Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
[email protected]

O agravamento da crise e o autismo do governo, por Aldo Fornazieri

O agravamento da crise e o autismo do governo

por Aldo Fornazieri

Todos os indicadores econômicos, de emprego e de renda apontam para o agravamento da crise econômica e social nos próximos meses. A produção industrial não apresenta sinais de reação. Já no final de 2015 se verificava o início de aceleração de desemprego no setor de serviços. O varejo apresenta quedas significativas. A falta de confiança dos empresários e dos consumidores é evidente. A recessão de 2016 se anuncia tão severa como a de 2015. Sem credibilidade, o governo não é capaz de apontar um rumo de retomada de crescimento e de estimular as esperanças em relação ao futuro.

O fato é que do ponto de vista de uma agenda para o país, o segundo mandato de Dilma não consegue começar. O governo não aproveitou nenhum dos respiros que as circunstâncias e a conjuntura lhes suscitaram em meio às pesadas crises econômica e política ao longo de 2015. A transição de 2015 para 2016 foi e ainda é o momento mais propício para uma reação do governo Dilma: a tese do impeachment mostrou-se complicada, seja porque esse processo tem um pecado de origem que é Eduardo Cunha, seja porque é uma expressão de uma manifestação golpista da oposição ou, seja, ainda, porque ficou evidente que as alternativas à Dilma são tão ou mais complicadas do que o atual governo.

Mesmo com esse beneplácito das circunstâncias e da conjuntura, mesmo com esta ocasião propícia, o governo não reage. Permanece inerte, alienado da realidade, imerso à sua própria danação onírica e a seus tormentos. O governo e a presidente Dilma reconhecem que o principal problema do país é a grave crise fiscal. Mas, ao invés de enfrenta-la, mesmo quando propõe cortes o governo age para agravar esta crise e aumentar o endividamento público. Nenhuma esquizofrenia desta monta é capaz de gerar confiança nos investidores, nos trabalhadores e nos consumidores.

Em nenhum momento do segundo mandato Dilma e Nelson Barbosa agiram de forma séria e eficaz para enfrentar o problema do déficit fiscal: boicotaram Joaquim Levy desde o início; foram desastrados ao propor o orçamento deficitário; subestimaram a importância da perda do grau de investimento e estão nulificando qualquer superávit para 2016. Convém lembrar que um dos fatores que garantiu credibilidade e confiança no governo Lula, fundamento de seu êxito econômico, consistiu em que em seus 8 anos de mandato foram gerados os maiores superávits primários das últimas décadas.

Ao ingressar no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa foi saudado pelos petistas e por governistas como o homem que retomaria o desenvolvimento. Até agora não disse a que veio. No discurso, reconhece que Joaquim Levy tinha razão ao identificar no déficit fiscal o maior problema do Brasil. Na prática, não faz o que Levy faria. Também não faz o que ele, supostamente, teria se proposto a fazer: retomar o desenvolvimento. Não há nenhum plano de estímulo da economia, não há nenhuma aposta crível na infraestrutura, não há nenhum plano de conservação de empregos, não há nenhum plano de alavancagem das pequenas e médias empresas. As concessões estão afogadas nas águas gélidas dos preconceitos ideológicos.

Existem três formas de melhorar o desempenho fiscal do país: 1) aumentar tributos; 2) cortar despesas; 3) promover o crescimento econômico. A pior delas é a primeira. É nela que o governo está fixado, principalmente pela proposta de  recriação da CPMF. Para que esse remédio amargo funcione, são necessárias, no mínimo, duas condições importantes: a) compreensão da sociedade acerca da necessidade dos sacrifícios e seus benefícios futuros; b) apoio político no Congresso para que a medida seja adotada. No presente momento, nenhuma das duas condições está presente na conjuntura. A segunda e a terceira forma seriam as melhores opções, mas o governo não se empenha para viabilizá-las.

Desperdício de oportunidade e agenda

Desde o primeiro mandato, particularmente desde as manifestações de 2013, o governo vem errando sistematicamente na leitura da conjuntura. Neste início de ano erra novamente ao fazer uma análise equivocada acerca dos imbricamentos das crises políticas e econômicas. O governo parte do pressuposto de que sem afastar o problema do impeachment não consegue governar. A partir disto, adota como foco prioritário ações de ordem política e jurídica visando barrar o impeachment.

De fato, em alguns momentos essas ações tinham estatuto de prioridade, particularmente até dezembro do ano passado quanto houve um enfrentamento cívico e democrático às manobras golpistas de Cunha e de setores da oposição. Mas, neste momento, a prioridade deveria ser outra: ações para enfrentar a crise econômica e apresentação de uma agenda para ser negociada com a base governista e com a própria oposição. Estas ações, esta agenda e a disposição ao diálogo seriam as medidas mais eficazes para afastar de vez a espada do impeachment.

Tome-se o caso da reforma da Previdência, assumida pelo governo. Não resta dúvida de que a Previdência precisa ser reformada. O problema é qual reforma e como ela será feita. Nenhuma reforma da Previdência ou qualquer outra será feita se não se construir um significativo grau de consenso, envolvendo inclusive parte da oposição. Mas o governo não dialoga com o PT, que vem se manifestando contra a reforma e não dialoga com a oposição porque não tem a coragem de propor o diálogo.

Até agora, a agenda da oposição foi a “do quando pior melhor”, de guerra aberta contra o governo e contra o PT e tudo o que eles representam, inclusive as boas políticas sociais. Mas ao longo da história sempre coube aos governos propor o diálogo, principalmente em momentos de crise. O PSDB agora sinaliza que pode mudar de agenda, passando de uma postura negativa e destrutiva para uma postura propositiva. Se isso acontecer, o governo perderá mais uma frente de iniciativa política e terá que reagir na defensiva à agenda dos tucanos. Resta ver para crer se, de fato, o PSDB dará esse passo ousado recobrando o sentido da responsabilidade política. De qualquer forma, o governo perde a oportunidade de ditar o debate da agenda e de deter os rumos da iniciativa política.

