Lembremos 1961, por Roberto Amaral

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Foto: Reprodução
 
Do site de Roberto Amaral
 
LEMBREMOS 1961
 
Por Roberto Amaral
 
A reflexão, a crítica e a autocrítica (lamentavelmente em desuso) podem oferecer ao sujeito do processo histórico condições objetivas de intervenção segura.
 
Por isso mesmo talvez seja este o momento de nos perguntarmos o que as forças progressistas e de esquerda aprenderam com o estudo da História e, de particular, com sua história específica e recente, inventariando acertos e sopesando os erros.
 
Optando pela via democrática de conquista do poder, conquistamos o governo, mas confundimos coligação partidária-parlamentar, a composição necessária com o outro, diverso e divergente, com aliança final de propósitos.
 
Daí foi só um salto para cair na ilusão do fim da luta de classes.
 
A esquerda apostou na quimera com a qual a direita, todavia, jamais se comprometeu.

 
O processo democrático tout court, compreendendo a realização de eleições e o respeito ao seu resultado, jamais foi um compromisso da direita brasileira, que, derrotada pelo voto popular, opta, como regra, para chegar ao poder ou apear a esquerda, pelo caminho mais curto, o da ruptura das regras do jogo, isto é, o golpe de Estado em suas variadas formas, inclusive a militar.
 
Em outras palavras: a conquista ou conservação do poder é, para a classe dominante e seus representantes, o grande fim, sem limites éticos para a escolha dos meios, porque o fim último, a conquista do poder, tudo pretende justificar.
 
Esta é a marca mais distintiva da política brasileira da última metade do século passado, que lamentavelmente ameaça projetar-se no Terceiro Milênio, frustrando a consolidação de um primeiro projeto de democracia de massas, insinuado pela ascensão de significativos setores populares à vida política e ao mercado de consumo.
 
Não é respeitável o currículo das forças liberais e conservadoras, as quais jamais admitiram a conciliação de classes (a coabitação no mando político) – a ingênua aspiração do varguismo dos anos 50, reiterada pelo lulismo. Em ambos os casos com os resultados conhecidos.
 
Em 1954, respondendo à sua derrota para Getúlio Vargas nas eleições de 1950, a direita civil-militar logrou a tomada do Palácio do Catete com o golpe de 24 de agosto e a consequente e imediata posse de Café Filho, substituindo no posto o presidente suicida.
 
Impossibilitada de evitar as eleições presidenciais de 1955, pretendeu impedir a candidatura de Juscelino Kubitscheck, que ameaçava varrer do Catete seus novos ocupantes; consolidada essa candidatura, tentou impedir sua eleição; consagrada esta, a última cartada seria impedir sua posse, seja com a tese inconstitucional da exigência de maioria absoluta, seja pelo golpe militar pura e simplesmente.
 
Solução frustrada com a reação do Ministro da Guerra, general Teixeira Lott, no famoso e já histórico ‘11 de novembro’.
 
A primeira possibilidade de conquista do poder, pela via eleitoral, pela direita, surgiu em 1960, quando saltou no colo do populismo irresponsável de Jânio Quadros, com quem, todavia, no governo, logo se desentenderia.
 
O pomo da discórdia foi a política externa independente. Com o fracasso da tentativa de golpe de Jânio Quadros, de que decorreu sua renúncia cair no vazio, viu a reação civil-militar configurar-se, com a iminente posse de João Goulart, vice-presidente e sucessor constitucional, a insuportável ameaça de retomada do poder pelas forças populares. Jango era tido como o sucessor de Vargas.
 
Derrotada nas ruas a intentona militar de 1961 pela resistência comandada por Leonel Brizola, sobraram-lhe, porém, forças para impor a um Congresso de joelhos a reforma parlamentarista que, em duas noites, mudou o regime brasileiro e ceifou poderes do presidente, condição para a posse de Jango.
 
Quando foi dado ao povo, outra vez, a oportunidade de manifestar-se, desta feita em plebiscito (1963), o golpe do parlamentarismo foi desfeito e restabelecido o regime presidencialista de governo.
 
