Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Pequeno e Irônico Dicionário para Aspirantes ao Mérito-empreendedorismo, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Ok, vocês venceram! Por isso, o “Cinegnose” vai dar uma ajuda aos aspirantes e adeptos da nova religião do mérito-empreendedorismo (meritocratas + empreendedores) desse admirável mundo novo, no qual maquininhas de crédito e débito substituíram a Carteira de Trabalho por meio da inabalável fé de que, um dia, a força de trabalho se transubstanciará em Capital. Para entender esse Mistério da transubstanciação de uma categoria econômica em outra (que se equivale ao da Santíssima Trindade ou da própria redenção de Cristo) é urgente dominar o jargão hermético dessa seita – “foco”, “nicho”, “aplicativo”, “sustentabilidade”, “agregar”, “gestão”, “inteligência” entre outros termos aparentemente inescrutáveis. Bem vindo à Metafísica da Teologia desses novos tempos, através do “Pequeno e Irônico Dicionário para Aspirantes ao Mérito-Empreendedorismo”.

Obs.: o símbolo (⏎) nos verbetes representa que o termo é abordado especificamente em verbete próprio.

-A-

Acelerar: mérito é uma questão de performance. Melhor que a velocidade é a aceleração: quintessência do desempenho, espécie de marketing pessoal do cara bem sucedido – no final de semana acelerar uma Kawasaki Ninja na Rodovia Castelo Branco trajando um conjunto Fox Racing como definitiva prova de mérito. Não basta ser bem sucedido, é preciso acelerar. Mesmo que de fato não seja um vencedor, mas, afinal, na competição meritocrática o efeito (ou a aparência) antecede a causa. Como nos mostra diariamente o prefeito mérito-empreendedor João Doria Jr. “Acelera São Paulo!”, o slogan político que presta homenagem a esse verbo transitivo. 

Agregar: O efeito é fundamental para o mérito-empreendedor. Por isso agregar é a essência do trabalho imaginário dele: agregar valor é mais importante do que o valor do produto em si. Gestão metafísica mercadológica – uma bike é uma bike: mas se agregar o valor do “menos é mais” vira bike fixa… ou, então, retrô. Uma coxinha é uma coxinha. Mas se for recheada com frango orgânico através de parceria(⏎) com um produtor sustentável (vide verbete “Sustentabilidade”) então agregou-se valor: foi gourmetizado.

Aplicativo:  é o ícone da sub-religião dos gadgets. Pode ser tanto a ideia do empreendedor(⏎), a Startup ou o produto consumido pelos adeptos dessa nova religião. Aplicativo funciona como uma varinha de condão, capaz de sobrepor-se, como fosse uma camada de realidade aumentada, sobre o caos e o imprevisível, transformando ícones e botões em aparência de controle sobre a vida. É também a varinha de condão que promete solucionar os problemas públicos que o Estado ineficiente não resolve: aplicativo de saúde, aplicativo de transporte público etc. Sem Estado e parida pela genialidade de empreendedores, é limpa da corrupção. Por que é tecnológica. Tão limpa como uma bitcoin nas plataformas tecnológicas em transações econômicas mágicas na sombra do espaço digital.

 

-B-

Brasil: sempre com grandes oportunidades  e o eterno país do futuro. Não fosse a corrupção e a baixa consciência empreendedora, seria um lugar de primeiro mundo como Miami(⏎).

-C-

Crise: oportunidade. Desde que você esteja focado no nicho() certo. Por isso, a crise atinge sempre o outro, mas nunca você próprio. Crise só existe no Governo e na Política. No mercado(), crise é oportunidade para se reinventar(), sair da zona de conforto(), ser mais focado (vide “Foco”), empreendedor(). O leitor já ouviu falar que a palavra “crise”, em chinês, significa “risco” e  “oportunidade”? Se não, precisa ouvir mais palestras motivacionais para mérito-empreendedores.

Consumidor engajado: é aquele que vive no nicho que será descoberto pela mente focada do empreendedor(), fazendo-o superar a descontinuidade (vide “Descontinuar”) dos lucros provocada pela crise(). Consumidor engajado é o consumidor que não consome o produto em si, mas o que foi agregado ao produto (vide verbete “Agregar”).