O mais provável, contudo, é que o governo fique absorto em seu autismo. O que é difícil saber é se o seu imobilismo se deve ao temor da morte que o assombra ou a arrogância dos autocratas. Pode ser que sejam as duas coisas. Por um lado, sente-se injustiçado e perseguido. Clama aos céus por inocência e quer a compreensão e a benevolência em um ambiente onde o jogo é de brutalidade e sem escrúpulos. Por outro lado, sentindo-se portador de uma suposta verdade, acredita que por ser verdade ela se autorealiza sem as necessidades das mediações políticas. Trata-se da soberba dos autocratas que, por serem arrogantes, isolam-se no limbo do fracasso político.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1.  Análise equivocada. O autor

     Análise equivocada. O autor parte do pressuposto que a crise é resultado do desequilíbrio fiscal. Que há desequilíbrio fiscal, ninguém nega. Que a política anticíclica foi feita por instrumentos inadequados (renúncias fiscais, contenção de preços públicos, eleição de campeões nacionais, etc.) também é correto. Mas a crise não se resume ao desastre fiscal do governo. Temos, na verdade, um colapso do modelo econômico implantado por FHC e seguido pelos governos do PT. Taxa de câmbio valorizada, juros altos, metas de inflação, subordinação do banco central ao sistema financeiro, etc. são ideias concebidas para um mundo que acabou em 2008. Mas ainda estamos presos ao imaginário econômico e social construído nos anos do neoliberalismo. Pensamos que o agronegócio e a exportação de matérias primas são as soluções, como se a fase ascendente do ciclo dos preços das commodities não tivesse terminado. Pensamos que tudo se resolve se o governo “colocar a casa em ordem”. O tremendo fracasso da gestão Levi ainda é negado: “foi falta de apoio…”. A crise fiscal é, em grande medida, o resultado da incapacidade da nossa sociedade e do nosso governo de encontrar uma resposta para os problemas do novo mundo que surgiu a partir de 2008.

    1. Concordo

      Para a nossa mídia, o Brasil não faz parte desse mundo.

      O que vemos é o fim do modelo neoliberal no planeta todo e, consequentemente, no Brasil.

      A Dilma só não caiu até agora porque o povo é mantido aliendo quanto aos benefícios praticados para o mercado financeiro.

      Como pode o governo sacrificar a população e dar às intituições financeiras 500 bilhões!

      O maior ajuste fiscal seria o fim dos Swaps cambiais, a diminuição das operações compromissadas e derrubar a SELIC!

      Meu Deus, estamos em recessão!

      O que justifica o aumento dos Juros?

       

  2. O final do texto condiz bem

    O final do texto condiz bem com a Presidenta: “Trata-se da soberba dos autocratas que, por serem arrogantes, isolam-se no limbo do fracasso político. ”  Arrogante e soberba não faz nada além de defender a sua honra, enquanto o país afunda na crise econômica .

  3. NO MUNDO NINGUÉM ESTÁ EM CRISE, SÓ BRASIL?

    Aldo, o modelo em questão não é só problema brasileiro, é problema do mundo globalizado, as grandes empresas daqui, são as mesmas de lá, não tem como fugir da crise, a questão de arranjos é paliativo interno e não duram, pintão a crise do Brasil como se fossemos uma ilha de prosperidade e os comandantes é que não são competentes, e não é assim. o está acontecendo é como na fabula da coberta curta, se tapamos os pés a cabeça fica pelo lado de fora, no frio. Como a maioria de qualquer país o Brasil não tem como brigar com essas megas corporações, pois controlam o sistema financeiro global como carniceiros e influencia na política e praticamente colocou a mídia do mundo inteiro aos seus pés, como o Brasil pode brigar com isso? As populações mundiais nada mais são que números como contribuintes e como consumidores, somos nada mais do que isso.

  4. Excelente artigo

    Não sei por que, mas me lembrei de um filme que assisti.

    No filme, um governante dialogava com uma pessoa e dizia que o país ia bem. A pessoa respondeu:

    – Ora, presidente, até o meu cavalo governaria este país melhor do que o senhor.

     

    Vai chegando um ponto onde até os 7% que apoiam Dilma terão de acordar para realidade, e perceber que Dilma vai continuar neste ritmo, até o final do mandato se não for apeada do poder.

    O país caindo 4% do PIB a cada ano, no final de mandato de Dilma teremos queda de -16%.

    A gente acaba percebendo, que não vai ter impeachment, por que a maior força de oposição ao PT neste país é a própria Dilma Roussef. A oposição e a midia sabem disto, e vão mantê-la lá até o fim do mandato, para não atrapalhar a Lava Jato.

    Sabem que qualquer presidente que entrar no lugar de Dilma, em sua sã consciencia vai fechar a Lava Jato em pouquíssimo tempo. Aí o Brasil volta a crescer.

  5. “O governo não aproveitou

    “O governo não aproveitou nenhum dos respiros que as circunstâncias e a conjuntura lhes suscitaram em meio às pesadas crises econômica e política ao longo de 2015.”

    Dilma passou dois meses desaparecida depois da decisão do segundo turno. DOIS MESES, com o bombardeio cada vez mais intenso. Tive a esperança de que fosse traçando estratégias… nada! Absolutamente nada além das malditas planilhas. Êta governinho que dá nos nervos!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador