O Fies, Bolsa Família e o desemprego nos dados da Pnad Contínua

Do Valor

Fies, Bolsa Família e desemprego em queda
 
Por Denise Neumann

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), que traz dados do mercado de trabalho para o país todo com base em pesquisa domiciliar que entrevista a cada trimestre 211 mil casas em 3,5 mil municípios brasileiros, confirma o movimento de saída de pessoas do mercado de trabalho e reforça a tese de que ele está muito relacionado à busca de maior qualificação. Ao mesmo tempo, a Pnad Contínua permite novas hipóteses.

A saída dos jovens em busca de qualificação já estava bastante clara na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita nas seis maiores regiões metropolitanas do país. A nova pesquisa sugere que essa situação está espalhada pelo país e não é restrita aos grandes centros urbanos.

Estão disponíveis dados trimestrais da Pnad Contínua de 2012 e 2013. De acordo com ela, entre o segundo semestre de 2012 e igual período de 2013, 1,2 milhão de pessoas “desistiram” de procurar trabalho. Essa saída equivale a um aumento de 1,9% no grupo de pessoas em idade ativa (acima de 14 anos) que já se declarava nessa situação no segundo semestre de 2012.

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Dentro desse grupo que resolveu “dar um tempo” do mercado de trabalho, o maior crescimento disparado foi do contingente com ensino superior incompleto, ou seja, do grupo de pessoas que está cursando a faculdade. Nesse grupo, o crescimento foi de 12%, muito acima da média de 1,9%. Nesse grupo, a taxa de ocupação caiu 2 pontos percentuais, de 75% para 73%, sem aumento de desemprego.

A tese da influência da expansão do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) no aumento das pessoas que saem do mercado de trabalho foi levantada em um estudo dos economistas Aurélio Bicalho e Luka Barbosa, do Itaú Unibanco. Com base na PME, segundo eles, entre 2012 e 2013, a média de jovens de 18 a 24 anos fora da força de trabalho subiu de 1,58 milhão para 1,62 milhão, alta de 47 mil pessoas nas regiões metropolitanas. Quando a mesma comparação é feita com os dados da Pnad Contínua, o aumento é de 362 mil pessoas, passando de 6,7 para 7,1 milhões de jovens de 18 a 24 anos que saíram do mercado de trabalho. Proporcionalmente, o aumento desse grupo foi de 5,3%, maior inclusive do que o crescimento das pessoas com 60 anos ou mais que decidiram parar de trabalhar.

Os analistas do Itaú observaram que, desde 2010, a taxa de juros do Fies caiu de 9% para 2,4%, ao mesmo tempo em que os prazos de carência foram ampliados. Após as mudanças, o número de matrículas no programa saiu de 50 mil antes de 2010 para 556 mil em 2013.

Outros economistas associam o movimento de saída dos jovens ao aumento da renda dos pais, que teria permitido adiar o momento de procura de emprego. Os mesmos dados que sustentam a tese do Fies podem ser usados para argumentar nesse sentido, embora não existam ainda dados da Pnad Contínua para rendimento. Indo apenas até 2012, porém, os dados da Pnad indicam que na média o rendimento estava crescendo mais no conjunto do país (35% em termos nominais entre 2009 e 2012) do que nas regiões metropolitanas (alta de 31% na mesma comparação pelos dados da PME).

Enfim, tanto o Fies como o ganho de renda dos pais podem ajudar a explicar o adiamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho. Não são causas excludentes e é difícil separar qual tem exercido maior influência.

Em outro grupo, contudo, as razões da desistência são mais controversas. O Bolsa Família tem sido apontado, por políticos e economistas, como uma das causas do aumento do grupo de pessoas que desistiu de trabalhar (pelo menos por enquanto). Na média do Brasil essa teoria não encontra muito terreno para prosperar, pois entre os sem instrução e aqueles com ensino fundamental incompleto caiu o total de pessoas que saíram do mercado de trabalho. Ou seja, entre o grupo mais claramente identificado como beneficiário do Bolsa Família, que são as pessoas menos instruídas (historicamente existe uma forte correlação entre baixa instrução e pobreza), não cresceu o contingente de pessoas que pararam de trabalhar por vontade própria.

Detalhada por região, porém, a situação é um pouco diferente, pois no Nordeste e no Norte cresceu o total de pessoas sem instrução que saiu do mercado de trabalho. Nas demais regiões (Sudeste, Sul e Centro-Oeste), o total de pessoas analfabetas ou com baixa escolaridade que deixou de procurar emprego diminuiu.

É difícil – e talvez profundamente equivocado e preconceituoso- tentar estabelecer uma relação entre Bolsa Família e saída do mercado de trabalho. No Nordeste, por exemplo, em quase todos os grupos de escolaridade aumentou o número de pessoas que saiu do mercado de trabalho entre o segundo semestre de 2012 e o mesmo período de 2013. E, a exemplo do que ocorreu no resto do país, o maior crescimento de saída foi no grupo de pessoas com superior incompleto, onde se imagina que a maioria das pessoas esteja cursando uma faculdade nesse momento. E, por esse recorte de escolaridade, o único grupo onde caiu (0,7% de queda) o total de pessoas que resolveram se afastar do mercado de trabalho foi entre aqueles com fundamental incompleto.

O aumento dos sem instrução entre os que desistiram de procurar emprego pode estar, inclusive, relacionado às mudanças do Bolsa Família e suas contrapartidas. Desde fevereiro de 2013 (quando o programa foi modificado e ampliou o número de crianças e adolescentes por família desde que eles estejam na escola), cada família pode incluir até dois adolescentes na conta do benefício. E a Pnad conta como população ativa todos aqueles a partir de 14 anos.

A Pnad Contínua mostra, da mesma forma que as seis regiões metropolitanas, que o desemprego esteve em queda no Brasil nos últimos anos. Por essa nova pesquisa, a taxa nacional caiu de 7% na média do segundo semestre de 2012 para 6,6% em igual período do ano passado. Os primeiros dados para 2014 serão publicados no dia 3 de junho, após resolvida a polêmica causada pela decisão equivocada da direção do IBGE de suspender temporariamente a divulgação desse indicador.

Denise Neumann é repórter especial. Excepcionalmente deixamos de publicar a coluna de Cristiano Romero

E-mail: [email protected]

 

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