O “atraso” e a “modernidade” são duas faces complementares do capitalismo mundial, por Roberto Bitencourt da Silva

O “atraso” e a “modernidade” são duas faces complementares do capitalismo mundial

por Roberto Bitencourt da Silva

Nos últimos dias tem reverberado nas redes sociais uma importante demanda apresentada na Alemanha, por entidade sindical do setor metalúrgico. Essa entidade é descrita pelo noticiário como bastante influente no cenário político e sindical do país.

A reivindicação trabalhista corresponde a uma redução da jornada de trabalho, de 35 horas para 28 horas semanais, sem diminuição dos salários. A tônica das abordagens em nossas redes sociais orienta-se pelo destaque dado ao “atraso” do Brasil e de suas elites no poder, que retiram nossos direitos trabalhistas e criam dificuldades mesmo para o combate a trabalhos análogos à escravidão.

Mirando o espelho alheio, realmente vemos uma imagem que se pode chamar de “atrasada”. Mas, o motivo desse “atraso” tem que ser lembrado. Sobretudo, para que tenhamos uma visão minimamente clara a respeito do papel que é atribuído ao Brasil na divisão internacional do trabalho, para que saibamos o terreno em que pisamos, com as devidas implicações políticas daí decorrentes. O designado “atraso” brasileiro está longe de ser fruto de mera “falta de consciência social”, de “cultura” das classes dominantes internas e externas do Brasil. Não há “trabalho pedagógico” que as façam mudar.

O capitalismo opera em escala mundial, com interligações estreitas e desiguais. Ele não é constituído por um conjunto de economias nacionais estanques e somadas. O capitalismo mundial é, por natureza, desigual e combinado. Como há muito ensinavam os economistas marxistas Orlando Caputo e Samir Amin, desenvolvimento e subdesenvolvimento – “modernidade” e “atraso” – são duas faces complementares do sistema capitalista.

A Alemanha é a potência maior da União Europeia. No momento, depara-se com uma proposta benéfica aos seus trabalhadores. Evidentemente, torço para que a reivindicação seja editada e aprovada. Porém, não é ocioso sublinhar que ela aparece no exato momento em que os trabalhadores de cá, abaixo da linha do Equador, sobretudo Brasil e Argentina, encontram-se envolvidos com a perda de direitos trabalhistas e previdenciários históricos. As margens de lucros empresariais e financeiros das corporações alemãs potencialmente aumentarão.

Ademais, a “modernidade” alemã, costumeiramente tão saudada, por exemplo, no terreno da sustentabilidade, tem essa imagem apoiada na transferência de indústrias imundas para países “subdesenvolvidos” e do “Terceiro Mundo”, como o Brasil (desculpem o uso de expressões antigas e duras e que hoje podem ofender a sensibilidade de alguns leitores).

A ThyssenKrupp, metalúrgica instalada no bairro de Santa Cruz, na cidade do Rio de Janeiro, opera há anos sem atenção ambiental, deixando o ar irrespirável com fuligem. Uma poderosa corporação multinacional de capital alemão. A Volks Caminhões, empresa igualmente alemã, sem mais, deixa de pagar cerca de 2 bilhões de reais em impostos para o governo do estado do Rio de Janeiro, apenas em um ano, como ocorrido recentemente.

O “progresso” e a qualidade de vida de poucos são o suporte do “atraso” para muitos, na divisão internacional social do trabalho. Não surpreenderia que os trabalhadores alemães venham a alcançar os seus objetivos, que são muito legítimos, devido à própria necessidade de potências capitalistas, como a Alemanha, de assegurarem estabilidade social interna e apresentarem um caráter “modelar” para o mundo, em torno das “virtudes” do capitalismo.

Tudo considerado, vale lembrar uma expressão usada pela argúcia de Lenin, sobre estes fatos que envolvem a Alemanha, do ponto de vista social e econômico: para a sua política interna, pode vir a tratar-se de exemplar da prática política do “social-imperialismo”.

Em nossas praias, convenhamos, as principais centrais sindicais abandonaram qualquer demanda a respeito da redução da jornada de trabalho. Em que pese o adensamento técnico-cientifico da produção, circulação e finanças na economia brasileira, desde os anos 1940 a jornada de trabalho somente foi diminuída em 4 horas, com as 44 horas semanais em vigor.

Em nossa realidade nacional, o capital internacional e o setor primário-exportador ditam não apenas salários, quanto os limites estabelecidos à jornada. Ambos são promotores fundamentais da dilatada marginalização social brasileira. O capital gringo, especialmente na indústria, traz suas próprias maquinas, que requerem poucos empregados.

O setor primário-exportador, cujos preços são ditados pelo mercado internacional, explora de maneira leonina os trabalhadores, além de a grande propriedade da terra contribuir para a expulsão de lavradores, estimulando a favelização, o desemprego e o subemprego nas cidades. Com efeito, condições de trabalho e salários rebaixados.

Ao fim e ao cabo, determinações externas para que os trabalhadores do Brasil cumpram com o papel subordinado reservado ao país na divisão internacional social do trabalho: dedicação a bens primários com preços “competitivos” e mão-de-obra barata. A exploração, assentada no desprezo das potencialidades que poderiam ser realizadas no Brasil, é evidente, traduzindo-se no conceito de “superexploração”, nos termos delineados pelo sociólogo Ruy Mauro Marini.

Seguramente, a tão necessária retomada da capacidade mobilizatória e reivindicativa das maiores centrais sindicais do Brasil demanda não só atenção a questões corporativo-sindicais, como também a oferta de uma visão de país, que combata aqueles dois pilares do poder e persiga a ruptura com a dependência externa e o papel subalterno no sistema mundial.

Para isso, inevitavelmente há que se observar que a social-democracia, à europeia, nunca vingou, nem tem como vingar na periferia capitalista, inclusive no Brasil. O sistema capitalista mundial não nos concede essa opção. Exemplos históricos chegam a ser ociosos. Ou socialismo, ou aprofundamento da barbárie, como já ocorre, eis o que restam de alternativas ao nosso país, parafraseando a grande Rosa Luxemburgo.

Infelizmente, no momento, as centrais estão acomodadas, dotadas de preocupações estritamente eleitorais. Uma prioridade inócua. Além de perdermos, seguidamente, diversos direitos, no atual cenário capitaneado por um governo golpista, reacionário e entreguista, sem armar política e ideologicamente os trabalhadores dificilmente poderão ser recuperados os direitos que se têm perdido. Nem para ações defensivas tais centrais estão servindo.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

 

 

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador