Insatisfação não é o mesmo que apoiar o impeachment, diz Renato Meirelles

 
Jornal GGN – Para Renato Meirelles, presidente do Data Popular, é um erro confundir quem está insatisfeito com o Governo com apoio ao impeachment da presidente da Dilma, e que o brasileiro percebe que “a decisão do futuro do país está na mão de uma briga de torcida”.
 
Em entrevista para o El País, Meirelles diz que o Governo não fez muito para explicar a questão da crise econômica e do ajuste fiscal, assim como a oposição não conseguiu se aproveitar de um momento em que 71% da população pedia por mudanças. 
 
Do El Pais
 
“É um erro confundir a insatisfação com Dilma com apoio a sua saída”
 
O presidente do Data Popular diz que o brasileiro percebe que a pressão por impeachment é baseada na guerra de políticos
 
Renato Meirelles aprendeu a enxergar o Brasil pelos olhos dos mais pobres. Sua empresa de pesquisa, o Data Popular, nasceu para ler o comportamento desse grupo, que representa, na verdade, a maioria das famílias brasileiras – 66% vivem com pouco mais de 2000 reais mensais. Essa proximidade o ajudou a antecipar diversos movimentos na economia – como a explosão da classe C a partir de 2004 – e na política – ele previu no início de 2013 que haveria uma pressão popular cada vez mais forte por serviços públicos de qualidade, mote das manifestações de junho daquele ano. Neste momento, ele enxerga o jogo de lideranças nebuloso, com um Governo e uma oposição que não conseguem apresentar perspectivas de futuro.

 
Pergunta. Tivemos uma semana de estresse, com o Congresso desgovernado, e um debate explícito sobre impeachment. Como isso está na cabeça dos brasileiros?
 
Resposta. A decisão do futuro do país está na mão de uma briga de torcida e o brasileiro percebe isso. Não se pode colocar a estabilidade do país abaixo do interesse político. Ainda que as pessoas estejam insatisfeitas com o Governo elas se perguntam qual é o real interesse de um impeachment. É um erro confundir quem está insatisfeito com o Governo com apoio à saída da Dilma.
 
P. Os políticos passaram uma sensação de insegurança, o que fez empresários virem a público pedir bom senso e entendimento.
 
R. Estão todos em busca de um consenso, de entendimento. A fala do Michel Temer – precisamos de alguém que una o Brasil – contribuiu. As demonstrações raivosas, de ira, atiçam os guardiões do bom senso. O nervosismo do Temer ao falar na quarta-feira mostrou que temos de dirigir a classe política. Ninguém enxerga a porta de saída nem na situação nem na oposição, e essa guerra impossibilita o bom senso e prejudica a solução da crise política que paralisa a economia.
 
P. Nesse flerte com o impeachment, em que a oposição apoia em um momento, recua, volta a apoiar. Como é que funciona para o eleitor?
 
R. Primeira coisa para entender. Nas pesquisas, quando você pergunta sobre manifestações. “Você lembra de passeatas que aconteceram nos últimos tempos, que juntou muita gente na rua, não só na sua cidade mas no Brasil inteiro? A grande maioria das pessoas lembra de 2013. Estou falando muito mais a classe C e D. Eles não têm as manifestações deste ano como referência. Estamos há meses sem manifestação, porque se tentou radicalizar para o impeachment naquela conjuntura e aí foi perdendo força. Por que estamos voltando com isso agora? Porque além da Lava Jato ter ganhado novas proporções, do ponto de vista da comunicação com a opinião pública o Governo não fez nada para explicar, por exemplo, o ajuste fiscal e a crise econômica. A última passeata [de abril] teve menos gente do que a penúltima [março] e isso deixou uma sensação de que as coisas estavam resolvidas para o Governo. E não estavam, como não estão resolvidas desde 2013. Pensar no que levou as pessoas a reelegerem este Governo é fundamental pra entender o que a população quer e acredita. E o Governo tinha que ter aprendido. Por outro lado, a oposição tinha que refletir em como ela conseguiu perder uma eleição em que 71% queriam mudança. O que também não é uma coisa trivial…
 
P. A oposição não está conseguindo ganhar o terreno que o Governo está perdendo?
 
R. Se uma pesquisa de intenção de voto mostra, por exemplo, que o senador Aécio Neves estaria na frente se a eleição fosse hoje, é muito mais por ser o nome mais conhecido de oposição. Ele é o ímã dos insatisfeitos. Mas está longe de conquistar o coração e mente de pessoas. Muito mais longe de conquistar as pessoas que estão órfãos do presidente Lula.
 