Mas a direita não se deu por vencida e engendrou o golpe militar de 1964, assimilado pelo Congresso, de novo de cócoras, e por um Supremo Tribunal Federal associado.
 
No seu discurso de posse, o Marechal Castello Branco, eleito pelo Congresso, anunciou a manutenção das eleições presidenciais de 1965, para as quais, porém, despontava, incômodo, de novo ele, o ex-presidente Juscelino Kubitscheck.
 
Resultado: ficamos sem eleições diretas até 1989, para surpresa dos que então supunham que tudo não passaria de ‘uma quartelada’!
 
Em 2014, a derrota para Dilma Rousseff se afigurou como insuportável, e a direita valeu-se de todos os meios para anulá-la, objetivo alcançado, por fim, com o impeachment, e a posse do vice-presidente perjuro.
 
O projeto dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto, é, finalmente, destruir a ‘era Vargas’, sonho herdado de FHC e do tucanato, experimento que começa a materializar com a desmontagem das bases da legislação trabalhista.
 
Armam-se para estender, quanto possível, a estada no poder.
 
A direita, porém, vê crescer nas ruas a candidatura de Lula, a cuja força eleitoral não consegue antepor outro nome em condições de disputa. Se é preciso, pois, que haja eleições, é preciso que Lula não seja candidato; se candidato, que não seja eleito; se eleito, que não tome posse; se tomar posse, que seja defenestrado, como foram Getúlio, Jango e Dilma.
 
A sabotagem ao processo democrático se opera por partes.
 
É preciso, primeiro, preparar o terreno político. E os grandes jornais já começam a falar das inquietações do imperador mercado em face das eleições, quaisquer, pois elas ‘ameaçam a recuperação fiscal’. 
 
No Valor, na sexta 21, respeitado porta-voz do sistema, Armínio Fraga, eventual ministro no eventual governo de Rodrigo Maia, declara: “O que mais atrapalha a recuperação (econômica) neste momento provavelmente ainda é [o pleito de] 2018”.
 
No dia seguinte, o jornal estampa mensagem ainda mais explícita: “Eleições podem impor retrocesso às reformas”. É o título-resumo do artigo de  ngela Bittencourt, que traz à lide um investidor “que não quis identificar-se”, e esse fantasma sussurra: “A eleição presidencial de 2018 poderá minar o esforço empreendido até agora para aprovar reformas estruturais com o objetivo de promover uma recuperação econômica, capaz de minimizar os efeitos inquestionáveis da Operação Lava Jato sobre a atividade”.
 
Mas é preciso pensar, também, na inevitabilidade de eleições, e pensando assim, ainda segundo a colunista, o ‘entrevistado’, lamenta que Henrique Meirelles – seu candidato in pectoris – não tenha viabilidade eleitoral. Em tal hipótese, diz, o candidato deve sair do PSDB.
 
São, ou seriam, palavras do anônimo: “O PSDB é um atestado de qualidade de politica econômica. Qualquer candidato seria recebido dessa forma”, e, aproveitando o diapasão, logo indica Geraldo Alckmin e Doria Jr.
 
Esses nomes, mais o de ACM Neto, são os festejados por Alfredo Setúbal, presidente da Itaúsa, a holding do grupo Setúbal-Moreira Salles. Descrente da alternativa Maia, o banqueiro dita ao Estadão: “O cenário ideal seria de continuidade para evitar uma nova crise. E preciso dar continuidade às reformas, como a da Previdência”.
 
Em síntese é isso: o leitmotiv do grande capital são as tais ‘reformas’. O resto que se lixe. 
 
Se de todo for impossível evitar essas eleições, ou se elas não puderem se desenvolver sob segurança, se não for possível deter Lula (o Estadão de 15.7.17 já anuncia: ‘Supremo deve manter condenação de Lula’) ou afastar de vez a ameaça de qualquer candidato à esquerda, a alternativa já está costurada: é o parlamentarismo, que, entre nós, não é um regime de governo mas instrumento de golpe de Estado que visa a afastar o povo das eleições.
 
