Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O enigma Cicada 3301 e a filosofia “I Did It!”: uma nova Matrix?,por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Considerado por muitos o maior mistério não resolvido da Internet, “Cicada 3301” consiste num conjunto de quebra-cabeças lógicos envolvendo criptografia e esteganografia publicados na Internet desde 2012 com o suposto propósito de uma misteriosa organização recrutar as pessoas mais inteligentes do planeta. Mas para quê? CIA? NSA? Uma Sociedade Secreta? O fato é que vem mobilizando uma massa de jovens gênios matemáticos que tentam resolver um labirinto de enigmas dentro de enigmas. Lembra a aventura de Alan Turing em decifrar a máquina Enigma dos nazistas, porém sem o heroísmo e glória do passado. Hoje, apenas um sintoma da filosofia minimalista do “I did It!” (“Eu consegui!”) na cultura atual – lógica fetichista de delírio no vazio e exaltação de uma façanha sem consequência. Se isso for verdade, Cicada 3301 pode ser uma armadilha: gênios matemáticos entregando o “modus operandi” hacker ativista como Big Data para a futura Matrix. Uma Internet recém-senciente, como uma gigantesca IA, ávida em prever cyber-ataques de possíveis dissidentes.

Desde 2003, o site 4chan é um celeiro de trotes, protestos, fábrica de memes e modinhas virais, uma mistura caótica de conteúdo ilegal e vandalismo onde todos os usuários são anônimos. O site já enganou a apresentadora Ophra Winfrey sobre a preocupante notícia sobre um suposto grupo de pedófilos “com 9.000 pênis para molestar crianças”, invadiu o e-mail de Sarah Palin, derrubou sites da indústria fonográfica e de lá também surgiu o grupo hacker-ativista Anonymous.

4chan parece viver na beirada de um abismo sombrio e assustador chamado Deep Web e Darknet, cujas profundezas seriam habitadas pela escória e vilania dos códigos algorítmicos que tecem o conjunto da Internet.

Mas eis que há quatro anos, vindo das profundezas dos abismos da Deep Web, de repente apareceu no 4chan uma imagem que dizia: “Olá. Estamos procurando indivíduos altamente inteligentes. Para encontra-los criamos um teste. Há uma mensagem oculta dentro dessa imagem. Encontre-a, e ela colocará você no caminho de nos encontrar. Estamos ansiosos para conhecer os poucos que conseguirão chegar ao final. Boa sorte. 3301”.

Esse foi o primeiro de uma série de complexos quebra-cabeças lógicos envolvendo criptografia, segurança de dados e esteganografia – o uso de técnicas para ocultar uma mensagem dentro da outra.

Depois de um beco sem saída que levava para a imagem de um pato, descobriram um link para o Reddit com imagens com símbolos estranhos, numerais maias chegando a um texto sobre o Rei Arthur de onde se extraia um determinado número de telefone com uma mensagem gravada com outro beco sem saída… 

“Paciência é uma virtude”

Mas perceberam que a altura e largura da imagem eram números primos que conduzia a um endereço onde era encontrada a imagem de uma cigarra (“cicada” em inglês) e um cronômetro em contagem regressiva. E uma mensagem: “paciência é uma virtude” – lição muito repetida pelo Cicada 3301. Ao zerar o cronômetro, surgiram uma série de coordenadas que levavam a 14 lugares, aparentemente aleatórios, espalhados pelo planeta nessas regiões: Varsóvia, Paris, Seattle, Arizona, Califórnia, New Orleans, Havaí e Sydney. Nos locais, cartazes colados em postes.

Para encurtar a descrição dessa jornada cripto-esteganográfica, essas 14 mensagens resultaram em duas, cada uma com um código para um obscuro manuscrito celta medieval (Mabinogion) e um poema de William Gibson (escritor e criador do conceito “cyberpunk”) chamado Agrippa, cujos códigos contidos nesses textos levaram a um endereço na Darknet que, depois de um determinado número de acessos, saiu do ar para sempre.

Até então, circulou muita especulação – o que era tudo isso: um nerd graúdo zombando de todos? Um ARG (jogo de realidade alternativa) de algo que ainda será lançado? Recrutamento novos cérebros para a NSA, CIA ou de algum grupo cyber mercenário? Ou toda essa massa de experiência e dados está sendo executada e  aproveitada por algum banco que trabalha com criptomoeda.

Cicada 3301: viralidade e replicação

O fato é que a partir de 2014 os novos enigmas adotaram uma temática cada vez mais mística: um livro ocultista de Aleister Crowley, um código cabalista de runas, um livro de Ralph Emerson sobre auto-suficiência e transcendência e um estranho livro chamado Liber Primus que diz que os números primos são sagrados e tudo é criptografado – a última página fecha com um “quadrado mágico”, cheio de números cuja soma de todas as linhas, colunas e diagonais dá 1033 (3301 ao contrário) cujo significado não foi descoberto até agora…

O “Cicada 3301” já foi chamado de “maior mistério da Internet” merecendo entrar na lista do Top 5 dos “Mistérios não resolvidos da Internet”, segundo o The Washington Post. O que primeiro chama a atenção nesse episódio é a sua dupla dinâmica de repercussão: viralidade e replicação.

Assim como previsto em 1947 por Gordon Allport e Leo Postman em sua “Psicologia do Rumor” o elemento ambiguidade é o fator multiplicador do alcance de um boato – a força impulsionadora do Cicada 3301 é o significado ambíguo: verdade ou mentira? Trolagem ou algo sério? O inesperado e o bizarro, aliás traço dominante dos vídeos virais do YouTube aos memes nas redes sociais, parece ser o combustível desse quebra-cabeças criptográfico.

Se a quebra da criptografia da máquina Enigma do nazistas pelo matemático Alan Turing na Segunda Guerra Mundial teve um propósito explícito e épico (a vitória dos Aliados num divisor de águas na História), com o Cicada 3301 o combustível que o alimenta também o dilui: a ambiguidade que o mergulha na banalidade de um evento sem sentido.

Ao mesmo tempo o seu poder de replicação: uma pesquisa rápida em sites nacionais e internacionais sobre o episódio, percebe-se a replicação dos mesmos textos e informações como, por exemplo, o suposto sumiço de pessoas nas redes após resolver determinados enigmas propostos pelo Cicada 3301. Abduzidos pela misteriosa organização? O novos recrutas foram para algum universo paralelo?

“I Did It!”

Mas o Cicada 3301 esconde um princípio minimalista que é a base da cultura narcisista e niilista dos tempos atuais: a filosofia do “I did it” (eu consegui!). Em uma série de crônicas de viagens do filósofo francês Jean Baudrillard sobre suas impressões sobre a cultura e cotidiano dos EUA (América, Rocco, 1986), ele definiu o espetáculo da Maratona de Nova York como o espetáculo do “I did it” – milhares de pessoas correndo sozinhas, sem o espírito da vitória, apenas para cumprir o trajeto e exausto despencar no gramado do Central Park e gritar: “Eu consegui!”. Cumprir o trajeto da maratona apenas como exercício de contraprova para si mesmo de que realmente existe.

Assim como centenas de dezenas de pessoas escalando o Everest para provar a si mesmas que pode fazê-lo – uma performance no vazio.

O Cicada 3301 parece ser um evento que se inscreve nessa mesma categoria: uma performance intelectual e lógica fetichista, de delírio no vazio, da exaltação de uma façanha sem consequência. 

Marcus Wanner

O vício de resolver coisas

Uma sensibilidade neobarroca, uma espécie de labirinto medieval (diferente do labirinto clássico grego onde o fio de lã é a solução para achar o caminho de volta). O Cicada 3301 parece um labirinto maneirista como múltiplas ramificações de uma árvore, propiciando o prazer em se perder e abandonar as noções de verdade, fidelidade ou originalidade.

A revista Rolling Stones de 15/01/2015 entrevistou dois hackers (Marcus Wanner e “Tekk” – paranoico com o Cicada, não quis revelar seu verdadeiro nome) que pertenceram à equipe #decipher, formada por prodígios da matemática entre 15 e 18 anos, dedicados a decifrar os enigmas do Ciccada.

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Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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