Na verdadeira meritocracia, valores pessoais e sociais se fundem e são complementares

Por Jason Tercio
 
Comentário ao post “Desvendando a espuma II: de volta ao enigma da classe média
 
Renato, sua análise tem grande mérito teórico, mas vc partiu de uma premissa equivocada: meritocracia = reacionarismo. Daí vc cometeu vários outros equívocos, por exemplo, no primeiro artigo disse que a meritocracia valoriza “predicados pessoais (habilidade, conhecimento, competência, etc.)”, mas não os “valores sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.)”. Pelo contrário, na verdadeira meritocracia esses valores se fundem e são complementares.
 
Outro equívoco grave: pressupor que no Brasil existe meritocracia. Mérito, qualificação técnica e ética nunca foram na História do Brasil critérios para se pertencer aos quadros dos governos ou da máquina burocrática ou para presidir a Câmara e o Senado. O que sempre definiu as nomeações foi a lealdade política, o partido, Quem Indica etc. É, portanto, um sistema oligárquico patrimonial, não meritocrático. Num país em que os mais pobres dependem de assistência permanente do Estado, não existe meritocracia. Num país em que a educação básica pública é medíocre e a boa escola particular é cara, não se pode falar que a classe média deixa para os filhos “o estudo e uma boa formação profissional”, como você disse no primeiro artigo.
 
Outro equívoco metodológico – e este não é exclusividade sua – foi falar da classe média como se fosse uma categoria definida, fixa e acabada. Não existe uma classe média, mas classes médias, não só pelo critério financeiro, mas também político. Todos os movimentos de transformação social do mundo moderno foram protagonizados sobretudo pelas classes médias, até a Revolução Francesa. A resistência à ditadura brasileira foi quase toda das classes médias. Por isso outro equívoco é dizer que a maior parte da classe média brasileira é reacionária. Marilena Chauí fez aquela crítica por ressentimento pessoal, depois de se sentir humilhada por um casal num shopping.
 
Outro equívoco seu: considerar reacionário quem é contra as cotas (muitos negros também são contra), o bolsa-família, os altos impostos, a impunidade e a mediocridade da maioria dos políticos. Aí você caiu num simplismo maniqueísta de viés governista. 
 
Você citou agora Max Weber como o pioneiro na conceituação da meritocracia como fundamento da autoridade nas organizações modernas. Mas desde 200 anos antes de Cristo a China já era governada por princípios meritocráticos inspirados em Confúncio. Aliás, concordo com vc quando diz que os sistemas de mérito e as burocracias modernas estão a serviço dos sistemas políticos, mas isso nos países ricos e na China, que está adotando talvez o mais bem-sucedido sistema de governança meritocrática do mundo. Membros do governo passam por rigorosos exames de competência e ética antes de serem empossados, incluindo análise de seu desempenho prévio na erradicação da pobreza, criação de emprego, desenvolvimento econômico na sua região, pesquisas de opinião, avaliação interna no órgão que ocupou. O critério é preencher cargos públicos com lideranças de alta competência. E ao contrário do que se pensa, o PC chinês atualmente é uma das instituições mais meritocráticas do país. Por essas e outras a China se tornou a economia que mais cresce no mundo. O mesmo acontece em Singapura.
Redação

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