O senador José Serra abandona seu silêncio e levanta a tese golpista com roupagem constitucional, e o presidente do Senado de imediato anuncia a criação de uma Comissão Especial para examinar a proposta, indicando para relatá-la o senador paulista em retirada da vida pública.
 
O  Globo, na terça 25, traz sua contribuição na coluna de Merval Pereira que descobriu mais um ‘cientista politico’, para quem, diz o jornalista, “aqueles que desde 1985 (…) têm militado pela substituição do atual presidencialismo puro pelo parlamentarismo puro ou pelo semipresidencialismo, do tipo francês ou português, as condições políticas encontram-se cada vez mais maduras para que o desejo se transforme em realidade”. A hora é esta. 
 
A alternativa parlamentarista é o ‘plano B’ de que dispõe a direita para, realizando-se as eleições, assegurar-se de que, qualquer que seja o resultado, o poder permanecerá em suas mãos, nas mãos de um Congresso corrupto, sem representação e sem legitimidade, apropriado pelo poder econômico, como assinala, com conhecimento de causa e insuspeição, o ex-ministro Delfim Netto (Carta Capital, 19/07/2017): “Todo o nosso sistema eleitoral foi montado para permitir a apropriação do poder político pelo poder econômico”.
 
O leitor poderá julgar que, na vigência da atual Constituição, o parlamentarismo é inviável, pois foi vencido no plebiscito de 1993, tornando o presidencialismo cláusula pétrea em nossa Carta Magna.
 
Ora, objeta o velho articulista: não se esqueça de 1961. Como lembramos acima, nosso Congresso, rasgando Constituição, Regimento Interno e atropelando normas parlamentares, derrogou o presidencialismo da Carta de 1946 e impôs um parlamentarismo de ocasião, em apenas duas noites.
 
O Parlamento que aí está já demonstrou, reiteradas vezes, desconhecer limites e pudores.
 
Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
 
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Redação

6 Comentários

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  1. O Articulista passa por fora
    O Articulista passa por fora de um assunto muito importante, a eleição do congresso de 1962 formada, como em 2014, com a presença forte do capital, naquela ocasião do IBAD.

  2. O problema é que ficam

    O problema é que ficam esperando que o Lula desarme, lance na ponta, drible, cruze e cabeceie.

    O fato é que a bancada “de esquerda” é composta de juniores no meio de profissionais. Qualquer um que acompanhe uma sessão qualquer na Camara, no Senado ou na Mídia percebe (não é de hoje nem de ontem): o jogo começa a esquentar e eles pipocam logo.

    Gostam é de fazer pose de “cavalheiros”.

  3. Parlamentarismo: o pai de todos os GOLPES

    Atualizado 21/7: Globo vs. Temer: o exemplo mais ilustrativo da tragédia brasileira

    Por Romulus

    A Globo nunca ficou do lado perdedor…

    Assim, em constatando a derrota final dos Procuradores, não hesitará 2 segundos antes de jogar o PGR Rodrigo Janot e o MPF ao mar…

    À Globo, no curto prazo, basta que siga a Lava a Jato de ~Curitiba~…

    (que visa exclusivamente a Lula e ao PT!)

    É verdade que o “passo maior que as pernas” – a guerra total contra ~toda~ a classe política tocada pela Lava a Jato de ~Brasília~ – animou a Globo (e a Finança) num primeiro momento…

    Afinal, a implantação da “Noocracia (escamoteada!)/ “‘Democracia’ à iraniana” no Brasil – seu projeto de longo prazo – estava a apenas um passo…

    Mas aí…

    Chegou o Ortega y Gasset e estragou a “festa”:

     

    “Entre o ser e o crer que já se é…

    … vai a distância entre o sublime e o ridículo”

     

    – Certo, Globo/ MPF/ Janot??

