Lula tem direito a recorrer até o STF, e não apenas no TRF4, diz criminalista

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Senado
 
 
Jornal GGN – João Paulo Martinelli, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, defendeu em artigo no Estadão que o ex-presidente Lula, se condenado em segunda instância, só pode ser passível de execução de pena quando tiver todos os recursos esgotados no Supremo Tribunal Federal, e não no próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
 
“Se a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos forem consideradas, qualquer pena só poderá ser aplicada após o esgotamento de todos os recursos previstos na legislação. Lula e qualquer outra pessoa possuem o direito fundamental à presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão condenatória”, escreveu.
 
Na semana passada, o TRF4 emitiu nota à imprensa explicando como será o julgamento de Lula por causa do caso triplex, marcado para o próximo dia 24. Na nota, a corte afirmou que se a sentença de Sergio Moro for confirmada, Lula terá direito a recorrer dentro do próprio TRF4, com embargos, antes da prisão ser decretada.
 
O criminalista escreveu que Lula tem direitos que não devem ser ignorados, muito menos por opiniões políticas. “Vale lembrar que um cidadão que hoje aplaude atos arbitrário do Estado, amanhã poderá ser sua vítima, ainda que não tenha praticado um ato ilícito.”
 
Por João Paulo Martinelli
 
Lula tem direitos que não podem ser jogados no lixo
 
No Estadão
 
O julgamento de Lula pelo TRF-4 poderá dizer muito mais que a confirmação da condenação do ex-presidente ou sua absolvição. Em caso de confirmação da decisão de primeira instância, proferida pelo juiz Sergio Moro, e esgotados os possíveis recursos para o tribunal, ficará a dúvida se a pena poderá ser aplicada antes do julgamento de recursos pendentes para o STJ e o STF. Trata-se de um dos temas mais tormentosos no processo penal: é legítima a execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória?
 
A decisão dos três desembargadores federais que julgarão o recurso poderá ser pela manutenção da condenação ou pela absolvição e, tanto num quanto noutro sentido, o placar poderá ser três a zero ou dois a um. Se houver condenação por dois votos a um, caberá à defesa a utilização dos embargos infringentes com o fim de provocar os outros dois desembargadores da câmara e tentar reverter o resultado para três a dois. A condenação por dois a um poderá reverter-se em absolvição por três a dois. Se houver absolvição por dois a um, o Ministério Público Federal não poderá interpor esse tipo de recurso, que é exclusivo da defesa. Também é permitido fazer uso dos embargos de declaração para eventuais esclarecimentos da decisão.
 
Após esgotados os recursos para o próprio TRF4, será possível provocar os tribunais superiores, STJ e STF, que poderão alterar ou manter o resultado. E é durante o trâmite nesses tribunais que há embate entre aqueles que defendem a possibilidade de cumprimento provisório de pena ou a necessidade de trânsito em julgado da decisão. Nesse ponto, deve-se fazer uma análise ponderada e técnica, sem deixar-se levar pela ideologia político-partidária ou pelo puro pragmatismo de prender alguém a qualquer custo. Vale lembrar que um cidadão que hoje aplaude atos arbitrário do Estado, amanhã poderá ser sua vítima, ainda que não tenha praticado um ato ilícito.
 
A Constituição Federal, em seu art. 5.°, LVII, afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O texto é muito claro ao condicionar a presunção de inocência ao trânsito em julgado. Transitar em julgado significa não haver mais recurso cabível. Somente após o esgotamento das vias recursais o acusado poderá ser considerado culpado. Em outros países, a aplicação provisória da pena pode ser autorizada porque o trânsito em julgado da condenação não é requisito para afastar a presunção de inocência. É tudo uma questão de respeito à ordem constitucional. Se há demora na execução da pena pelo prolongamento do processo no tempo, pode-se pensar na racionalização da aplicação dos recursos e no funcionamento do Poder Judiciário e do Ministério Público, porém, nunca passar por cima de um mandamento constitucional.
 
Se mantida a condenação pelo TRF4, Lula não será preso automaticamente. Além da apelação a ser julgada, outros recursos são cabíveis ao mesmo tribunal. Posteriormente, restará à defesa fazer uso de recursos e ações de impugnação aos tribunais superiores, tudo dentro da legalidade. Se a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos forem consideradas, qualquer pena só poderá ser aplicada após o esgotamento de todos os recursos previstos na legislação. Lula e qualquer outra pessoa possuem o direito fundamental à presunção de inocência até trânsito em julgado de decisão condenatória. Por mais que haja ideologias envolvidas, não se pode personalizar a figura do acusado no processo, pois ali qualquer um tem os mesmos direitos reconhecidos pela Lei Maior. O ser humano aguentou por séculos a arbitrariedade do Estado e o processo inquisitório que o colocava como mero objeto de investigação. Seu reconhecimento como sujeito de direitos não pode ser jogado no lixo por posições partidárias ou institucionais radicais.
 
*João Paulo Martinelli é professor do curso de pós-graduação de direito Penal do IDP-São Paulo, advogado criminalista, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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