P. Temos muitos órfãos?
 
R. Temos mais órfãos do que oposicionistas.
 
P. Órfãos do Lula?
 
R. Órfãos de uma liderança que defenda o estado de igualdade de oportunidades.
 
P. A raiva contra Dilma é somente pela economia?
 
R. Se a gente for olhar alguns dos grandes indicadores econômicos como desemprego, como reservas internacionais. Ou a escolaridade média do trabalhador. Na prática nós temos indicadores melhores hoje do que tínhamos antes, em 2008, por exemplo, ano de outra grande crise. O que diferencia os dois momentos? É não saber para onde estamos indo. O Brasil tem uma crise econômica? Evidente que tem. É só sair na rua. O Brasil tem uma crise moral e ética? Claro que tem. São as maiores do Brasil? Não. A maior crise do Brasil é a de falta de perspectiva. O brasileiro não sabe para onde vai e não consegue enxergar nem na situação nem na oposição, uma luz no fim do túnel. Isso que vai fazer diferença em todo o resto. No limite, o Lula chamava para conversar, como em 2008 “Ah meu amigo. Estão dizendo  pra você guardar o seu dinheiro e não gastar. Se você não gastar, o seu primo que trabalha na fábrica Brastemp vai ficar desempregado…”
 
P. A lição popular de economia…
 
R. O governo tinha um reason why forte para essa condição de futuro. Só que ele está desde o segundo turno sem falar ou fazer algo que caminhe nesse sentido, enquanto o povo está fazendo seu ‘ajuste fiscal’ doméstico: rodízio de contas pra pagar, bico extra, cortando despesas… Não se explicou o que era o ajuste fiscal. E um monte de medidas que efetivamente poderiam ser muito positivas, não foram vistas por dessa forma por causa disso. Por exemplo, fraude no seguro desemprego. O seguro desemprego precisava mudar não por causa do ajuste fiscal. Por causa das fraudes!
 
P. O fato da Dilma não ter pedido desculpas, dizendo “erramos ao estender uma fórmula de economia”, pesa?
 
R. Temos que entender o que é a tradição cristã do Brasil. Os cristãos valorizam quem reconhece o erro. O Brasil valoriza quem joga limpo e pede ajuda. Seria muito bom que a Dilma conseguisse falar para a sociedade que reconhece o que as pessoas estão passando. Isso seria bom pra ela, e seria bom para o país. Do mesmo jeito que a oposição tinha de dizer claramente qual a proposta dela para sair deste momento.
 
P. O que é pior para a população da base da pirâmide: Lava Jato ou é a inflação que comeu o salário dele?
 
R. A gente tem pesquisado muito esse assunto no Data Popular. E basicamente vemos que a corrupção acaba sendo vista como a grande responsável pelo aumento de preços, por exemplo… por que a gasolina aumentou? Na cabeça do povo a gasolina aumentou porque tinha roubo na Petrobras e nós estamos pagando esse roubo com o aumento da gasolina.
 
P. Embora não seja exatamente essa lógica, não é de todo errado, se falarmos da gestão da empresa…
 
R. O meu negócio é percepção da opinião pública. A corrupção acabou sendo a grande vilã de tudo. Mas vamos pegar o histórico. Em 2013, passeatas, porque a régua de qualidade, de exigência dos que recebiam serviço público, tinha mudado. Eles haviam saído de 2010 com uma perspectiva de melhora de vida gigantesca, e a ela não estava mais melhorando. E os governos, de todos os níveis, não perceberam essa mudança. Mas o brasileiro pensava: “Eu estou fazendo a minha parte e o governo não está fazendo a dele”. Depois veio a Copa. E na sequência, o processo eleitoral mais pesado, e a percepção que a crise começou a crescer. A gente começou o processo eleitoral com 71% dos eleitores querendo mudança. O que aconteceu depois? Eu desafio qualquer brasileiro a me dizer cinco medidas positivas que o governo fez depois do segundo turno.
 
