Lula, o arquétipo das esquerdas no Brasil, e a escolha do PSOL, por Roberto Bitencourt da Silva

Foto: Ricardo Stuckert

Por Roberto Bitencourt da Silva

A tragédia do Brasil e, particularmente, das esquerdas do País condensa-se no ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Líder de um movimento operário nascido nas multinacionais instaladas em São Paulo, Lula foi aposta da ditadura, do grande empresariado e dos veículos maiores de comunicação para colocar para escanteio as tradições pré-1964 comunistas, trabalhistas e nacionalistas (aí tomando como critério especial a posição frente o capital estrangeiro).

Em geral, Lula tem sido coerente em sua trajetória política, a despeito das estridentes críticas e rupturas de adeptos descontentes, mas que são incapazes de transcendê-lo e oferecer alternativas à sua perspectiva e prática política.

Tornou-se um mito político e as forças reacionárias e entreguistas contribuem para isso. Nesse Brasil que deixa de ter domínio mínimo sobre os recursos de decisão em torno do seu próprio destino, inviabilizando laivos do tão decantado desenvolvimentismo, um País que se desindustrializa e desnacionaliza aceleradamente, não sem a contribuição de seus governos e de Dilma, Lula não tem mais lugar, nem vez.

Ontem, como hoje, o desenvolvimentismo – criminalizado, assim como o ex-presidente – norteia a práxis e a visão política e econômica de Lula. Aprendeu com a ditadura civil-militar instaurada em 1964. O czar da Economia na ditadura, Delfim Netto, não gratuitamente, foi um dos conselheiros da República na era Lula. Um desenvolvimentismo, mal comparando, mais convergente com o juscelinismo, em função estritamente da institucionalidade nos moldes da democracia representativa.

Lula, infelizmente, arrisca a ser preso, dimensionando mais ainda a mitologia, devido ao olhar estratégico, mas não necessariamente inteligente, das oligarquias e burguesias domésticas e transnacionais, que precisam fechar o círculo do entreguismo e reacionarismo deslavados. Colônia pura e aberta das potências capitalistas, Essa é a “ponte para o futuro” em realização.

Lula há muito virou arquétipo político das nossas esquerdas e assim persistirá por muito e muito tempo como referência maior. O obreirismo, desde a ascensão política do ex-sindicalista do ABC paulista, ganhou corações e mentes nas esquerdas.

Isto é, uma concepção intelectual que essencializa os sujeitos políticos por meio da sua inserção de classe ou demais posições sociais. Uma inspiração tanto distorcida da escrita de Marx e que hoje tem sido dilatada e convertida no chamado identitarismo. O sujeito representativo e autoexplicativo que encarna projetos em função do perfil de sua inserção na estratificação social ou demais “lugares de fala”.

Em todo caso, um obreirismo/identitarismo que se revela sem visão de País, concebendo um Brasil “rico, mas injusto”, e não como o País é – dependente e subalterno na divisão internacional do trabalho, isto é, 3o mundo. Uma visão que nem sequer arranha as estruturas de poder e a nossa dependência, os nossos terríveis condicionamentos externos.

Essa forma de compreensão e expressão da política, alçada ao primeiro plano por Lula e pelo PT, há muito, ganhou e ao menos durante bastante tempo prevalecerá entre as cada vez mais mal designadas esquerdas. Para muito além de Lula e do PT.

Nesse sentido, a escolha de Guilherme Boulos pelo PSOL, como candidato presidencial, à revelia de qualquer programa para a Nação e de prévias e debates no partido, escanteando, por exemplo, o professor Nildo Ouriques – um verdadeiro projeto de Brasil personificado -, é fenômeno revelador. E persistente. Simbolo de já remota tragédia tupiniquim.

As esquerdas brasileiras se veem refém da mesma prática e da mesma cosmovisão há quase quarenta anos. Uma tragédia brasileira sem horizonte perceptível de superação. O curtoprazismo do afã eleitoral, que tem, precisamente, colocado o Povo Brasileiro na lastimável e apassivada condição em que se encontra.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político. 

