O debate sobre a “Lei Ópia” e o ópio em que a mídia brasileira ficou viciada

Ao discutir questões referente a censura, liberdade de imprensa e destinação das verbas de publicidade da União, BB, CEF e Petrobrás com outro membro do GGN (o cidadão que se identifica como JB Costa), sugeri a meu interlocutor que estudasse o capítulo sobre a revogação da Lei Ópia no livro “Ab Urbe Condita Libri”, de Tito Lívio. A referência me pareceu pertinente, mas por amor ao debate me sinto na obrigação de me estender um pouco mais sobre a citação que fiz.

A obra monumental de Tito Lívio foi publicada no século I dC. Dos 142 livros originais apenas 35 chegaram até nós. A Edição brasileira de “Ab Urbe Condita Libri”, feita pela Paumape em 1990, tradução de Paulo Matos Peixoto, tem 6 volumes de aproximadamente 400 páginas cada. O livro registra a história de Roma desde a fundação, narrando os conflitos internos, as vitórias e derrotas militares, conquistas territoriais, mudanças na estrutura política da cidade, etc… Tito Lívio também faz referências aos costumes, religião, política e cultura jurídica do povo romano.

Os debates sobre a Lei Ópia ocorreram ao fim da II Guerra Púnica. Esta Lei, que havia sido aprovada no início da guerra contra o exército cartaginês de Aníbal Barca, proibia as mulheres romanas de comprarem e usarem objetos de luxo e de dirigirem carroças pelas ruas de Roma. O debate foi provocado pelas próprias mulheres, que começaram a exigir a revogação da Lei bloqueando as ruas da cidade.

Tito Lívio narra os principais lances da disputa, reproduzindo os discursos feitos no Senado pelos representantes das duas facções. Catão o velho sustentou a necessidade de preservação da Lei Ópia com vários argumentos. Dentre eles, afirma que “Tal como é necessário conhecer as doenças antes dos remédios, as paixões nascem antes das leis destinadas a refreá-las. O que provocou a lei Licínia sobre o máximo de cinco jeiras de terra senão a paixão desenfreada das pessoas em ampliar suas propriedades? O que engendrou a Lei Cíncia sobre as doações e presentes senão o fato de a plebe já começar a ser tributária do Senado e a pagar-lhe foros?” (p. 367, volume quarto). Um pouco mais adiante, se referindo especificamente a questão do luxo, Catão diz “Querei vós, quirites, inspirar a vossas esposas semelhante rivalidade, para que as ricas aspirem ao que nenhuma outra possa conquistar e as pobres, não querendo ser desdenhadas em virtude dessa diferença, façam esforços que ultrapassem seus meios? Ai está, a partir do instante em que começarem a achar vergonhoso o que não é, não considerarão mais vergonhoso o que deveria sê-lo. Aquela que puder comprará com sua fortuna; aquela que não puder pedirá ao marido. Infeliz do marido, quer ceda quer não ceda… pois então verá dado por outro aquilo que não deu.” (p. 368, volume quarto).

O defensor da revogação da Lei Ópia foi Lúcio Valério. O principal argumento que ele utilizou para defender sua tese foi “Se leis votadas não para um tempo, mas para todos os tempos, em vista de interesses permanentes, não devem, confesso, ser ab-rogadas – salvo as que a experiência condenar ou se tornarem inúteis pela situação dos negócios públicos -, ao contrário, as leis reclamadas por determinadas circunstâncias eu as considero, por assim dizer, mortais e sujeitas a mudar com as próprias circunstâncias. As leis votadas durante a paz são, o mais das vezes, ab-rogadas pela guerra; as votadas durante a guerra, pela paz; enfim, tal como na condução de um barco esta manobra serve em tempo bom, aquela em plena tempestade.” (p. 370, volume quarto). Um pouco adiante, Lúcio Valério faz a seguinte ponderação “Nem magistraturas, nem triunfos, nem insígnias, nem recompensas guerreiras ou butim podem ser concedidos às mulheres; a elegância, as tinturas, as roupas, eis as insígnias das mulheres, eis oque faz sua alegria e sua glória, eia o que nossos ancestrais chamaram a elegância feminina. Em caso de luto, que tiram elas senão a púrpura e o ouro? Findo o luto, que voltam a usar? Para as ações de graças e as preces públicas, que envergam a mais a não ser uma roupa de maior destaque?” (p.373, volume quarto).

