O sectarismo político do brasileiro

Sugerido por Jorge Furtado

Do Zero Hora

Cláudia Laitano: O país dos sectários

Anos atrás, deixei de assinar definitivamente uma revista de circulação nacional depois de ler um artiguete contra o diretor Cacá Diegues. Na época, o que me irritou no texto, além do despropositado tom de linchamento moral, foi o fato de o autor – não identificado, se não me falha a memória –  usar um assunto para, de fato, falar de outro. Cacá Diegues era esculhambado de forma covarde não pelo que faz (filmes),  mas pelo que pensa (sobre política).

Todo veículo tem direito de expressar claramente seu ponto de vista político e econômico em editoriais e em artigos sobre política e economia, mas quando tudo, do Carnaval ao joguinho de totó, é analisado a partir de uma determinada perspectiva externa ao objeto em si, a chance de se ser intelectualmente desonesto (e de se dizer bobagem) é muito grande. Vale para esquerda, direita e todos seus matizes ideológicos.

O episódio do cancelamento aconteceu já há algum tempo. De lá para cá,  o país de alguma forma mimetizou a revista. Ficamos mais sectários – ou pelo menos mais explicitamente sectários.  As redes sociais popularizaram uma espécie de pensamento acrítico, disseminado igualmente nos grandes veículos de imprensa, que se esforça para acomodar todos os fatos dentro de uma pauta política, faça sentido ou não. A forçação de barra pode ser pueril ou infame, mas em todos os casos empobrece o debate e desvia o assunto para longe do que devia estar sendo discutido. Na verdade, essa postura dispensa totalmente o debate: antes de saber do que estamos falando, todo mundo já escolheu seu lado.

Três exemplos apenas desta semana. Primeiro, o ridículo. O Ministério da Saúde lançou uma campanha de vacinação nas escolas contra o vírus HPV. Alguns médicos são a favor, outros são contra. Um típico debate em que o público leigo deveria abaixar suas orelhas e apenas ouvir os especialistas de um e de outro lado antes de tomar qualquer posição. Foi o que vários jornais fizeram. Para os que defendem o governo em qualquer situação, porém, a conclusão foi imediata: os jornais estavam ouvindo opiniões contrárias à vacina porque a campanha foi lançada por um governo petista. Simples. Debater para quê, doutor?

Dois exemplos infames. Nesta mesma semana, a deputada federal Manuela D’Avila e a atriz Letícia Spiller foram assaltadas. Em um giro impressionante de eixo de debates, a tragédia pessoal das duas foi usada para atacar suas visões pessoais sobre política e direitos humanos. Aparentemente, pessoas que preferem que criminosos sejam julgados e não linchados, que acreditam que presídios não deveriam funcionar como matadouros e que educação de qualidade pode tirar jovens do caminho do crime merecem ser assaltadas ou, no mínimo, deveriam aproveitar o infortúnio para reavaliar tudo o que pensam sobre justiça social.

É mais ou menos como dizer que a moça que usa minissaia estava pedindo para ser estuprada: pura e simples cafajestice.
 

Redação

7 Comentários

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  1. O mundo está ficando chato,

    O mundo está ficando chato, ou excessivamente democrático – todas as opiniões devem ser debatidas, é o que diz o texto.

    Imagina algo que pode ser decidido em 5 minutos demorar um eternidade se ouvirmos e debatermos do zero inicial quisquer argumentos. Vide a Justiça: processos que duram 20, 30 anos para serem julgados – é muita douta opinião e blá, blá, blá – é o lado chato da DEMOCRACIA – e nós adoramos blá, blá  e por isto não  a  aperfeiçoamos.

    Eu tenho um proceso trabalhista, que em essência foi um não pagamento de indenização por não cumprimento do acordo fabril, que vai para 18 anos – muita opinião prá lá e prá cá, muita PHD jurídico…..Em uma nova situação orientaria o executor fazer um mal acordo ou via CORRUPÇÃO tentar tirar alguma vantagem pois esperar blá. bla,…. vai a vida.

    No exemplo da vacina  acima o autor acha que os petistas se incomodam com opiniões médicas contrárias classificando-as como políticas – desculpe-me o autor, mas desde de 2002  tudo neste país é malfeito, lá fora é melhor, os governantes daqui são corrutos e os de fora não , o  SUS deveria ir para lata do lixo, fora PT, a economia todo o ano quebra, o bolsa-família é bolsa – preguiça ……como não ver opiniões sectárias ?

    Se um médico ou uma instituição indicou ou aprovou uma vacina,  deve se respeitar sua opinião médica – divergências de opinião são bem-vindas, de preferência antes da determinação de vacinar – jogar para os paios leigos decidirem se devem dar a vacina para os seus filhos é hipocrisia. Reclamar da Copa do Mundo de forma unilateral faltando pouco tempo para a sua realização é mau-caratismo.

    Vide o Congresso que não decide nada. O processo é lento e ritualizado para todos darem o seu pitaco; perde-se o momento e a emoção, fatores subjetivos importantíssimos no ato de regular e criar.

    O palhaço Tiririca, tido como um bom parlamentar, em uma entrevista manisfestou o desejo de não mais concorrer a nova legislatura, pois a tramitação de um processo apresentado leva anos e anos, todos tem que opinar e dar pitacos – conforme o Tiririca : é a regra do jogo e quem não concordar, que não jogue. E aí tome lerdeza e CORRUPÇÃO para diminuir os tempos de julgamento.

    O texto também fala das deturpações de opiniões provocadas pela mídia para atacar governantes, políticos,   assim conseguindo vender manchetes para os LEIGOS e para os eternos contra. Aqui no Nassif os posts neste sentido são corriqueiros.

     

     

     

      1. Para ser Aurélio não pode

        Para ser Aurélio não pode criticar falhas bobas nos outros e escrever portugues sem o acento.

        No fundo , errar não é correto, mas aqui o que vale é emitir uma opinião que possa ajudar a formar uma opinião maior. Porém o seu caso é denegrir seus companheiros de post, pois opinião parece que você não tem.

  2. “Todo veículo tem direito de

    “Todo veículo tem direito de expressar claramente seu ponto de vista político e econômico em editoriais e em artigos sobre política e economia, mas quando tudo, do Carnaval ao joguinho de totó, é analisado a partir de uma determinada perspectiva externa ao objeto em si, a chance de se ser intelectualmente desonesto (e de se dizer bobagem) é muito grande.”

    Bem assim mesmo. O posicionamento (contra ou a favor de algo), em muitos casos, já foi tomado antes da discussão surgir.

     

  3. Uma grande parte da mídia,

    Uma grande parte da mídia, tenta a todo custo implementar o pensamento único, e está quase alcançando seu objetivo.

  4. Há dois países. O Brasil das
    Há dois países. O Brasil das metrópoles, dos shoppings centers, urbano, megalônomo, que acredita em redes sociais e lê editoriais, e o Brasil fora das 200 maiores cidades que possuem acima de 200 mil habitantes.

    Nesse Brasil texano, a vida ainda não é mimetizada por redes sociais, as pessoas não sabem quem é o Ministro da Fazenda e muito menos o nome do Presidente do BC. Raras pessoas assinam revistas, e menos ainda as lê. Pouquíssimas possuem capacidade de decodificar manobras e jogadas ideológicas em editoriais etc.

    Portanto, todo este debate de redes sociais, de manobras de editorias, chega muito tênue ao Brasil profundo.
    Se por um lado demonstra nosso atraso cultural/educacional, por outro, nos vacina contra o veneno da mídia.

    O que conta nas pequenas cidades é a patrol nova, o asfalto, o emprego, os filhos que cada vez mais podem morar onde os pais nasceram, sem ter de ir viver nos subúrbios e regiões metropolitanas das capitais. A vida do prefeito, dos médicos, do juiz (quando há), do padre, rende mais conversa que taxas selic, AP 470, e outras pautas.
    A vida está presa à satisfação e percepção das necessidades básicas, e não se atinge o grau de abstração simbólico que demanda a vida num grande centro urbano. A “mãe preta” de Ary Barroso ainda está no cerrado, e, só quando os intelectuais se dispuserem a sair de suas cátedras em São Paulo e Rio, entenderão que há muito mais variáveis do que aquelas entre a Av. Paulista e a Vieira Souto.

    Se são sectários? São, pois todos se acham remediados, ninguém se vê como pobre. Todos bebem suas cervejinhas final de semana e comem churrascos sabáticos. Só quando são obrigados a transcender o local de origem é que se descobrem nos limites da precariedade. Assim, em atenção a tema do post, penso que esta sensação de auto satisfação do Brazil texano consigo explica um pouco este reacionarismo e certa ojeriza com teses que expõe, evidenciam, uma pobreza de meios que vivem em ignorar e escamotear.

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