Ficções rebeldes – trilhos, ilhas, agulhas, por Edson Luiz André de Sousa

do Psicanalistas pela Democracia

Ficções rebeldes – trilhos, ilhas, agulhas¹

por Edson Luiz André de Sousa

“A ilha é como uma pequena estrela que o espaço esqueceu”

Rainer Maria Rilke

“A arte coloca a vida em desordem. Os poetas da humanidade restabelecem o caos continuamente”.

Karl Kraus

Toda ficção traz o gérmen de uma rebeldia.  Não existe rebeldia sem ficção. Esta palavra tem muitas derivações semânticas. Vem do latim Re bellis, Re bellare, Re (contra) Bellar ( guerrear) , guerrear contra, desobedecer. No francês do século XVI rebelar podia ser usado como girar, desviar (rebelar o rosto para outro lado). Movimento, portanto de resistência, de desvio. O verbo latim volvere está na origem de rebeldia e só posteriormente foi adquirindo um sentido mais próximo à política. Re volvere.. re volução... Derivações semânticas como curva, entorno, volta, revolta são da mesma família. Este pequeno percurso etimológico já nos anuncia a potência politica do termo  ficção quando este abre espaço para a rebelião. Em tempos  nos quais  vemos surgir assustadoramente no Brasil discursos contra mostras de arte, lembrando as cruzadas contra a arte dita degenerada , precisamos  lembrar da indissociabilidade entre ficção e rebeldia. Contra estes discursos fascistas, que querem impor um único  modo de ver o mundo,  nada  como produzir ainda  mais arte.

Vamos encontrar o termo ficção logo na abertura dos Escritos de Jacques Lacan com o clássico texto sobre a Carta Roubada, onde veremos enlaçada a relação entre verdade e ficção. Neste texto, Lacan nos apresenta um  sujeito  virado ao avesso pela ventania do significante. A verdade ali em questão é a ordem simbólica,  constituinte do sujeito. É esta verdade, escreve Lacan, que possibilita a própria existência da ficção. (LACAN, 1998, p. 14). Em outro momento , no Seminário sobre asRelações de Objeto vai ser mais categórico ao dizer que “a verdade tem a estrutura da ficção”. (LACAN, 1956/1957, p. 134). Abalo sísmico da psicanálise na pretensão daqueles que querem encontrar algum ponto fixo que nos oriente em relação a verdade.  Aqui, a  verdade, surge como ex-cêntrica, como fora do lugar e se há uma “fixão” em cena é o do real, ou seja, do impossível que fixao sujeito na linguagem. Lacan, em sua gangorra poética, joga com esta imagem de ficção e fixão no “Aturdito”, conferência que realiza pelo quinquagésimo aniversario do hospital Henri-Rousselle em 1972.   Etourdi, em francês significa  distraído, que age sem refletir,  o que vive no mundo da lua. O distraído que nos salva, pois como lembra Leminski  distraídos venceremos .  Tour (volta) tourner ( dar voltas),  dar voltas em torno do “dire” , do dizer e do dito… Convido vocês a uma volta dentro da jaula de uma pantera conduzidos  pela mão de Rainer Maria Rilke, o poeta triste, taciturno  que inspira Freud a escrever “A transitoriedade”.  The Panther, (a pantera) é um poema de Rilke. A pantera que gira, movimento inquieto circular, repetitivo, desesperado, contido. O que nos indica  o movimento circular da pantera ? A história deste poema é curiosa.   Rilke era secretario do escultor Auguste Rodin em Paris , é fora  instigado por este, a fazer uma visita ao Jardin des Plantes, e só retornar de lá com um poema escrito. Rilke sai com seu pequeno caderno de notas e diante da jaula da pantera escreve um dos seus mais belos poemas “sob encomenda”.

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.

Tradução de Augusto de Campos (RILKE, 2007, p. 57)

 

Deixemos em suspenso nossa  pantera em sua jaula e daqui há pouco retornaremos a ela.