     

    LEIA MAIS »

    *

    Trecho:

    II.4. O Parlamentarismo ~do~ Gilmar Mendes

     

    Alerto para o PAI DE TODOS OS GOLPES – O DO PARLAMENTARISMO “À BRASILEIRA” – há mais de um ano:

     

     

    Defensores do parlamentarismo querem dar golpe para governar sem votos, diz historiador Luiz Felipe de Alencastro https://t.co/ys55Vb4WA8

    — Bernardo MelloFranco (@BernardoMF) July 19, 2017

     

    (1) Mas não me diga??

    To falando isso há mais de 1 ano.

    Dede q o Barroso/STF veio com esse papo. https://t.co/mGx4je9tZg

    — rommulus_ (@rommulus_) July 19, 2017

     

    (2) Olha aí – MAIO de 2016: https://t.co/txdkxzEx4s

    — rommulus_ (@rommulus_) July 19, 2017

     

    Artigo novo

    “Paradoxo no(s) golpe(s) brasileiro(s): tempos esquisitíssimos e normalíssimos?”https://t.co/NAZy9W3yke pic.twitter.com/czbhGIfpNJ

    — rommulus_ (@rommulus_) May 17, 2016

     

     

     

     

    Voltando ao nosso glossário da “brasilidade na política”, tem aí, evidentemente, o velho “GOLPISMO”…

     

    Mas…

     

    Em versão T-1000:

     

    ../../Desktop/T1000%201.gif

     

    ../../Desktop/T1000%202.gif

     

    ../../Desktop/t1000%203.gif

     

    ../../Desktop/T1000%204.gif

     

     

     

    <<O EXTERMINADOR…

    DA DEMOCRACIA!>>

     

     

    Aliás…

     

    Além de ser o “Pai de Todos os Golpes”…

     

    É também o…

     

    – Pai de todos os “JEITÕES”!

     

    *

     

    Certo??

     

     

  4. A História se repete, mas não com o mesmo significado

    A História se repete, sim, mas não com o mesmo significado. Primeiro a tragédia, depois a farsa. O momento político atual não é igual ao de 1961. Naquele tempo vivia-se o auge da guerra fria, a revolução cubana estava logo ali, e a possibilidade de uma revolução violenta e guerra civil por aqui não era uma fantasia, era uma possibilidade real e temida pela população. A única semelhança efetiva entre esses dois momentos é a presença de oportunistas desejosos de tomar o poder, JK foi vítima deles e também um deles, posto que apoiou o golpe achando que seria eleito em 1965. A diferença crucial era que naquele tempo as forças armadas estavam com a ficha limpa, nunca tinham governado antes o país e muitos achavam que o governo militar livraria o país da corrupção e da irresponsabilidade dos políticos, levando-o ao desenvolvimento e à paz social.

    A ojeriza que a direita tem hoje por Lula não pode ser comparada à ojeriza que a direita tinha em 1961 por Jango. Basta lembrar a vasta composição da base aliada dos governos petistas, integrada inclusive por Temer. No contexto de 1961 seria absurdo pensar em arranjo similar. A direita brasileira atual sequer é uma direita militante como a que havia em 1961, onde pontificavam líderes intelectualmente brilhantes como Carlos Lacerda, o que se define por direita hoje é apenas o que não é esquerda. Lula já foi há muito metabolizado pelo organismo político brasileiro, o que esse organismo não consegue digerir é o PT, o único partido rigidamente organizado e disciplinado em um país onde os políticos trocam de partido como quem troca de roupa. Houve um genuíno temor de que a máquina petista os enquadrasse tal como enquadra seus próprios integrantes, e quando viram a enormidade de dinheiro desviada para a caixa do PT, fortalecendo-o, aí eles se voltaram contra a corrupção…

    Lula pode até ser eleito em 2018, mas é tolice achar que um novo governo seu realizará todos os projetos revolucionários sonhados pela esquerda desde os anos 30. Se Jango não era Vargas, Lula não é Jango nem Vargas, Lula é Lula mesmo. Ele pode até fazer um bom governo, mas não poderá descartar as forças políticas conservadoras do país. Se em 2003, com uma base muito maior, ele não pôde descartá-las, muito menos agora, que sua base é bem menor.

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