Cool: expressão de origem inglesa que designa valor agregado satisfatório que vira um hype no mercado. Aquilo que merece ter o cardinal “#” (Hashtag() e vira trend topics. Tudo muito “cool”!

 

-D-

Desafios: sempre no plural. Aquilo que faz você sair da zona do conforto(). Como mantra neurolinguístico ou de positividade da autoajuda, a negatividade das crises (o desemprego, a demissão, o fracasso, a falência do empreendimento) será vista positivamente como desafios para intensificar o seu poder de foco. Lembre-se: crise()  tem a ver com Governo, Política e Economia. No mercado chama-se desafios.

Descontinuar: Nenhum empreendimento fali; nada acaba, termina, cessa. Tudo é apenas descontinuado – enquanto “acabar” significa finalizar, “descontinuar” significa interrupção, variação. Assim como o gerundismo, almeja criar um efeito de processo ou de momentos de variações num continuo. Não há História ou Sociedade que crescem e morrem no Tempo. Apenas um eterno presente extenso. Será que morrer também é decontinuar? 

Desempregado: Empreendedor().

Disparar: em épocas menos meritocráticas falava-se “vou enviar um e-mail”. Agora, diz-se “disparar e-mails”. Termo que surgiu dos tempos do famigerado E-mail Marketing cujos programas disparavam e-mails 24 horas por dia. Por isso o verbo disparar passou a conotar a intensidade do trabalho de um gestor ocupado. Lembre-se sempre disso: para o mérito-empreendedor o efeito antecede a causa. 

-E-

Empreendedorismo: corrente de pensamento místico-econômica que acredita no milagre da transubstanciação secularizada – se você estiver focado suficientemente a força de trabalho se converterá em Capital.

Empreendedor: crente e militante do pensamento místico-econômico do Empreendedorismo().

Então… É assim…: expressão fática utilizada bastante por gestores (vide verbete “Gestor”) e empreendedores. Muito utilizada em momentos onde o gestor deve justificar ao colaborador o porquê dele se tornar, em futuro próximo, mais um empreendedor() – vide o verbete “Desempregado”. Desprovido ainda da crença místico-religiosa do Empreendedorismo(), o colaborador tende a tornar-se tenso e amedrontado diante dos futuros desafios(). Daí a necessidade do uso didático de expressões fáticas para a conscientização do colaborador/empreendedor() sobre os novos tempos.

Estado: igual a Governo ou Ideologia. Entidade que atrapalha o empreendedor(com impostos sempre excessivos. Por isso o Estado tem que diminuir, até ser reduzido a serviços mínimos como saúde, educação e segurança – conjunto mínimo de serviços que objetivam dar conta (ou conter) daqueles ainda desprovidos de consciência empreendedora, os chamados “pobres”. Numa projeção utópica, no dia em que toda a sociedade tiver essa consciência, o Estado desaparecerá!

 

 

-F-

Fazer a diferença: é aquela contribuição única, no momento certo, do mérito-empreendedor que gera resultados esperados. Na mística do Empreendedorismo é a crença de que em uma única ação, o Todo será alterado: um gesto de amor, plantar em um vaso, ir de bike para o trabalho. Pequenos gestos fazem a diferença. “Eu fiz a minha parte”. O Empreendedorismo crê que o Todo é a soma das partes: a soma das pequenas diferenças mudará, enfim, o mundo. No pensamento científico isso já foi desmentido como, por exemplo, na Gestalt. Mas o Empreendedorismo() é místico-religioso: assim como naquele momento da diferença na qual a força de trabalho se transubstanciará em Capital, também cada pequeno gesto somado mudará o Todo.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

19 Comentários

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  1. Piso Salarial

    Quando a unica compreensão de um pensador é a batalha progressista do piso salarial da categoria, ve se como é simples criar um texto como este.

  2. o pequeno….

    Mérito-Empreendedorismo. E eu pensando que era nisto que se baseava este veículo quando pede que sejamos seus colaboradores e clientes? Entendi errado? Ou Luis Nassif tenta empreender com um novo canal de comunicações que se distingue de grande parte da viciada imprensa nacional? Como fazer isto? Mostrando seus méritos como Jornalista através de um veículo imparcial, quando preciso, ou parcial, revelando melhores caminhos e armadilhas escondidas e fantasiadasde boas intenções. um novo caminho aberto para discussões e questionamentos. Quanto ao Estado inchado,  Estado Mínimo ou Estado  contra a Livre Iniciativa é uma invenção da Nossa Elite AntiCapitalista Esquerdopata. O Estado poderia e deveria ser o maior alavancador da Economia Nacional. Tem o Poder de 200 milhões de pessoas, dentro do Território Continental mais rico e próspero do Planeta. Mas para que produzir Capital tendo a firme convicção AntiCapitalista? Vejamos, da mesma forma que precisamos de assinantes do nosso veículo de comunicações para subsidiar e sustentar a manutenção dele e seus colaboradores? Mas continuamos querendo reinventar a roda.       

    1. Ou tu és retardado ou mal intencionado.

      Alguma vez o Nassif escreveu ao contrário, negando a livre iniciativa?

      Tu te apegas a um texto de opinião, de um dos colaboradores do blog e usas como fosse ideia do Nassif.

      No mínimo, desonestidade intelectual da tua parte. Ou não leste o texto, ou tens problema de interpretação, ou és mal caráter mesmo.

      1. ou…..

        Como eu escrevi, Luis Nassif usa da meritocracia adquirida de anos de experiência como Profissional de Jornalismo para escrever e manter aberto este espaço capitalista de notícias e informações. Espaço que possibilita a intervenção de comentários de seus clientes, contribuintes e leitores. Para tanto vende espaços publicitários e assinaturas. Seus méritos como Jornalista, Empreendedor e Adminsitrador de Empresas garantirá seu sucesso e manutenção da sua empreitada. Onde está a desonestidade intelectual ao mostrar a contrariedade da matéria que só foi possível de realização por antagonizar sua própria tese? 

        1. Burrice e mau caratismo ! Os dois!

          È raciocinio TOSCO mesmo, cérebro de MACACO! Obviamente que estando na guerra, você nunca vai poder estar desarmado!  Se eu jogar o mico Zé Sergio com a “farda” característica do ISIS, não vai adiantar ele pedir para o exercito imperial aguardar ele explicar que é paga pau do sistema financeiro!  

          Obviamente vivendo nesta jaula que se transformou o brasil, todos tem que colocar “abunda na janela” para manter suas vidas!

           

  3. Quem não se comunica, se trubica!

    Se enviar isso para esse pessoal que acredita com fé que se deixar de comer gluten vai ser feliz, saudavel e magro; pode gerar confusão, tatibitate na cabeça da geração tablet. Os coxinhas não suportam ser confrontados com suas invenções vazias de conteudo. Tudo é imagem, tudo é marketing, é gourmet, é chic, é preto ou branco. 

  4. Então!

    Conseguiram assassinar o gerúndio, uma das mais belas passagens da Língua Portuguesa!

    E tem também o tal do diferenciado! Uma forma sincopada de se dizer diferente + melhorado! Eta palavrinha que me dá azia!

    Sem contar que “transportadora” virou “empresa de logística”! Quer dizer, não sou mais eu quem precisa saber quando e onde devo colocar minha mercadoria: o transportador faz isso! É o transportador é que sabe  da “minha logística”!

    E ainda vemos a tal “soluções em isso”, “soluções em aquilo”. Onde antes se tirava “xerox”, hoje é “soluções em documentos”! Imobiliária virou “soluções em imóveis”! Aluguei uma casa na “Soluções em Imóveis Santa Enriqueta do Jocorocumba”!

    O “sentido figurado” das palavras – ou metáfora – se transfourmou em “falsa percepção da realidade”!

    E tem uma tal “neurolinguística”, também, que deve ter alguma influência no contexto!

    P.S.: Eu queria saber quem foi o “coaching” do Bil Gates ou do Carlos Slim! Ou do Zuckerberg! O dos caras da carne e da cerveja eu sei: foi o BNDS!

  5. O que é isso?!

    “Nenhum empreendimento fali; nada acaba…”

    Mais cuidado com o vernáculo, por favor.

    O verbo “falir” é defectivo: a terceira do singular do presente do indicativo não existe.