Escrever é também girar.  Mas girar em torno do quê? Escrevemos para fixarficcionalizar o nome que se apaga,  adentrar minimamente nossos insertões, para poder ver mais de perto a ferida, este íntimo expropriado por uma lógica de funcionamento das máquinas de poder, as quais  tentam silenciar nossa inquietude com o espectro de pensamentos prêt-à-porter, nos dando a ilusão que estamos tomando posição.  Mas basta um pouco de distância deste motor ruidoso, que nos faz girar em círculos, para perceber que, por vezes, estes lugares que ocupamos estão esvaziados de sujeitos. Um lugar de sujeito, sabemos, só surge como efeito de um ato. É este que coloca em cena a radicalidade do discurso analítico que, como Freud indicou,  abre espaço para que possamos saber um pouco mais sobre os avessos que nos constituem. Precisamos nos aproximar destes avessos como o faz a artista Rachel Whitehead indicando o oco que recobrimos com imagens. 

Rachel Whitehead

Por esta razão,  ocupar minimamente uma  posição de autoria no pensamento,  implica necessariamente recusar o consumo  de pensamentos de prateleira. Aqui nos aproximamos da radicalidade da experiência psicanalítica, que tenta fazer furo nestes espaços totalitários de discurso,  abrindo para o sujeito a chance de uma narrativa por vir, de um mundo por vir, como enuncia Eduardo Viveiros de Castro. Não há esperança possível se não desligarmos a máquina de tortura de Kafka descrita em seu texto Colônia Penal, cujo funcionamento ruidoso, impede que se escute qualquer palavra. Mas como desligar a maquina? Como desmontar a maquina? Como explodir a maquina? Como olhar para o interior da maquina para entender minimamente seu funcionamento?   Gaston Bachelard sobre este ponto  nos dá uma pista em seu ensaio “ A terra e os devaneios do repouso”.

“A partir dessa vontade de olhar para o interior das coisas, de olhar o que não se vê, o que não se deve ver, formam-se estranhos devaneios tensos, devaneios que formam um vinco entre as sobrancelhas. Já não se trata então de uma curiosidade passiva que aguarda os espetáculos surpreendentes, mas sim de uma curiosidade agressiva, etimologicamente inspetora. É esta a curiosidade da criança que destrói seu brinquedo para ver o que há dentro” ( BACHELARD, 2003, p. 8)

Curiosidade agressiva !!! É aqui que o ato analítico entra em cena no espirito da curiosidade infantil e , diria mais, uma curiosidade que só se sustenta com  uma coragem diante do risco de adentrar  territórios  desconhecidos. Aqui vislumbramos uma ética possível  do “Wo Es War , Soll ich Werden” freudiano que eu traduziria por “Não renunciaremos a salvar no navio na tempestade, só porque não saberíamos impedir o vento de soprar”. (MORUS, 2000, p. 57)  Esta é uma bela proposição do clássico texto de Tomas Morus “A utopia” publicado em 1516, portanto há 500 anos atrás.  Trata-se de  uma ética do desejo!

A utopia como todos sabem é uma ilha de papel, uma ilha de discurso, uma ficção rebelde que convoca o desejo a ocupar posição abrindo espaço para imaginar outros mundos possíveis, outras formas de viver, portanto tem a função critica de desmontar as lógicas de vida que se instauram nos sujeitos como universais e naturais. Como lembra Ernst Bloch, em seu Principio Esperança,  a utopia quer enxergar bem longe mas apenas para atravessar a obscuridade mais próxima que acabou de ser vivida. (BLOCH, 2005 p. 23) Neste sentido, ela é uma convocação para um agir no aqui e agora. Não há violência mais cruel do que o  anestesiamento de nossa capacidade de sonhar, de imaginar, de desejar. Neste ponto Emil Cioran  tem toda a razão ao lembrar que “Só agimos sob a fascinação do impossível: isto significa que uma sociedade incapaz de gerar uma utopia e de consagrar-se a ela está ameaçada de esclerose e de ruína”. (CIORAN, 1994,  p. 101)

