Letícia Sallorenzo
Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.
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O ambiente livre de monitoramentos, por Madrasta do Texto Ruim

O ambiente livre de monitoramentos

por Madrasta do Texto Ruim

“Ain, o Moro fala errado! Alá ele comendo plural!”

Mais uma vez, vocês não percebem o principal.

O português falado brasileiro come plural. Lidem com isso. Do Oiapoque ao Chuí, existe um padrão de “degustação” de plural. É marcar o plural na primeira palavra do sintagma:
– as casa
– os poste
– dois pastel

Os falantes do português brasileiro fazem isso, com maior ou menor intensidade, independente de escolaridade, sexo, cor, raça ou classe social.

Apontar o “erro” do Moro é concordar com aquele idiota que diz que o Lula “fala errado”.

“Ain, mas se ele é estudado, não devia falar assim”.

De novo vcs deixaram escapar o principal:

1) quem é estudado não sugere PEC pra cláusula pétrea.

2) No depoimento do Lula, Moro não cometeu esses “erros de concordância”. Vcs repararam? Então, por que ele “errou” tanto no Roda Viva?

Por um motivo simples. Quanto mais “em casa” a gente estiver, mais relaxados ficamos pra falar.

Moro estava relaxado. Em casa. No que linguistas chamam de “ambiente livre de monitoramento”. <— expressão que, no jornalismo, adquire outro significado.

[EDIT: ”colheita” de provas é imperdoável sob qualquer aspecto. Pootaquepareeoo.]

No mais, se o Moro chama o Lula de “Nine”, a partir de agora eu vou chamá-lo de “juiz singular”. Porque, antes de ser linguista, eu sou humana.

 

Letícia Sallorenzo

Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

27 Comentários

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  1. Se não é perdoável, pelo menos é compreensível

    Que implicância, Madrasta! Colheita de provas não é falta de vernáculo, é ato falho que Freud explica: é comum aos que estão habituados a plantar que mais tarde façam a colheita.

  2. “Vovozinha, porque voce

    “Vovozinha, porque voce colheita tantas provas?”

    “Para as melhor ceifar, minha filha” urrou a vovozinha.

    “Mas se prova cresce em arvores,  entao porque Lula foi condenado sem provas?”

    Pano rapido…

     

  3. Subescrevo o Renato Lazzari

    Há tempos a chamada “blogosfera”, que alguns mais críticos, vendo as incoerências e jogo duplo que ela faz, apelidaram de “globosfera”, não reproduz textos da “Madrasta”. Ela é relembrada agora, depois do vexame/fiasco estrelado pelo torquemada das araucárias diante das lentes, holofotes e icrofones amigos e cúmplices, no programa Roda Morta, levado ao ar no último dia 26 de março, o qual seria o ‘grand finale’ da ópera bufa lavajateira: o juizeco de piso, anunciando em rede nacional de TV, a inconstitucional prisão do Ex-Presidente Lula.

    E apenas duas linhas Lazzari foi direto ao ponto: a razão de o torquemada falar em colheita de provas decorre do expediente ilegal e criminoso usado por ele e comparsas da Fraude a Jato: plantar e forjar provas, para incriminar adversários e inimigos políticos. Só se pode colher o que se plantou. Não se tra de simples erro cometido por pessoa que não domina o vernáculo, mas a confissão involuntária de um crime cometido por um sujeito que ocupa o cargo de juiz federal.

  4. No mais, no livro O

    No mais, no livro O Preconceito Linguístico, Marcos Bagno repete, mais ou menos, a máxima chacriniana ao afirmar que “o importante é se comunicar” e nisso o Moro deixou bem claro e nós entendemos: ele quer ferrar o Lula a qualquer custo. 

  5. Comer plural é coisa de

    Comer plural é coisa de paulista, por conta do italiano que forma o plural com terminação diferente e não com s. Não é o Brasil inteiro não.

    1. Brasil inteiro

      Há dezenas de estudos acadêmicos que estudam esse fenômeno.

      Vai do Oiapoque ao Chuí, sem discriminação de estado, gênero, grau de escolaridade, faixa etária, gênero ou grau social do falante.