A Lei Ópia foi abolida pelo Senado de Roma e Catão partiu para a Espanha. Para felicidade geral das romanas, elas puderam voltar a comprar e ostentar objetos de luxo.

O debate entre Catão e Lúcio Valério resume de maneira magistral os principais argumentos que podem ser levantados em qualquer tempo para preservar ou não uma Lei. Os defensores da Lei que se quer revogar sempre invocarão a tradição e farão referência aos fundamentos que levaram à discussão e aprovação da mesma. Também usarão o medo do desconhecido para evitar mudanças que consideram indesejadas. Aqueles que defendem a modernização da legislação, a revogação de uma Lei que consideram irrelevante ou prejudicial, farão alusões às necessidades impostas pelas novas circunstâncias, sustentarão que as Leis também podem se tornar inúteis. E, sobretudo, procurarão demonstrar os prejuízos que a Lei tem causado a sociedade ou a parte dela.

No Brasil há uma Lei não escrita segundo a qual algumas empresas de comunicação, bem poucas na verdade, podem abocanhar toda ou quase toda verba de propaganda da União, BB, CEF e Petrobrás. Em razão desta Lei não escrita, a diversificação da imprensa brasileira tem sido bloqueada. O resultado é uma verdadeira catástrofe econômica e cultural. Algumas empresas privadas ficaram tão viciadas nas verbas públicas de propaganda que passaram a depender do Estado para sobreviver. Em razão disto seus donos ficam contando os anúncios oficiais publicados pelas suas concorrentes como se tivessem direito a uma “cota parte” fixa destes recursos, como se o Estado não pudesse usar livremente os recursos de propaganda que dispõe. A União e suas empresas públicas não podem cobrar uma melhora na qualidade das publicações. Em razão disto surgiu e se consolidou a indústria de escândalos mais ou menos inventados pela Veja que passam automaticamente a circular nos outros veículos de comunicação.

As empresas de comunicação privadas são livres e a CF/88 lhes garante a liberdade de imprensa. Os empresários serão ainda mais livres quando não dependerem das verbas de propaganda da União, BB, CEF e Petrobrás. Por outro lado, o Estado não pode ser escravo de algumas empresas privadas de comunicação. A melhora da qualidade da imprensa e a diversificação das fontes de notícia é um valor supremo que deve ser estimulado pelos órgãos estatais. Jornais, revistas e redes de TV que não tem qualquer compromisso com a qualidade do jornalismo que praticam ou que se dedicam exclusivamente a atacar o governo e a elogiar a oposição não podem ser premiadas. A destruição da indústria dos escândalos mais ou menos inventados pela Veja é uma necessidade. E a única maneira de fazer isto é aprovar uma Lei de Meios que permita ao Estado parar de fornecer aos inventores e difusores de escândalos o ópio em que eles ficaram viciados.

A Lei não escrita que garante o ópio das empresas de comunicação brasileiras é a nossa Lei Ópia. E ela deve ser revogada com a aprovação de uma Lei de Meios pelas mesmas razões que foram sugeridas por Lúcio Valério “Se leis votadas não para um tempo, mas para todos os tempos, em vista de interesses permanentes, não devem, confesso, ser ab-rogadas – salvo as que a experiência condenar ou se tornarem inúteis pela situação dos negócios públicos -, ao contrário, as leis reclamadas por determinadas circunstâncias eu as considero, por assim dizer, mortais e sujeitas a mudar com as próprias circunstâncias.”

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

8 Comentários

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  1. Aí Berzoini, vai ajuntando.

    É muito bom que o Berzoini tome conhecimento de fundamentos como esse e os distribua entre seus colaboradores, são mais alguns sacos de areia em nossa trincheira. Que vanham mais; parabens Fábio.

