Excel e PowerPoint: as bombas semióticas silenciosas da guerra híbrida, por Wilson Ferreira

O Lawfare encontrou toda uma geração de jovens concurseiros do Judiciário com um discurso contaminado pela linguagem powerpointiana: ilusão, simplificação, distração e anestesia.

Excel e PowerPoint: as bombas semióticas silenciosas da guerra híbrida

por Wilson Ferreira

Há uma bomba semiótica que, até aqui, passou desapercebida pelos estudiosos da guerra híbrida, uma bomba silenciosa ocultada pela inocência utilitária: a bomba informática – programas e aplicativos que invadem a nossa estrutura mental, a cognição, compreensão da realidade e, por fim, nossas decisões. Não é por acaso que a ascensão do neoliberalismo e Globalização vieram acompanhadas por planilhas Excel e slides de PowerPoint: dão a ilusão de racionalidade e controle individual, mas na escala macro geram disfunções exponenciais. O Lawfare encontrou toda uma geração de jovens concurseiros do Judiciário com um discurso contaminado pela linguagem powerpointiana: ilusão, simplificação, distração e anestesia. Linguagem quase religiosa que gera mais convicções do que evidências. No ato de filiação do ex-procurador Dallagnol no Podemos mais uma vez ficou evidente essa “cultura PowerPoint”. 

Esse humilde blogueiro tem falado e escrito muito sobre a importância estratégica das bombas semióticas na guerra híbrida brasileira: bombas cognitivas midiáticas que esgotam todos os recursos linguísticos, retóricos e semiológicos. Bombas simbólicas que criam repercussão e muito barulho na sociedade por criar cismogênese e remexer as feridas psíquicas do inconsciente coletivo.

Mas há uma bomba semiótica mais silenciosa, que passa desapercebida pela sua utilidade cotidiana como uma inocente ferramenta: a bomba informática – programas e aplicativos que invadem a nossa estrutura mental, a cognição, compreensão da realidade e, por fim, nossas decisões.

Decompõem a nossa realidade, ao tornar qualquer coisa “bullet-izabel” (“itemizável”) criando a ilusão de controle da realidade. Tão ilusório quanto tentar frear um carro segurando com a mão o ponteiro do velocímetro.

Ainda está para ser estudado por uma perspectiva materialista histórica os efeitos cognitivos e políticos da informatização de nossas vidas que, não por acaso, acompanharam o triunfo do neoliberalismo e da globalização. Ao ponto que até alguns filósofos chegaram a acreditar que teríamos chegado ao final da História.

Essa sensação de final de História foi lá nos já longínquos anos 1990. Aqui no Brasil, na “gloriosa” era FHC com suas privatizações e a promessa de o País virar um “player” na Globalização (até a maxidesvalorização do real em 1998, fazendo o País cair de joelhos diante do FMI). 

Também, não por acaso, foi a época da ascensão da planilha Excel como principal ferramenta para gestores, economistas e até pedagogos. Na economia, a figura mágica do “financista”; na Administração a moderna figura do “gestor” – que se estendeu aos “gestores educacionais”. Em todos eles, as onipresentes planilhas Excel que acabaram criando uma forma de pensamento que o jornalista Luis Nassif jocosamente chamada de “cabeças-de-planilha” – Leia NASSIF, Luis, Os Cabeças-de-Planilha, Ediouro, 2007.

Modismos como reengenharia, processos de ISO para empresas etc., eram acompanhados sempre por lindas planilhas coloridas que geravam lindos gráficos que ilustravam reuniões de CEOs. Distantes do chão de fábrica com essas verdadeiras máquinas platônicas, encontrávamos financistas e gestores inebriados pela fantasia de controle: na escala micro tudo parece racional, perfeitamente quantificável e lógico; mas na escala macro, as racionalidades de cada agente não se encaixavam, produzindo disfunções exponenciais – de resto, é o mesmo destino das grandes cidades: prédios inteligentes, mas cercados pelo caos urbano dos congestionamentos, poluição e inundações.

De certa forma, a planilha Excel trouxe o triunfo do laissez-faire neoliberal, ironicamente através da ilusão de que a racionalidade de cada ação individual resultaria num todo harmonioso.

Dallagnol e o PowerPoint

 E agora, no século XXI, outro programa ocupa a função de bomba cognitiva. E, dessa vez, na guerra híbrida brasileira cujo desfecho foi o impeachment de 2016: o PowerPoint.

O leitor deve ter visto a notícia da filiação do ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, no Podemos. Celebrado com um discurso de 45 minutos em que falou 41 vezes a palavra “corrupção” – para ele, o fenômeno da corrupção está por trás de tudo: na dificuldade do tratamento de câncer aos acidentes de trânsito.

Além dele, ao lado de Moro et caterva, segurar um cartaz onde lia-se: “Com 200 deputados mudamos o País – Democracia, Combate a Corrupção, Preparação Política”. Ele também assinará uma “carta suprapartidária” para colocar “200 deputados” com preparo democrático para combater a corrupção, ou coisa que o valha…

Para além da discussão de que o discurso da corrupção é mais imaginário do que econômico (clique aqui), o que chamou a atenção no ato de filiação é a recorrência da estética “itemizável” powerpointiana do cartaz exortando a necessidade dos tais “200 deputados”.

Sabemos que o ponto alto (pelo menos simbólico) do ex-procurador foi a sua performance tentando coordenar sua fala com as dezenas de slides da sua denúncia contra “o general do maior esquema de corrupção da História”, cujo ápice da apresentação foi aquele bizarro slide com diversos círculos e setas convergindo para o nome “Lula” (em caixa-alta) ao centro.

Aquela apresentação do então procurador revelou menos “o maior esquema de corrupção da História” e muito mais um exemplo da “cultura do PowerPoint” que assombra cada sala de aula ou auditório de apresentações.

O pesquisador canadense Marshall MacLuhan dizia que “o meio é a mensagem”: o contrário do que pensamos de que o meio e um simples canal de passagem de um conteúdo ou mero veículo de transmissão da mensagem, na verdade é o elemento determinante da comunicação. A interação entre usuário e tecnologia que desenvolvem constitui a mensagem mais importante do ato da comunicação – a forma como o meio molda nossa cognição, percepção e pensamento.

Os procuradores federais, jovens concurseiros que, com muito esforço, traçaram seus caminhos da sala de aula dos cursos de Direito para a promoção em concursos públicos, certamente estudaram em muitos quadros sinópticos impressos em slides de PowerPoint. Moldaram seus raciocínios e matéria de estudos através de bullet-izable, gráficos espaguete com muitas setas e linhas e tabelas e mais tabelas onde as letrinhas pequenas espremidas em células hifeniza as palavras tornando a leitura ainda mais irritante.

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Redação

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