      São Paulo TAMBÉM fala comendo os S.

      1. Antes fosse SO em SP!

        E no meio das palavras voce conhece?

        Eu conheci um Porto Riquenho que tinha “NARCISITA” tatuado no braco, bem visivel…  E a culpa foi dele, nao do tatuador!

      2. E sempre tem essa estória de

        E sempre tem essa estória de “influência italiana”. As coisas mais esdrúxulas são atribuídas à tal influência italiana:

        O “r” pós-vocálico pronunciado como “r” simples, sem o chiado característico do Rio de Janeiro e sem o retroflexo “caipira” (traço meramente conservador da pronúncia paulistana que não pode ser explicado pela “influência italiana”, pois o “r” retroflexo é comum em todo o interior do estado, independente da importância da imigração italiana na demografia italiana).

        A pronúncia dental de “t” e “d” antes de /i/, para evitar a palatalização (mais provavelmente devida à influência nordestina do que à italiana, e longe de ser a única pronúncia que pode ser ouvida, seja na capital, seja no interior).

        A desnasalização de sílabas átonas finais – “órgo” em vez de “órgão” – (generalizada em todo Brasil, independente da presença demográfica italiana).

        A retenção do “l” final, que em outras regiões do Brasil se pronuncia como “u” (de novo traço meramente conservador, e muito menos característico de São Paulo do que da região Sul).

        Léxico com mais italianismos (quase todos os italianismos no português do Brasil são literários, devidos à influência da alta cultura italiana, não à imigração, e os italianismos populares são quase todos termos gastronômicos e comuns no país todo).

        Gerúndio em vez de preposição + infinitivo – “estou fazendo” em vez de “estou a fazer” (construção conservadora e generalizada no Brasil; “estou a fazer” é uma inovação lusitana).

        Quanto ao plural sem “s”, vale citar este poema de Catulo da Paixão Cearense, em bom português popular do Nordeste, absolutamente virgem de “influência italiana”:

        Seu doutô!… Venho dos brêdo,
        só prá móde arrespondê
        toda aquela fardunçage
        que vancê foi inscrêvê.
             Eu não sei lê, mas porêm
             o seu Padre Capelão,
             que sabe lé munto bem,
             lêu prá nós tudo, im três mez,
             o seu bunito sermão.
        Me dissérum, cá na Côrte,
        que o seu doutô faz aquilo
        de cabeça e sem trabáio!…
        Vancê tem fôrgo de gato
             e lingua de papagaio!

        Não têje vancê jurgando
        que eu sêje argum canguçú!
             Não sou, não, seu Conseêiro!
             Sou do Norte!… Eu sou violêro,
             e vivo naquelas mata,
             cumo véve um sanhassú.
        Vassúncê já me cunhece!
        Eu sou o Géca-Tatú!

        [Começando por “dos bredo”, continua “naquelas mata”, e assim segue por mais dezenas de estrofes.]

        (completo aqui: http://www.avozdapoesia.com.br/obras_ler.php?obra_id=4432 )

        1. Maravilha de post e de

          Maravilha de post e de poema!!!

          Quanto ao “a fazer”, eh natural de Portugal e completamente maneirismo linguistico em outros paises.  Me lembra de sua traducao mais proxima pro ingles, outro maneirismo insuportavel:  “in the process of”!

          Outro dia assisti um video de 10 minutos de um carpinteiro no youtube, 10 minutos onde infelizmente ele usou “(in) the process of” um absurdo 10 vezes!

  6. O porque dos plurais sem “s”

    Os plurais sem “s” tem um porque histórico.

    Os colonos italianos no Brasil, que falavam o italino. Na língua italiana o plural não é feito usando o “s”. Plural com “s” é coisa da línga portuguesa, assim os italianos ficavam sem jeito de pluralisar com “s”, no final, italianizaram nossa língua portuguesa. 

     

    Os indígenas. O plural na língua tupi guarani, que foi falada no brasil por 250 primeiros anos de nossa colonização, ( 75% dos brasileiros só falavam tupi guarani até 1750 ) , no tupi, o plural não se faz com “s”.