P. A base da pirâmide faz panelaço?
 
R. Faz. Primeiro entenda a eleição. Por primeira vez em muitos anos a classe C rachou. Os jovens da classe C estão indo para a oposição. E os mais velhos vão mais para a situação. O panelaço é a demonstração de insatisfação. Ele aconteceu muito mais em áreas ricas do que pobres? Sim. Isso significa que não acontece na periferia? Não é verdade. Agora, panelaço é a representação física da intolerância. Porque significa que você não quer ouvir, você só quer brigar.
 
P. Uma proposta de impeachment vai adiante?
 
R. Impeachment é um processo legal, logo, não é golpe. Mas é político. Portanto, sujeito a influências políticas, perspectivas de poder, e arranjos internos. Sujeito a negociações como moeda de troca por alguém estar sendo investigado pela Procuradoria. Podemos não ter abertura de processo de impeachment por uma questão legal, ou como abraço dos afogados do presidente da Câmara. Nesse jogo político tudo cabe. Achar que a população que diz defender impeachment não pode ser influenciada com o debate é um erro.
 
P. Em outras palavras, a batalha do impeachment está longe de ser ganha?
 
R. Completamente longe. Nem para um lado e nem para o outro. É a raiz da crise de perspectiva. Quando a gente coloca a seguinte questão em pesquisas – Quando eu falo futuro, qual é a palavra que aparece? As pessoas ficam em silêncio.
 
P. Quando você fazia essa mesma pergunta alguns anos atrás, quais eram as respostas?
 
R. Sempre era: ver meu filho se formar, ser dono do meu negócio, eu me formar. Conseguir viajar para o exterior, ter minha casa. Hoje há silêncio. E depois de um tempo respondem: incerteza, escuridão. Porque não tem perspectiva. O impeachment do Collor havia perspectiva. Não era só revolta. Este não tem. E a oposição não conseguiu formar quadros com a visão de ser um estadista. Um líder de verdade capaz de oferecer perspectiva de futuro. O maior erro da oposição é o que fortalece o Lula. Ele fica como a única opção efetiva. Agora, não é o Lula que xinga imprensa. Mas o que olhar pra frente, responsável pelas maiores mudanças do pais.
 
P. Um encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff seria revolucionário nos dias de hoje?
 
R. Os dois ganhariam, sem medo de errar. O brasileiro não suporta mais político que age como candidato, estão buscando estadistas. Quem ocupar esse papel ganha o eleitorado.
 
P. Como São Francisco de Assis, “onde houver ódio que eu leve o amor”, e “ onde houver dúvidas que eu leve a fé”?
 
R. É basicamente um discurso de identidade. Por que o papa Francisco tem essa popularidade? Os políticos deveriam se inspirar na postura dele, de redução de desigualdade e defesa dos mais pobres. É o que o Brasil quer.
 
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Redação

1 Comentário

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  1. A manchete diz o óbvio.
    Mas a

    A manchete diz o óbvio.

    Mas a turma do Fla-Flu de sempre, que é acomodada com a vitória de 2001, tenta desvirtuar o pessoal que não aderiu a um dos times: PT-PSDB. 

    Baixa aquele moralismo político raso (que não existe quando praticam a realpolitik sem remorso) dizendo: não é hora de crítica, a esquerda tá em perigo.

    Aí vem a calmaria: não é hora de crítica, a esquerda tá no poder e os “fascistas” podem subir.

    A melhor hora de crítica é agora. Apertada, a Dilma vai ter que mudar de atitude junto com o PT. Se sobrevier no cargo depois dessa tormenta, vai continuar com as atitudes que foram cravadas agora. Apertada pela direita, já está à direita, com arrocho e ministro diretor de banco. Que a esquerda comece a pressionar em massa, antes que ela mande embora mais direitos trabalhistas e garantias fundamentais.

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