Foto: Ricardo Stuckert
O apanhador no campo do sentido – Vol.5
Por Gustavo Conde
[continuação]
Chomsky e Lula
Assim como Lula, Chomsky impõe uma partilha igualitária dos sentidos e das competências linguísticas. A diferença é que um fez isso através da teoria e outro fez isso através da prática (e da política).
Em vez de teses e formulações teóricas, Lula construiu universidades, incluiu o pobre nestas universidades e coordenou, com sua inteligência inata, uma engenharia social sem precedentes no mundo, agregando tecnologia (para descobrir o pré-sal, riqueza material concebida para impulsionar a produção de conhecimento), timias sociais através da linguagem franca e transparente (o otimismo que fez o país incendiar a economia) e uma usina de autoestima que nos legou os maiores eventos do mundo, além de um protagonismo geopolítico inédito até então.
Chomsky fez essas mesmas coisas, mas a soberania do seu pensamento foi gerada em forma de papers acadêmicos e pesquisa de campo, monumento igualmente grandioso e libertador.
A soberania intelectual como berçário de sentidos
Após toda essa profusão de soberania intelectual ao longo do século 20, soberania esta que extrapola a moenda acadêmica assaz mecanizada e domesticada por nichos de poder que se inscrevem sem cessar nos corredores das verbas públicas mundo afora, uma nova forma de se pensar a língua emergiu.
Antes de definirmos esta nova forma de pensar a língua e os sentidos, convém destacar: todos esses teóricos disruptivos supracitados tiveram que lutar contra muitos ‘repetidores protocolares’ que circulavam em seu entorno – a saber, a porção conservadora e reacionária que habita também a produção de conhecimento – para apresentar suas teorias acerca de um determinado corpus científico.
Esse gesto acadêmico de fundo ético é também um gesto político e se parece com o gesto de Lula, que foi obrigado a disputar espaço dentro da cena política brasileira – com muito jogo de cintura e muita obstinação pessoal – para lidar, sobretudo, com as elites violentas do atraso e da autoflagelação.
Como Saussure e Chomsky, Lula não se intimidou com o status quo e rompeu com as lógicas mais caras até à própria esquerda – ou arremedo de esquerda –, vindo daí as defecções em seu partido ao longo de seu governo vitorioso e consagrado.
Muitos ficam pelo caminho e isso é um corolário básico do protagonismo político. Toda essa resistência a Lula, marginal – já que ele saiu de seu governo com quase 90% de aprovação popular –, tem muito a ver com a resistência à inovação científica e estética. Todos os grandes inovadores e todos os grandes artistas tiveram detratores muito violentos que não admitiam uma ruptura tão forte com as linguagens estabelecidas. Eles mereciam e merecem mesmo a palavra ‘conservadores’ como alcunha para si, bem como para sua forma atrasada de ver o mundo.
Ao se criar uma nova linguagem política, gerencial e social, vivencia-se um luto pela linguagem velha que se despede. É o famoso ‘medo’ que tomou conta de parte da classe média brasileira, patrimonialista e escravocrata.
Este é o grande pânico que Lula provoca em todos aqueles que não têm capacidade para codificá-lo e/ou acompanhá-lo. É desse pânico localizado – mas poderoso, porque localizado no interior do submundo geopolítico, nos corredores das mídias seculares e nos calabouços do poder judiciário – que a ‘solução judicial’ para um líder de proporções épicas foi gestada e realizada, à revelia da história, do direito e da democracia.
Tal é a complexidade de todo esse conjunto de comportamentos simbólicos e realizações sociais de Lula, no entanto, que mesmo as teorias saussurianas e chomskyanas, por si só não dão conta de sua verve enunciativa e realizadora.
É preciso mais.
É preciso uma teoria que dê conta de todas as interfaces linguísticas que ele mobiliza enquanto político extremamente popular e enquanto parte mesmo deste corpo popular que ele historicamente representa.
O raciocínio perpassa exatamente pela necessidade – já cumprida em parte – de contextualizar a natureza da ‘caixa de ferramentas’ de análise que vou mobilizar para desconstruir seu discurso e suas competências múltiplas, políticas e linguísticas.
[Continua]
Aqui, os links do ensaio:
O apanhador no campo do sentido – Vol.1
O apanhador no campo do sentido – Vol.2
O apanhador no campo do sentido – Vol.3
O apanhador no campo do sentido – Vol.4
O apanhador no campo do sentido – Vol.5
O apanhador no campo do sentido – Vol.6
O apanhador no campo do sentido – Vol.7
O apanhador no campo do sentido – Vol.8
O apanhador no campo do sentido – Vol.9
O apanhador no campo do sentido – Vol.10
O apanhador no campo do sentido – Vol.11
O apanhador no campo do sentido – Vol.12
O apanhador no campo do sentido – Vol.13
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