a marca maior da sociedade brasileira, porque ela durou tempo demais, e porque abrangeu uma grande parte da população, tornando o Brasil um país mestiço. Ao colocarmos a escravidão no centro da interpretação do Brasil, compreendemos porque, objetivamente, a sociedade brasileira é tão desigual, e, no plano subjetivo coletivo, porque o preconceito social e racial é tão grande nas nossas elites inclusive a classe média tradicional.
Conforme afirma Jessé, essa elite despreza povo, porque ela é branca e rica, e o povo é pobre e mestiço; porque ela vê esse povo como gente de segunda classe. Ela prefere se associar às elites dos países ricos, aos seus “iguais”, ao invés de se associar ao povo. Por isso ela rejeita o nacionalismo econômico, que implica uma solidariedade básica da classe capitalista com a classe trabalhadora em torno do interesse comum pelo mercado interno, e adota o liberalismo econômico como ideologia.

Estava essa elite posta em sossego até que, em 1986, o Brasil se tornou um país democrático, ao garantir o sufrágio universal. Os analfabetos passaram a ter direito a voto, associaram-se ao restante da maioria da população pobre, e se tornaram uma força política. Que escolheu Lula como seu líder.

Vem daí o ódio a Lula. De haver nascido deste povo, e não ter renunciado a ele. Ele poderia tê-lo feito; tantos políticos de esquerda se deixam cooptar. Lula fez acordos, mostrou que não podia governar sem algum apoio dessas elites, e fez o melhor dos seus esforços para chegar a um acordo com elas, mas continuou povo, e isto é indesculpável.

Estará o Brasil condenado ao ódio e ao desentendimento? Não creio, porque a elite brasileira não é um monólito. Ainda que uma minoria, há nela muitos nela que sabem que seu preconceito social e racial precisa ser superado, que o ódio é irracional e insustentável. Uma nação e uma democracia não podem existir sem política, e nela não há lugar para inimigos a serem excluídos, mas para adversários que se respeitam.

O ano que está para começar é ano de eleições presidenciais. É um momento no qual a política precisa estar viva, livre e atuante, com candidatos defendendo programas e ideias, não exercitando o ódio. Assim teremos um presidente eleito democraticamente, seja quem for ele, e o caminho possível, mas difícil, para o depois do ódio, para a pacificação dos espíritos, estará à nossa frente. 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Condenados ao ódio!

    Fomentado pelos meios de comunicação.

    O apartheid durou quase 50 anos na África do Sul.  E após mais de 50 anos de sua dissolução nos EUA sob Lyndon Johnson, ainda é fator de discussão na sociedade estadunidense.

    E enquanto os antagonismos não forem suavizados e estabelecida de fato uma sociedade em que cada cidadão seja  tratado de forma igual, independentemente de “crença, raça ou cor da pele”, estamos condenados ao ódio.

  2. No que diz respeito a ÓDIO,

    No que diz respeito a ÓDIO, me desculpem, mas basta ler os comentários nas postagens do GGN, para perceber que a esquerda possui um manancial inesgotável desse sentimento…

    1. É por causa de gente como você que dominam

      a classe media paulistana/paulista que eu me refugiei neste blog. 

      Por que temos que ler essas bobagens reacionárias também aqui?

  3. O ódio vomitando por
    O ódio vomitando por evangélicos contra Lula e contra o PT tem uma explicação singela. A CIA usou o fundamentalismo islâmico como uma arma de ataque aos regimes laicos e pró-nacionalização do petróleo no Oriente Médio. A receita aplicada no Brasil para saquear o Pré-Sal é idêntica, mas aqui a grande imprensa também ajudou em troca das verbas de publicidade gerenciadas pela USIA. Os juízes apenas legitimaram a perseguição ao PT e a desnacionalização das reservas petrolíferas do Brasil em troca do direito de poder continuar roubando legalmente os contribuintes brasileiros. Portanto, creio que o ódio contra o PT não tem fim e terá que ser retribuído com ódio pelos petistas também.

  4. Esta. Tem somente 10 anos que

    Esta. Tem somente 10 anos que o presal comecou producao.

     E o unico resultado hoje eh uma campanha de sabotagem massiva.