    Principalmente em SP, onde vieram grandes quantidade de imigrantes italianos e grandes quantidade de decendentes de indios falaram o tupi guarani até o final do século XIX, o plural foi ficando meio que sem “s”.

    Moro só confirma com isto que tem fortes ligações com SP, o estado governado por tucanos há décadas.

    1. Italianos e africanos

      Se os plurais do italiano não são formados com {-s}, no iorubá, língua da grande maioria dos negros que vieram pra cá, a marcação de concordância era prefixal, e começava em {z-}. Daí o zifio, por exemplo.

       

      Essa marcação prefixal explica “erros” como “o zoto”. Se você reparar, a marcação do plural virou prefixo. Mas você entende o que aconteceu, e entende o que a pessoa quis dizer…

       

      Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo na terra dos pluraltudo… 😛

    1. Menos, bem menos…

      Migo, menos…

      O que eu disse é que Moro estava à vontade porque sabia que não seria questionado a fundo. Ninguém ali naquele Roda Viva ousaria contrariá-lo.

       

      (e, para indicar tempo futuro usa-se a preposição A, e não o verbo haver: daqui A pouco. Dsclp.)

  7. Isso traz à tona uma profunda questão filosófico-lingüística:

    O personagem Cebolinha, do Maurício de Souza, fala errado, ou fala elado ?

     

    1. O nome disso é lambdacismo

      O fenômeno fonético-fonológico que leva o cebolinha a trocar o R pelo L chama-se Lambdacismo (Lambda = éle em grego). 

      O contrário, de trocar o R pelo L, é o Rotacismo (Rota = érre em grego).

       

      Lambdacismo pode ser uma dificuldade pontual de uma criança articular adequadamente o R, mas o rotacismo faz com que palavraas como eclesia, do latim, virassem église e iglesia em francês / espanhol, mas ao chegarem no português, virassem igReja.

       

      RÁ!

  8. O texto que escreveram
    O texto que escreveram estranhando como uma pessoa que comete erros simplórios de português chegou ao cargo de juiz procede. Esse senhor além de ser magistrado, tirou um mestrado e doutorado, segundo alguns em tempo recorde, um prodígio, além de ser professor universitário. Se não demonstra essa erudição ao falar realmente é de se estranhar.

    1. O resto nao trata disso,

      O resto nao trata disso, Naldo!!!

       O texto expoe a psicologia folgada do “estar entre amigos”.  Eh acusacao aberta aa parcialidade de Moro, que nem finge ser imparcial e nem tem cultura da propria psicologia pra evitar o vexame de estar tao “descontraido”  assim.

  9. Parabéns

    Sra. Madrasta.

    Parabéns por este e outros textos. Legal ter voltado a escrever por aqui.

    Quando o livro pronto estiver, divulgue!

    P.S Toda vez que leio os seus posts me lembro da frase de um amigo, que tarde da noite em uma festa universitária, me sussurrou, “nunca escreva cartas de amor a uma linguista”. O por que ele jamais disse.

    Saudações.

  10. A constante de Moro

    O problema não é ele sempre errar as sentenças faladas  – é sempre errar de propósito as  sentenças escritas.

     

  11. Só um parêntese. No livro
    Só um parêntese. No livro Manual de Processo Penal. Renato Brasileiro. Volume único. 6a edição. Página 41. No quadro comparativo entre os sistemas inquisitorial e acusatório. Na parte de gestão da prova está escrito que o juiz inquisidor tem a liberdade para determinar de ofício a COLHEITA de elementos… Só um parêntese

    1. Autor provavelmente conhece

      Autor provavelmente conhece ingles:  “gathering of elements”.

      So que gather eh catar.  Elementos sao catados, provas nao sao por estarem muito alem da cronologia da investigacao, sendo is da fase do processo.

    2. Tentando de novo, ficou bem

      Tentando de novo, ficou bem ruinzinho o que eu disse:  juiz que ordena “colheita de PROVAS” ja tomou partido sobre elas serem PROVAS antes da sentenca.  Essa eh a segunda gafe de Moro em suas 3 palavras.

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