O novo ‘consenso de Washington’, por Rogerio Studart

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Ciro Daraujo

do Brasil Econômico

O novo ‘consenso de Washington’

Solução que foi proposta para melhorar a produtividade e a competitividade das economias da América Latina e do Caribe a região seria adotar mais “políticas de desenvolvimento produtivo”

Rogerio Studart

Um recente estudo, “Rethinking Productive Development: Sound Policies and Institutions for Economic Transformation”, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mostra que a produtividade e a competitividade das economias da América Latina e do Caribe têm caído de forma preocupante . Isto não é novidade. O que surpreende é a solução proposta: a região deveria adotar mais “políticas de desenvolvimento produtivo”. Ou seja, as políticas industriais voltam a ser parte de um “novo consenso de Washington”. Mas, no mundo em que vivemos, o que quer dizer isto? E o Brasil com isto?

Vamos retroceder um pouco no tempo. Nos anos 80 e até recentemente, passaram a prevalecer dois consensos nas instituições financeiras internacionais: por um lado as políticas industriais na América Latina nos anos 70 e 80 haviam fracassado “rotundamente”; e, por outro, a melhor política econômica para a região seria aquela que promovia estabilidade macroeconômica, reformas microeconômicas, e o menor intervencionismo possível. Quando comparavam os nossos problemas com o sucesso de economias do Sudeste Asiático, ressaltavam papel das medidas liberalizantes destas ultimas — e quase nada se dizia das políticas industriais. Quando “ocorreu” a China, por exemplo, apesar do ativíssimo papel do Estado chinês no financiamento e direcionamento do investimento, só se mencionavam as políticas de abertura comercial e atração do investimento estrangeiro. 

Com os anos, esse discurso tornou-se cada vez menos crível. Por um lado, economistas que estudaram profundamente os “milagres asiáticos” — como Alice Amsden, Dani Rodrik e HaJoon Chang, só para citar alguns — passaram a ganhar reputação ao desmentir a visão conservadora desses milagres. Esses autores mostraram, de forma conclusiva, que nem a Coreia do Sul, nem muito menos a China, para citar dois casos de êxito indiscutíveis, devem seu sucesso a fórmulas ortodoxas, mas a políticas industriais voltadas a criar uma base produtiva e exportadora que aproveitou amplamente a abertura comercial oferecida pelos Estados Unidos e outros países da OCDE, por razões estritamente geopolíticas. Esse “sacrilégio intelectual” desse grupo heterodoxo sequer poupou o supostamente liberal Chile pós-Pinochet: apresentaram evidências de que a política industrial naquele país foi fundamental para consolidar no mercado global setores exportadores de delícias chilenas (vinhos, salmões e outros frutos do mar) e setores intensivos em tecnologia — o que permitiu uma saudável diversificação do aparato produtivo chileno para além da indústria extrativa (especialmente cobre). 

Antes da crise de 2008, o ressurgimento do debate em Washington sobre as políticas industriais já havia sido iniciado. Interessantemente, Robert Zoellick, anterior presidente do Banco Mundial, e conhecido por sua visão republicana liberal, escolheu como economista chefe Jutin Yufi Lin — um chinês, profundamente convicto sobre a centralidade das políticas industriais no desenvolvimento econômico. É verdade que, como pude observar, as resistências internas às ideias de Lin foram grandes. Mas isso não impediu a proliferação de artigos e textos produzidos no Banco Mundial favoráveis a um papel mais ativo do Estado para promover o “desenvolvimento produtivo”, e enfrentar a crise mundial de produção (que agora é uma crise de emprego). Se muitos países em desenvolvimento ainda se sentiram cautelosos frente a esse novo consenso de Washington, as economias desenvolvidas não mostraram nenhuma timidez em acompanhar a nova onda — o que se comprava pelo número de programas de “apoio à reestruturação produtiva”, incluindo fortes componentes de financiamento direto (subsidiado) introduzidos pelas economias da OCDE (como já comentei em outros artigos nesta coluna). 

Nesse contexto, é significativo, mas não surpreendente, que o BID tenha aderido fortemente ao “novo consenso de Washington”, abandonando os já ultrapassados preconceitos em relação à política industrial. A abordagem é, entretanto, cautelosa, apesar de apontar para a necessidade urgente de avançar com “políticas de desenvolvimento produtivo” para romper com um circulo vicioso, prevalecente na região, de baixa produtividade, baixa competitividade e baixo crescimento. Como compatibilizar a cautela com o sentido de urgência? Segundo o documento, através de políticas que alavanquem as vantagens comparativas das economias regionais — e resistir a políticas abrangentes que sufoquem o livre funcionamento das forças de mercado.

É impossível ler esse documento sem pensar no debate atual no Brasil. Afinal, temos uma economia continental, comercialmente aberta e que passou por um processo acelerado de consolidação da classe mádia, não acompanhado pelo crescimento da sua produtividade e oferta doméstica (especialmente no setor manufatureiro). Em suma, temos um mercado doméstico altamente atrativo, com um setor produtivo doméstico vulnerável. Precisamos intensificar e, simultaneamente, aumentar a eficiência das nossas políticas de desenvolvimento produtivo e de atração de investimento privado, nacional e estrangeiro. E, para isso, necessitamos de um debate, isento de preconceitos, envolvendo setor privado, governo e academia. Neste ano, o calor eleitoral impede esse tipo de debate. Oxalá ele ocorra já no começo do próximo ano. É urgente.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O que não se vê no “liberal”…

    Começando pelas orações finais do autor:

    (…)E, necessitamos de um debate, isento de preconceitos, envolvendo setor privado, governo e academia. 

    Segue meu comentário preliminar:( não se ofendam, não se trata de grito mal educado)

    NÃO HÁ DEBATE ISENTO DE PRECONCEITOS, MORMENTE, ENVOLVENDO SETOR PRIVADO, GOVERNO E ACADEMIA.

    É preciso ter isso em mente. Nunca, jamais, enquanto permanecermos humanos – do jeito que conhecemos até os dias atuais – conseguiremos participar de um debate com estes  fundamentos almejados pelo autor. 

    Notemos bem! Nem mesmo o idioma – falado e escrito- está isento. Noutras palavras, NÃO HÁ possibilidade de emitir QUALQUER OPINIÃO, ou mesmo TESE que sejam ISENTOS DE PRECONCEITOS. 

    Dito isso, volto-me agora para o restante do texto.

    O autor parece ter abordado uma parte da história ( ou estória) do tal de “consenso de Washingnton.  Porém, defemos nos atentar para o fato de que dependendo de onde se olha o “consenso” se parece mais com “dissenso”.

    Poderíamos vê-lo assim: O consenso é  de Washington heim! Boa parte do “resto do mundo” pode ficar no dissenso, não importa. Aliás, a expressão “resto do mundo” é particularmente interessante por que pode nos trazer um outro “significado” além daquele apropriado pelas BABOSEIRAS da “ciência econômica”.  Um significado de “Resto” mesmo , no sentido pejorativo. O resto  é que se dane…

    Em suma, quando se percebe que assuntos com abrangência multilateral, multidisciplinar, multicultural envolvendo mega multi-intereses são tratados pelos “economistas”, principalmente os tais liberais, então meus caros, podem ter em mente que a liberdade será reduzida, o “multi” tornar-se  “minus”( aqui, o menos não é mais, é menos mesmo)…

    Por fim, no jogo de interesses – com o auxílio maciço das falácias – impera o consenso fajuto , de meia tigela, para enganar e cooptar desorientados ou como  cantiga de ninar para ruminante dormir

    Inté

     

     

     

     

     

     

     

     

  2. não há nutralidade, inclusive

    não há nutralidade, inclusive nas chamdas ciencias.

    imagine quando se trta da linguagem.

    batou pensar para escrever

    que voce já mudou o

    que está sentindo.

    experimente.

    concordo ue esese tal de consenso

    da matriz imperialista só pode

    trazer para nós o dissenso.

    questão de interesses, cara.

     

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