    Fica beeerm pior:  o Brasil vai estar em genocidio organizado pelos proximos 100 anos.

  5. Faz um bom tempo que eu

    Faz um bom tempo que eu escrevo que o maior problema do Brasil é nunca ter deixado de ser um país escravocrata, aonde vocês como sociedade continuam praticando a escravidão apesar da abolição.

    E o ódio só irá acabar quando o último escravocrata estiver enterrado de forma vil e nas escolas ensinarem como foram inaceitáveis e grotescos os atos desse último escravocrata.

  6. Bresser-Pereira, ex-tucano

    Bresser-Pereira, ex-tucano (?), estaria querendo dar uma de Saulo de Tarso, depois Paulo?

    Na  minha infancia, nos livros escolares, havia um texto bem curto sobre um lavrador   que

    tinha umas sementes de vento que não davam trabalho para semear. Como não davam 

    trabalho, semeou-as todas. Em poucas horas violenta tempestade destruiu toda sua propriedade.

    Moral da história: “quem semeia vento colhe tempestades”.

    Os que semearam tanto ódio esperavam colher o que? Terão que aprender pela dor, pois tudo

    se voltará contra quem semeou o ódio. Se aprenderão, quem poderá dizer?

  7.  
    Quem foi o presidente que

     

    Quem foi o presidente que fez do NOS x ELES  a sua bandeira eleitoral e de governo, exercitada quase que diariamente em discursos?

    QUEM SEMEIA VENTO COLHE TEMPESTADES.

    Lula e o PT estão colhendo todo o ódio que semearam durante seus governos.

    Dividiram o país, semearam a discórdia, criaram o nós x eles, esfacelaram a identidade dos brasileiros que não se ve mais como nação.

    Não venham, agora, apontar o ódio de grupos ditos, de direita.

    Essa é a reação, movimento de pendulo criado nos governos petistas.

     

  8. “Justiça” lucrando com aquele “desentendimento”

    Contesto à tese de que deva ser obrigatória a presença de advogado para representar determinados tipos de litígio ou “desentendimentos”, como especificamente nas delações premiadas. Que tipo de honorário é esse? Construído acima do dinheiro que o povo brasileiro no seu conjunto deixa de receber, apenas para a ganância de poucos?

    Imaginemos um ladrão de carteira fugindo depois de assaltar um idoso, aí a policia pega ele na rua e lhe cobra a metade para lhe soltar. A polícia leva a metade; o ladrão a outra; e o idoso perde tudo. O povo brasileiro é aquele idoso. Isso mesmo é o que assistimos neste escândalo das delações premiadas. Será que apenas os advogados levam? E aquela parte “por fora” que comentou o Tacla Duran?

    Por exemplo, qual o trabalho que fez a Catta Preta para levar milhões de dólares em honorários por “intermediar” algumas delações premiadas e voar para residir em Miami? A procuradoria ou o tribunal não tem condições de negociar diretamente com os acusados?

    No fundo, o criminoso transferiu 1/3 do total da falcatrua para o bolso do seu advogado. Os advogados poderiam levar, em tese, até 1/3 da corrupção do Brasil, mas nenhum deles é tratado como criminoso.

    São colaboradores da Lei? Não, eles são apenas agentes da sua especial categoria ocultos sob o manto da “justiça”, um clube de bolinha, uma confraria, alguns advogados togados dirigindo, alguns advogados de um lado do balcão do tribunal e outros no lado contrario, discutindo a partilha, o botim, enquanto depenam ao sujeito que eventualmente entrou para ser julgado.

  9. Pragmatismo

    A rejeição ao Lulismo e depois ao PT tem origem na classe média que nele votou e foi traída. Os bancos continuaram a lucrar como nunca no Brasil. Os impostos aumentaram e os assalariados viram sumir seus ganhos. A meritocracia, um valor defendido ela classe média, foi deixado de lado por força ideológica. O populismo suplantou o bem estar do povo. Quem pediu Copa do. Mundo? Quem pediu Olimpíadas? No Sudeste quase todas as rodovias foram privatizadas, e temos de pagar por tudo: Saúde, educação e segurança, apesar dos impostos. Esqueçam eleições, cargos e nome na história. Façam alguma coisa pelo povo e não pelo partido.

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