Quando nosso girar em circulo não sai do lugar, os automatismos de repetição nos levam para tão perto deste ponto de giro que  corremos o risco de naufragar na própria ruina em torno da qual circulamos. Assim giramos em torno da ruina, a ruina como objeto. Sigo aqui a pista de Gérard Wajcman , no seu livro O Objeto do século, onde propõe pensar a ruina como objeto  que se faz de restos de um objeto. Contudo o trágico em cena é quando  a ruina  adentra cenários de esquecimento, lógicas de forclusão, em um tempo que pretendeu inventar  destruições sem ruinas. Como lembrar aquilo que é sem resto? Aqui encontramos a potencia política mais radical da psicanalise e da invenção freudiana que  entra em cena para recolher , escutar, dar outras formas a estes restos. A experiência psicanalítica como literatura, litter , lixo, lixeratura já que como evoca com toda razão Jacques Lacan, a literatura é uma acomodação de restos.

Giramos   em círculos,  diante destas ruinas que se acumulam, como na imagem  proposta por Walter Benjamin a partir da pintura de Paul Klee “Angelus Novus”,   na tentativa de escutar o que nos dizem. 

Paul Klee – Angelus Novus

Sem esta escuta não sairemos do movimento de  repetição paralisante e mortífero.  Este é o anjo da historia que segundo Benjamin “ … vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acomodar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.” (BENJAMIN,1985, p. 226)

Voltemos a nossa pantera/rodin,  rodeando em torno a um  ponto oculto, músculos gradeados por rimas, imas que acionam um magnetismo da origem que buscamos desvendar como um plano de vôo possível para o que está por vir , origem como horizonte, ursprung, origem como salto, buscar o centro se distanciando dele,    tentando abrir espaços de palavra e imagem em seu movimento circular nas bordas do discurso. O que está em jogo nesta cena em que o vulto pulsional em sua onda andante e flexível gira incessantemente em círculos concêntricos?

Proponho pensar este giro como da ordem do circuito pulsional. Meu ponto de partida é a proposição que Lacan vai fazer na aula do 26 de março de 1969 no Seminário de “Um Outro a outro”  trazendo para discussão a noção de CIRCARE. Ele define este termo da seguinte forma “girar em círculos em torno a um ponto central, enquanto alguma coisa não é resolvida.” (LACAN, 1968) Mas o  que significa resolver ? Não seria se  aproximar tanto quanto possível deste objeto causa na medida em que buscamos justamente as bordas do circuito em torno do qual nos movemos? Tensionar as bordas, correr o risco de buscar este lugar fora e assim tensionar o furo que nos constitui.  Nos aproximamos  deste furo na linguagem   por aquilo que faz borda . Buscar este centro no ex-cêntrico e  romper a lógica circular,  pois mesmo que Copérnico tenha avançado um pouco , trocando o objeto em torno do qual giramos , nada mais foi que um reformista pois, lembra Severo Sarduy  no seu texto sobre o Barroco, a verdadeira revolução foi a Kleperiana que mostrou que nosso giro em torno do sol é  elíptico.  A elipse como perturbação do circulo, da cosmologia da esfera, a condição ex-cêntrica da elipse. A pulverização do  centro instituindo outro relação com o mundo, que eu nomearia como Keplerização da vida. Não é aqui que podemos chegar mais perto do que podemos nomear como subversão da psicanalise?   A hipótese que nos parece evidente é que os sujeitos podem se situar   de forma mais substancial no furo em torno do qual giram, se conseguem tocar minimamente as bordas do discurso deste fora que os constitui.  Não é este o fundamento do trabalho analítico, abrir espaço para um  êxtimo que conjuga o intimo radical e a exterioridade? Mesmo que  este furo  continue  inacessível há efetivamente ganho de posição se podemos  tensionar as  bordas que desenhamos em seu entorno. Quando o espaço de ficção engasga    não paramos de girar em torno de um  eixo como as ovelhas de Francis Alys na performance que fez na Cidade do México intitulada “Contos Patrióticos”  .

Francis Alys – Contos Patrióticos

Como sabemos,  as lógicas perversas do poder que se consagram a tapar o buraco no Outro,  nos abrem muitos desertos  que , com suas proposições totalitárias de discurso, com suas certezas, com seus trilhos, lançam os sujeitos dentro de suas pequenas jaulas, suas opacidades subjetivas.