Redação

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O arquétipo de uma esquerda versus o ideal de um sonhador
    Os teóricos que me perdoem, mas foi nos governos petistas que o Brasil alcançou alguma relevância mundial. Primeiro com as políticas de inserção da população na divisão da riqueza produzida, segundo com a expansão da diplomacia política e comercial, estas últimas atraindo o descontentamento dos “senhores do universo”. Façamos uma breve pesquisa, em qual momento o Brasil foi tão influente no mundo? No período de pouco mais de uma década o país deu enormes saltos na integração da América do Sul, fortaleceu sua presença na África, posicionou-se assertivamente no oriente médio, ajudou a construir a formação dos BRICs, aumentou seu cacife no FMI, elegeu o diretor da OMC, etc. Na esteira desse crescimento de influência, buscou fortalecer suas forças armadas, com projetos inovadores e de alta tecnologia, lançou o satélite geoestacionário, entre outras medidas de cunho estratégico. Ora, todos (ou a maioria), queremos um mundo ideal. O difícil é colocar em prática nossos projetos sem que haja consenso entre as forças políticas, econômicas, empresariais, judiciais e militares. Acredito que com todas as contradições e oposições, o PT fez muito mais para o Brasil alcançar um patamar de país respeitável e respeitado do que havia sido feito em toda sua existência pretérita. Ha, tão fácil criticar…

  2. O primeiro e único
    Nosso país não teria alternativa? Estamos mais uma vez na história da República numa perigosa encruzilhada?
    Vamos trazer o petista de volta ao poder. Afinal de contas já temos o culpado caso haja frustação d..e nossas expectativas.

  3.  
    Nem tanto a Leste nem tanto

     

    Nem tanto a Leste nem tanto ao Oeste. Só sei dizer que, o Besouro, até por desconhecer princípios da aerodinâmica quando quer, resolve bater aceleradamente suas frágeis azinhas e…levanta seu bojudo e pesado corpanzil e sai voando, para estupefação de alguns técnicos em aerodinâmica, mais nervosos, digamos assim.

    Ou seja, o povo vem de muito longe, gostava de dizer o grande Brizola. E, carrega uma certa sabedoria acomulada. Via de regra, o povo de um modo geral, costuma ser tratado com  impertinência e com um indevido menosprezo. Em especial, pela elite econômica, e por seus terceirizados e serviçais.

    Pois, ao que observo, o Besouro, assim como o povo, dão verdadeiras lições de sabedoria ao mostrar a esses sábios que, mesmo quando não se tem um cachorro se pode caçar, ao jeito de, como faz o gato.

    Orlando

  4. curtoprazismo do afã eleitoral

    Tem certos artigos que vejo postados, não só aqui, que me causa enjoo.

    Esse cara ai se arvora a criticar Lula e faz uma afirmação imbecil, da qual vou citar apenas um trecho, (…) Lula foi aposta da ditadura (…), e agora lhe devolvo algumas afirmações e perguntas.

    Quer dizer então que Lula foi criação e instrumento da ditadura?

    Pelo que você afirma, a pulverização do centro nacional dos metalúrgicos do ABCD, não deveria ocorrer.

    No ABCD se concentrava as três grandes montadoras de automóveis do país, Ford, GM e VW. A Fiat se instalou em Betim nos anos 70. Nessa região tínhamos também outras empresas automobilísticas como a Mercedes, Scania/Volvo e centenas de empresas do setor de auto peças.

    Se a ditadura civil militar foi a “inventora” de Lula, porque ocorreu a pulverização das montadoras para outras regiões e principalmente para fora do estado?

    Não era para quebrar as pernas dos movimentos sindicalistas do ABCD que se tornaram emblemáticas?

    Lula nunca foi de obedecer receituários vomitados pelos “intelectuaís” de esquerda. Ele sempre foi um animal que seguiu seus instintos e o tempo provou que ele não estava errado.

    O seu prestígio e sua aura de mito foi construído pela sua própria visão de mundo ( cosmovisão?) e pela sua intuição.

    Desde o seu surgimento, quem entendeu Lula?

    Se a esquerda, e você Roberto, faz parte das esquerdas, não entendeu Lula, a direita, muito menos.