  2. Dinheiro público para o bem público…

    … e não para sustentar estes oligarcas golpistas e vagabundos: marinho,  civita, frias, mesquita e cia.

    O PiG gosta mesmo é de mamar nas tetas do Estado.

  3. o pig, além de tudo,

    o pig, além de tudo, é mal-agradecido.      Amealha as verbas publicitárias do Estado, e, cpopncomitantemente,  abusa da paciência dos seus consumidores e dos nossos atuais governantes  e, caso estes últimos manifestem quaisquer reações que contrariem as suas teses, tratam de refugiar-se sob as saias da nossa Constituição Federal, e, invariavelmente, tratam de apresentar a surrada alegação de que a liberdade de expressão é um dos pontos fundamerntais garantidos pela  Carta Magna          Especializou-se, desde 2.002, de maneira infatigável e diuturna, a  espicaçar e criar marolas, marolinhas e marolões contrários aos intereses dos chamados  governos trabalhistas.

  4. Sempre os coronéis da midia ……………

    Muito interessante e oportuno este artigo do Fábio, em que ele foi buscar os ensinamentos de Tito Livio, sobre a maneira de como eram feitas as Leis daquela época, e de como eram os embates para defendê-las e/ou revogá-las, segundo o interesse de grupos.

    Sobre o atual momento, em que vemos a necessidade de se votar uma Lei de Meios,  que retrate os novos tempos vividos, e  as resistências dos coronéis midiáticos, ficamos a refletir na urgência da mesma, pois hoje, mais que nunca, vemos o quanto a imprensa se arvorou em partido político, de oposição diga-se, e o que é mais grave, sem ter tido sequer registro como tal, e usando de manipulaçãoes que se tornaram grave ameaça à Democracia!

    Assim sendo, torna-se urgentíssimo que intelectuais, politicos não comprometidos, artistas, enfim toda a sociedade lucida se posicione para que não venhamos a vivenciar tentativas de rompimento da ordem, por estes cinco ou seis donos da midia nacional, que a meu ver, não passam de instrumentados !

  5. “Fomos os primeiros a afirmar
    “Fomos os primeiros a afirmar que, quanto mais complexase torna a civilização, mais se deve restringir a liberdade doindivíduo”. – Benito Mussolini

  6. Ópio também na blogsfera (mas q tem seu importante papel)

    Fábio, parabéns pela sua contribuição. Uma vez, não só usaste palavras mal humoradas e ate´inadequadas (meio agressivas). Eu tb sou de carne e osso e tenho meus dias de lua. Estou me despedindo do blog, mais exatamente dos psots reentes (no meu arquivo, podes, podem, ver meus motivos, que, meu mal, é não ser sucinto. Me sinto meio ovelha negra por aki (acho que pode ser meu mal, mas também meu bem). Cumpimentos. Não fiquei tão chateado quanto pareceu, e certamente vc não se lembra de tantos comentaristas que há.https://jornalggn.com.br/noticia/sites-questionam-e-reduzem-participacao-de-leitores NICKNAME (Humberto – Porto Alegre e Recife)

  7.  
    Muito bem! Concordo com

     

    Muito bem! Concordo com todos comentários que metem o cacete nessa cambada de chantagistas.  Daqueles que se utilizam dos meios de informação como instrumento de achaques. Estes calhordas não permanecerão indefinidamente gozando da impunidade que ora desfrutam.

    Logo, o avassalador e fodástico avanço da internete de banda larga produzirá massa crítica em escala adequada. Propiciando turbinar a íra de centenas de milhares de cidadãos, provendo-os de informação necessaria a desvendar e desmontar as arapucas, fraudes e trapaças montadas pelo cartel mafioso, que há décadas, vem infernizando a vida do povo brasileiro, ora obstruindo, retardando, e tentando impedir sua inevitável marcha como protagonista, verdadeiro dono, e legítimo autor da formulação de diretrizes para o Brasil.

    Orlando 

    Nota: favor desconsiderar o texto anterior.

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