Rilke desmonta a jaula da pantera, abre um furo por entre as grades injetando novas imagens. Circare vem do francês antigo Cerchier, Chercher, ou seja procurar. Lacan vai desenvolver amplamente este tema no seminário RSI de 197 – 1975.   Dali também deriva circulo, circus, do grego Kirkus (circulo, ringue). A palavra cárcere surge também desta mesma raiz.

Como desmontar a maquina para que possamos nos situar um pouco mais em relação ao ponto cego em torno do qual giramos? Como primeiro esboço de resposta podemos dizer o seguinte:  buscando o que faz furo no discurso, acionando seus limites, suas fronteiras, desvelando sua pretensão totalitária .  Não é este o grande legado de Freud com a invenção da psicanálise ao  colocar uma agulha nos trilhos, exatamente como faz o artista Marcos Martins no seu trabalho intitulado Floresta? 

Marcus Martins – Floresta

Na pantera de Rilke a imagem se instila (instilar é verter gota a gota) para morrer no coração. Mas  Rilke reage ao escrever um poema, acompanha a agonia da pantera, tenta apreender este girar em círculos para nos acordar, (cordi) (coração) e nos indicar que para pular para fora da jaula é preciso (coragem) (cordi), coragem de se aproximar deste ponto cego em torno do qual giramos incessantemente. Para isto preciso imaginar um fora da jaula, atravessar as grades.. Coragem de produzir atos que acionem outros posições possíveis no mundo, utopias, infinitivos de imagens por vir, imagens que recuperem a potência de colocar uma agulha no trilho ou uma musica no coração, como  nesta outra pantera, Thelonius Monk  que gira como um pião que  voa.

[1 Texto parcialmente reescritoapresentado na Jornada da APPOA Resistências e Subversões – o sujeito em questão em 7 de outubro de 2017.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACHELARD, G. A terra e os devaneios do repouso – ensaio sobre as imagens da intimidade, Martins Fontes, São Paulo, 2003.

BENJAMIN, W. Obras Escolhidas, Vol. 1, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985

BLOCH, E. O principio esperança, editora da UERJ, Rio de Janeiro, 2005.

LACAN, J. Escritos, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998.

LACAN, J. La Relation d’objet et les structures freudiennes, seminaire 1956-1957,Document interne à l’Association Freudienne, Paris.

LACAN, J.. D’un Autre à l’autre, 1968-1969,  Document interne à l’Association Freudienne, Paris.

MORUS, T. A utopia, L&PM, Porto Alegre, 2000.

RILKE, R. M. Coisas e Anjos de Rilke, Editora Perspectiva, São Paulo, 2007, tradução de Augusto de Campos

 

 

Redação

4 Comentários

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  1. Poesia e cores
    Sugiro que, em HOME,  as molduras da seção  Multimidia do Dia recebam cores (cores mescladas bem chamativas). Se der custos, e trabalho, não sei, mas também sugiro novamente colorir todo o GGN.Como diz mais de uma postagem (não minha) a poesia também ajuda a refletir, a voar, a desenferrujar nossos pensamentos e pontos-de-vista, a vermos outros ângulos.

    1. Ainnda que o aforismo de Oscar Wilde nos provoque

      “Toda a arte é inútil” – “O verdadeiro artisita ignora o público”

      Se há limitações nas frases soltas, em citações abundantes, há também aquelas, tipo aforismos, que mexem com nossos sentidos, cérebro, emoções. Se mal lido, na pressa do mau uso das tecnologias e do péssimo sistema de ensino e educação, pode-se ler de um jeito ou outro.Voar é este o desejo q imagino em Oscar Wilde em vários aforismos e palestras em que também se questiona o que é arte e o que é enganação mercantil com objetivo de chocar e aparecer nas mídias todas.

  2. “A Poesia Que Nos Desnuda” — Pra Edson e pessoal –

    Pra Edson e pessoal. http://literalmente-literalmente.blogspot.com.br  Joaquim Cesário.