    Ou faz parte da graça?

    A metalinguagem foi longe demais.

  6. Faltou acrecentar um ítem na

    Faltou acrecentar um ítem na letra B:

    Buceta: se for jovem, arrojada e não tiver nojo de um ladrão velho, asqueroso e mal-cheiroso, você pode usar a buceta para se transformar em 1a. dama como fez a empreendedora Marcela Temer.

    1. rs…

      Compartilho da sua violenta indignação, caro Fábio.

      Mas será que já não tem um termo da moda para “buceta”, em inglês ainda por cima: network.

      – “Argh! A festa cheirava a naftalina. Não sei como você aguenta essa velharada porca…”

      – “Network, minha filha, network com sex appeal, hihi… E afinal não preciso nem fazer sexo, sou apenas uma vitrine. E acho isso ótimo, tem melhor que isso?”

  7. Muito bom o post. Sou

    Muito bom o post. Sou professor de administração.  Conheço bem toda essa mise en scene do mundo do empreendedorismo, principalmente do  “emprecariado”, pseudo-empreendores que são, na verdade, apenas desempregados lutando por uma renda minimamente digna. Por isso elegi como minha missão principal trazer meus alunos para a realidade, sem desanimá-los, mas dando minha contribuição para que mantenham os olhos abertos e os pés no chão. Recomendo as obras de Richard Sennett, principalmente “A Corrosão do Caráter”, clássico absoluto sobre o tema.  

  8. Escravidão financeira.

    O sistema financeiro está escravisando o mundo através desta fé! Todos viraram cavalo de carreira em uma corrida onde o sistema financeiro sempre ganha! Henry Ford avisou! No brasil, Gustavo Barroso avisou!

    Hitler foi o único que teve coragem de enfrentar esta lógica, e a história tratou de reduzi-lo a um mero racista, sem levar em consideração sua real luta. Quantos milhões o financismo, com sua violência estrutural, assassinou pelo mundo nos últimos 70 anos?

    “Estamos lutando contra dinastias financeiras, lutamos contra a plutocracia. O mundo pode escolher:ou todo poder ao capital, ou a vitória do trabalho”. Adolf Hitler.

    O “humanismo” e o “republicanismo” da esquerda brasileira escolheu seu papel ! Não adianta reclamar. A unica oportunidade de vencer esta lógica, perdeu a guerra a 70 anos!

    É improvável, para não dizer impossível que outra força possa combater o financismo com a mesma capacidade que o Nacional Socialismo o fez! 

     

     

  9. Pois é…

    O certo é todo o mundo se empregar no Estado. Mas por que diabos o Estado nunca tem vagas para todo o mundo?

    Deve ser porque os empreendedores nunca proveem o suficiente para o Estado. Malditos empreendedores! Mas por que eles não proveem o suficiente?

    Deve ser porque estão tentando arrumar uma boquinha no Estado ao invés de empreender.

  10. Faltou acrescentar que a

    Faltou acrescentar que a maioria deles busca na maçonaria sua âncora.

    Ou seja os “meritocratas” tem como “alicerce” de seu “sucesso” a auto-proteção de uma confraria, que avança seu poder através da negação do mérito, o favorecimento mútuo entre seus membros.

    Até para consumar o golpe de 2016 lançaram mão da maçonaria. Nem como golpistas tem mérito.

    1. Perfeito Lauri

      Eles inclusive decidem onde fulano ou beltrano vai atuar dentro da justiça! Pessoalmente acredito que os concursos são viciados e aida decidem quem fica e quem não serve depois dos periodos de experiencia!  

  11. Lá e cá

    Muito bom! rs… Mas senti falta da nova palavra da moda, mais moderna até que pizza de picanha e salada de rúcula com tomate seco e mussarela de búfala, mais “gourmet” que cachorro-quente prensado na Kombi dos Jardins, mais fina do que comprar calça de brim que já vem rasgada, superando até o “glamour” de ser motorista de taxi da Uber: “desestatizar”. Só archaicos (com “ch” mesmo, de tão velhos) e comunistas dizem “privatizar”. É que “privatizar” já estava muito desgastada, vilanizada e afinal para que serve a obsolescência programada?

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