    Pois se assim não fosse, não teriam cometido o vacilo de deixá-lo se eleger em 2002.

    Só vieram se dar conta do equívoco, ainda na segunda metade do seu primeiro governo, com a inveção do mensalão. Aí já era tarde.

    É maçante dizer, mas vou repetir a repugnante perseguição, agora sim, sem pudor, sobre o PT e Lula.

    Lula/Dilma governaram mesmo sob intenso tiroteio por treze anos.

    Isso é pouco para o Lula?

    Ou você acha que Lula deveria ensinar os “letrados” do partido ou das esquerdas não militantes, tal como você, o que deveria ser feito para que o PT se tornasse um partido orgânico.

    Vocês queriam e ainda querem que Lula bata escanteio, cabeceie e ainda que ele defenda?

    Lula fez e vem fazendo a sua parte, e muito bem.

    O que seria o PT e o resto das esquerdas sem Lula?

    Você coloca a culpa no Lula pelo fracasso das esquerdas.

    E o que vocês intelectuais estão fazendo?

    Usando o Lula como fenômeno político dos últimos cem anos, para justificar suas carreiras acadêmicas?

    Vocês não se acham subutilizados?

    Precisou do surgimento do Lula para malhá-lo?

    Justificar as suas produções acadêmicas dentro das universidades?

    O que de novo, original, vocês apresentam para a nação?

    Lula perdeu três eleições e vem você falar em “curtoprazismo do afã eleitoral”.

    Fala sério!

    Por que você e as esquerdas não se mexeram?

    Vocês aplicaram a lei do mínimo esforço?

    Para depois arrumar desculpas e malhar o Lula?

    Você não se enxergam?

     

  5. voto!!

    Tem a esquerda teorica e pura, sem voto…

    Tem a esquerda de Lula, com voto… Tira Lula, só há esquerda teórica sem voto. Simples assim…

    Então o cenário, sem Lula, é de outsider vencer a eleição, provavelmente de direita!!! Os teóricos de esquerda imaginam assim que o Brasil estaria em condições de um revolução do proletariado. Infelizmente esses teoricos não conhecem a população brasileira e muito menos aceitam o que Jesse Souza descobriu. 

     

  6. Lula, o arquétipo das esquerdas no Brasil, e a escolha do PSOL

    Brasil em Transe: candidatura bipolar

    Boulos começa com o “pé direito” sua carreira política: caindo de paraquedas no PSOL, ungido por Lula e através de um Colégio Eleitoral, sem ser amplamente referendado pelas bases através de um processo de prévias.

    tem tudo certo para dar errado.

    o vídeo de 03/03/2018 com mensagem de Lula saudando a pré candidatura Boulos, já surge como um importante documento da História de um Brasil perdido, sem a menor noção de como retomar seu rumo e incapaz de aprender com seus próprios erros.

    para contextualizar adequadamente, suponha-se FHC gravando mensagem de apoio a uma candidatura alternativa à Lula pelo PT. Haddad, por exemplo.

    teria sido altamente elogiável, caso Lula tivesse tomado a mesma prudência que sempre adotou em seu trato com a lumpenburguesia brasileira. aguardando eticamente a oficialização de Boulos como candidato pelo PSOL.

    em 06/01/2018, aqui postei: agora é a vez de Boulos fazer sua opção na fatídica encruzilhada de um interregno: ser ou não ser. ou melhor: qual vir a ser?

    parece que tanto Boulos quanto o PSOL já tomaram sua decisão: entre ser e não, oPTaram por não vir a ser. permanecerão paralisados na encruzilhada de uma candidatura bipolar.

    Boulos é a maior liderança popular surgida no Brasil, depois de Lula em 1978. entretanto, ao ocupar o PSOL como teto para sua ambição parlamentar, Boulos lança já em ruínas uma candidatura que poderia vir a ser um importante fator de superação de um sistema político falido.

    por sua vez, Marcelo Freixo, um dos principais operadores de Boulos dentro do PSOL, sai com o alicerce de sua credibilidade política profundamente trincado.