    “A psicanálise nasceu com a descoberta de que as palavras são cheias de silêncio”, escreveu certa vez Rubens Alves. Alma humana muito tem a dizer de si e muito fala sem o uso das palavras faladas ou pensadas. Os poetas também sabem disso, bem antes mesmo que o surgimento da psicanálise. A poesia desvela pronuncias e dizeres que habitam no silêncio. Um poema, um bom poema, não nos revela o desconhecido propriamente dito, mas sim muitas vezes o que jazia esquecido. Entende-se assim os seguintes versos de Jorge Luis Borges: “quando menino, eu temia que o espelho/me mostrasse outro rosto ou um cega/máscara impessoal que ocultaria/algo na certa atroz”. No silêncio moram sonhos, lembranças e imaginações.
    Resultado de imagem para POESIA E PSICANALISE Um poema se constrói com a linguagem da mente. Não há poesia, nem no mais belo amanhecer ou crepúsculo, se não houver uma alma a contemplá-los. Juan Luis Vives, que viveu entre os anos 1493-1540, reconhecia que “nenhum espelho reflete melhor a imagem do homem do que as suas palavras”. Não as palavras que nos escondem no povoar do cotidiano. Porém as palavras que emergem do poço fundo de nossas entranhas. Por detrás do meu eu familiar encobre-se um homem em mim estranho.
    Resultado de imagem para poesia, pintura A poesia tanto nos encanta quanto nos desencova. |dize-me caro(a) leitor(a) o que vês ao ler este poema de Carlos Drummond: “Sonhei que o sonho se forma/ não do que desejaríamos/ ou de quanto silenciamos/ em meio a ervas crescidas,/ mas do que vigia e fulge/ em cada ardente palavra”. Percebes que o poeta está a tentar tornar o indizível em exprimível? Que a poesia é o interior da alma ancorada pelas palavras? E que um poeta é aquele que está a testemunhar o que perdemos de consciente? Fala-nos Florbela Espanca: “só quem embala no peito/dores amargas e secretas/é que em noites de luar/pode entender os poetas”. Com a poesia é que podemos vislumbrar a vida secreta e imaginária da alma humana.
    Resultado de imagem para poesia pintura Alguns podem dizer que poetizar é resultado por processo psíquico da sublimação. Em termos físico-químico a sublimação é a passagem de uma substância em estado sólido diretamente para o estado gasoso. Em termos psicanalítico sublimação representa a gratificação/satisfação de um desejo/pulsão em termos socialmente positivos. A poesia escrita, embora faça uso das palavras, usa da linguagem para manifestar o sensível. A poesia subverte o que diz Adélia Prado (“a palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,/foi inventada para ser calada”). A fala poética, por sua vez, evoca o que existe vivo e pulsante na vida vivida.
    Resultado de imagem para POESIA E arte Se a psicanálise brotou próxima dos sonhos, a poesia ela mesma é um acordar para dentro. “Sem Poesia não há Humanidades. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma”, afirma Teixeira de Pascoaes. Freud já dizia que os poetas são os mestres do conhecimento da alma.  O médico e também escritor português Fernando Namora afirma: “a minha poesia é assim como uma/vida que vagueia/pelo mundo, por todos os caminhos/do mundo,/desencontrados como os ponteiros de um relógio velho”. Já Adélia Prado inicia um poema dizendo: “a mim que desde a infância venho vindo,/como se o meu destino/fosse o exato destino de uma estrela”. Assim, não é difícil enxergarmos uma articulação possível entre psicologia e poesia. Um poeta é antes, e acima de tudo, uma criança brincando com o mundo e as profundezas de si mesmo.
    Resultado de imagem para poesia
    O dizer poético pode muitas vezes ser tão esfíngico quanto a alma humana, pois é dela que brota o bom poema. Tanto a Psicanálise, como proposta por Freud, quanto a poesia brotam da mesma fonte: as palavras e sua força. Como declama Florbela Espanca. “só quem embala no peito/dores amargas e secretas/é que em noites de luar/pode entender os poetas”.
    Joaquim Cesário de Mello  

     

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