    Freixo anteriormente fizera o diagnóstico correto da crise da Democracia brasileira ser a crise da Esquerda brasileira: uma crise de identidade.

    agora reproduzem exatamente os mesmos vícios que conduziram a esta crise de identidade: o caciquismo das cúpulas burocratizadas, a falta de transparência no debate, a negação da democracia interna, a alienação das bases partidárias do processo decisório.

    tudo isto por conta de eleições que sequer ainda sabemos ao certo se ocorrerão, mas temos absoluta certeza que caso ocorram serão um farsa.

    todo o fato é revelador do esgotamento da forma-partido como instrumento de organização e de luta. estamos no grau zero. tudo terá que ser reinventado num processo de reconstrução.

    entre os inúmeros motivos para se admirar e apoiar Guilherme Boulos, entre eles não estará sua candidatura à Presidência em 2018.

    sua insubstituível contribuição para a reconstrução da Democracia seria continuar inteiramente focado nos movimentos sociais de base.

    .

     

    1. O PSOL é ótimo p/ expulsar seus próprios candidatos

      Se for eleito entao… Claro, eleito tem que ter um mínimo de realismo, negociar, etc, sai do “purismo” absoluto. Nao serve para o PSOL.

  7. Lula, o arquétipo das esquerdas no Brasil, e a escolha do PSOL

    afirmar que “Lula foi aposta da ditadura, do grande empresariado e dos veículos maiores de comunicação para colocar para escanteio as tradições pré-1964 comunistas, trabalhistas e nacionalistas” não está de todo errado, mas enseja mal entendidos.

    foi no interregno aberto a partir de 1977, com o retorno do movimento estudantil, avançando em 1978 com o nascimento de um novo tipo de sindicalismo no Brasil, que  as próprias condições históricas de então criam a maior de todas as lideranças sociais já surgidas em toda a História do Brasil: Lula.

    a Ditadura Civil-Militar sem dúvida operou naquele período para neutralizar o “perigo vermelho” do trabalhismo. e quanto a isto, fortalecer uma nova liderança vinha bem a calhar.

    seja como for, o Trabalhismo já perdera então o chão histórico no qual pudesse dar continuidade a seu rumo político.

    assim como a partir de Junho de 2013 ficou patente que o Lulismo expirara seu prazo de validade. algo imediatamente percebido pelos “espiões secretos” das agências de inteligência do Imperium, mas até hoje ainda não reconhecido pelo próprio Lulismo.

    .

     

  8. “Nesse sentido, a escolha de
    “Nesse sentido, a escolha de Guilherme Boulos pelo PSOL, como candidato presidencial, à revelia de qualquer programa para a Nação e de prévias e debates no partido, escanteando, por exemplo, o professor Nildo Ouriques – um verdadeiro projeto de Brasil personificado -, é fenômeno revelador. E persistente. Simbolo de já remota tragédia tupiniquim.”

    Concordo em uma coisa com o autor. Nildo Ouriques tinha mais a oferecer ao país como candidato do que Boulos que oferece o lulismo ao PSOL mas não mostra nenhuma saída ao país. Por outro lado discordo em outro ponto. O fenômeno Lula tem pouco a ver com seu passado de sindicalista embora as pessoas até hoje tendam a continuar a vê-lo dessa forma, com um viés identitário. O fenômeno Lula se forma no seu primeiro governo, mas especificamente depois da crise o mensalão que o força a tomar as rédeas do governo que estava muito nas mãos de Palocci. Ali é que surge o Lula fenômeno político, capaz de acenar algum ganho ao povo em meio a locupletação das elites. Nesse sentido, ele é perfeitamente reproduzível por qualquer governo de esquerda ou mesmo nacionalista que se dispunha a lutar por um mínimo de dignidade popular. Isso talvez não esteja claro hoje, mas creio que com o passar dos anos e a sucessão de governantes, vai ficar mais claro.

  9. Quem Diria… No Irajá

    Nessa altura do golpe, ficar batendo palmas para ‘extremos patéticos’ dançarem, é mais que perda de tempo, é dispersar e enfraquecer o foco. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador