Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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O Plano Real e os economistas de mercado, por André Araújo

Por André Araújo

Em meados da década de 1940, um fulgurante debate sobre o destino econômico do Brasil foi travado entre dois grandes pensadores, o empresário e intelectual Roberto Simonsen, formulador de um projeto de desenvolvimento do País através da industrialização, e Eugenio Gudin, criador da primeira escola de economia do Pais, que pensava o Brasil como uma economia basicamente de bens primários acoplada aos países centrais que seriam seus compradores de commodities e fornecedores de bens industriais.

Esse grande debate ideológico atravessou as décadas seguintes, com uma corrente pró industrialização e outra menor, que pretendia manter o Brasil como economia subsidiária dos países industriais, tendo Simonsen sido substituído por Celso Furtado e Gudin por Roberto Campos, a grande controvérsia durou 50 anos.

Com o Governo Collor, que abriu indiscriminadamente as importações e principalmente com o Plano Real, venceu a visão anti-industrial e a favor de um projeto de País voltado à exportação de bens primários, iniciando uma etapa consequentemente de baixo crescimento e futuro incerto para o País, todos os grandes emergentes são FORTEMENTE INDUSTRIALIZADOS, e o Brasil em 1970 era mais industrializado do que a Índia e a China.

O Plano Real teve como base apenas a estabilidade monetária como um valor em si mesmo, sem ligação com um projeto de desenvolvimento do País. Seus formuladores eram economistas monetaristas que atribuiam à moeda a totalidade da política econômica, sem outras metas ou valores. Nasceu dessa fase o grupo predominante da ciência econômica no Brasil, os chamados “economistas de mercado”, profissionais que se preocupavam exclusivamente com a moeda e seus instrumentos, desligados das grandes questões da produção, do emprego, de um projeto de desenvolvimento do País, aí incluindo uma política social e outra de ciência e tecnologia.

Enquanto ouros grandes emergentes, como Índia e China, definiam trajetórias de projeto nacional autônomo baseados na produção e na criação de empregos, onde a moeda seria apenas um instrumento e não o centro da política econômica, o Brasil tomava caminho oposto, desindustrializando-se velozmente.

A predominância dos “economistas de mercado” cuja catedral de pensamento é a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC-Rio, tem um resultado prático na dominância da tese dos juros altíssimos para combater a inflação e a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio para manter o Real artificialmente valorizado.

Ambas teses são frontalmente anti-industriais, a indústria reduziu à metade sua participação no Produto Interno Bruto, exatamente porque o câmbio artificialmente valorizado tornou as importações de quase todos os produtos mais vantajosas do que o produto nacional e ao mesmo tempo liquidou com a capacidade competitiva dos produtos industriais brasileiros, com exceção de certas cadeias intra-companhias onde a subsidiária brasileira fornece peças e componentes para o mesmo grupo em outro País, baseados geralmente em incentivos fiscais dados no Brasil.

Na imprensa econômica, de cada 100 entrevistas de economistas, 98 são de “economistas de mercado”, dada a extinção ou enfraquecimento dos economistas da produção que abundavam no Brasil entre 1945 e 1994. A espécie desapareceu como voz na mídia e presença nos governos, enquanto a linguagem anterior era de “sacas de café, toneladas de aço, numero de vagões, unidades de televisores, frotas de caminhões”, hoje a ÚNICA linguagem é a de “metas de inflação, juros, câmbio, swaps cambiais, hedge, emissão de bonds, leasing, COPOM, private equity”, não existe mais menção à produção física, como se essa fosse desimportante ou dispensável.

Equipes econômicas de economistas de mercado vão concentrar toda sua força política em manter os juros altos para combater a inflação, medida que na teoria clássica visa a lutar contra o excesso de demanda que simplesmente não há em crise de profunda recessão, causando no caso do Brasil um mega déficit financeiro com o pagamento de juros pelo Tesouro, maior despesa pública entre todas e com diárias intervenções no mercado de câmbio para manter o Real valorizado e com isso tentar atingir metas de inflação a qualquer custo, inclusive da destruição de milhões de empregos e empresas. Essa política absurdamente equivocada não tem paralelo em outros grandes emergentes e serve exclusivamente ao mercado financeiro, essa poíitica é a CAUSA DA RECESSÃO em primeiro lugar.

A China e a Índia se tornaram potenciais exportadoras de produtos industriais através da DESVALORIZAÇÃO DE SUAS MOEDAS, nós fazemos o contrário e pior, as intervenções do Banco Central no mercado de câmbio custaram em 2015 R$156 bilhões que, somados aos juros da dívida pública, fazem o Tesouro perder R$750 bilhões em um único ano fiscal, enquanto se discute uma CPMF que pode gerar no máximo R$40 bilhões ou menos em uma base tributável declinante de transações bancárias, perdemos no Brasil as noções de grandeza, parece que R$10 bilhões é mais importante do que R$750 bilhões.

Uma política econômica de “economistas de mercado” será um desastre político inigualável para qualquer governo, vai aprofundar a recessão e a expectativa de novos investimentos pela “recuperação da confiança” é mera ficção, o que atrai investimentos PRODUTIVOS é a existência de DEMANDA e não cortes de gastos, que são necessários mas não o elemento detonador do fim da recessão. Os “economistas de mercado” estão acostumados a pensar em investimentos exclusivamente financeiro, de capital especulativo, que entra e pode sair em um dia, eles não pensam em investimentos produtivos que formam ATIVOS FIXOS no País e não podem sair facilmente.

Chamo a atenção para uma deturpação das estatísticas do BC relativamente ao registro de capitais estrangeiros que ilude o público. No item de IED-Investimentos Estrangeiros Diretos, confundido de propósito com investimento produtivos, a esmagadora maioria é investimento puramente financeiro que se faz via PESSOA JURÍDICA brasileira, e não em nome do investidor estrangeiro, dando a impressão que é investimento produtivo, é apenas impressão, é dinheiro que entra para bolsa e renda fixa e sai apertando botão de mesa de operações, esse é o que está vindo ao Brasil e não investimento em novas fábricas e projetos de desenvolvimento, quando se fala em IED quase todos pensam em investimentos produtivos, quando é apenas investimento financeiro disfarçado.

O Brasil não sairá da recessão com a política conduzida por “economistas de mercado” e o que vem por aí parece tropa de choque da espécie mais violenta que o mercado pode oferecer. O ambiente social simplesmente não tem espaço de tolerância para uma política dita de “ajuste”. O “ajuste” é necessário, mas deve ser feito com crescimento porque o ajuste precisa de mais e não menos arrecadação de impostos, mais recessão significa menor arrecadação, o que torna o ajuste inviável.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

16 Comentários

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  1. Arrocho

    Se tivermos um arrocho histórico e houver reação, isso será bem vindo.

    A idéia é deixar todos no chão e destruir os meios que foram usados neste período que termina.

    Com uma reação, se apresentará o inimigo para ser combatido e justificar medidas mais duras. Inclusive do ponto de vista político.

    Qualquer oposição/crítica será desqualificada como defesa do periódo anterior.

    A idéia, agora, é terminar o serviço do Real e acabar com qualquer chance de reação depois.

    1. Arrocho nos olhos dos outros é colírio em meus azuis

      Que ótimo: a purificação da mão invisível do laissez-faire será a força redentora de nosso país.

      A propósito, hoje é segunda-feira. Pelo visto, você não tem nenhuma conta pra pagar, ou não necessita negociar capital de giro de sua metalúrgica, não?

      Vai passar em sua agência Personnalité no Shopping Iguatemi para ver o saldo de seus multiplos investimentos?

       

  2. André Araújo, vc acerta no

    André Araújo, vc acerta no diagnóstico mas erra na prescrição.

    Volte a Eugênio Gudin e Getulio Vargas, quando ainda antes dos anos 50 (não sei exatamente o ano), fecharam as escolas de administração no Brasil, só reabertas na década de 80. Não se formou administradores. Os bons e grandes gestores que tivemos ou eram self made man ou estudaram no exterior ou foram educados dentro das grandes empresas, principalmente estrangeiras. Não formamos gestores, apenas economistas, e estes inundaram a burocracia estatal e as grandes escolas e se tornaram os “fazedores” da nossa política economica.

    Esses economistas não planejaram o futuro, não criaram metas e objetivos (a não ser inflacionária) e não trabalharam com prioridades, todas muito caras a um administrador. O fracasso está aí! Afinal, tudo que China e Índia vivenciaram após 2000, nós havíamos vivenciado 30 anos antes. Era pra estarmos muito na frente deles. Mas, lembre-se de Simonsen (Mario Henrique), Delfim, Veloso Lucas….todos economistas que só olhavam a radiografia e não o processo, o todo, o conjunto e como chegar ao futuro da melhor forma. Nunca foram cobrados ou tiveram responsabilidades com o fracasso. Vieram todos da academia ou de estrutura governamental, não sabem delegar, ouvir, definir prioridades e, principalmente, administrar.

    espero, sinceramente, que mude com Meireles. Seria o primeiro ministro da Fazenda administrador (tivemos o médico Pallocci) em muitos e muitos anos. Chega de economistas como Dilma, Aecio, Mantega,….precisamos de administradores que vejam o todo e, a partir das prioridades trabalhe para o crescimento sustentado.

     

    obs. Ninguém invetsira em fábricas aqui enquantonossa ociosidade estiver próxima dos 50%. Pense nisso!

     

    1. Meu caro, não faço nenhuma

      Meu caro, não faço nenhuma prescrição, esta  pela sua complexidade necessita de espaço maior que um artigo, faço apenas uma analise de historia economica recente segundo meu conhecimento e minha experiencia.

  3. E os coxinhas querem um

    E os coxinhas querem um câmbio barato demais e eles nem sabem que estão pondo em ricso seus próprios empregos e de milhões de pessoas.

  4. A revista EXAME e Época

    A revista EXAME e Época colocam na cabeça da maioria da classe média que esse monetarismo sem desenvolvimento é o modelo perfeito para o Brasil.

  5. E acrescento que o predomínio

    E acrescento que o predomínio dos economistas do mercado na imprensa teve duas grandes colaborações: a própria grande imprensa e seus jornalistas tipo Sardenberg; a academia na área de economia, que deixou de pensar o desenvolvimento do Brasil e passou a valorizar apenas a publicação de artigos no exterior e os rankings internacionais.

  6. A volta dos que não foram

    Realmente, no período do governo Dilma, “agentes de mercado”, apoiados pela imprensa e outros setores da sociedade, tentaram colocar por terra todo o projeto de desenvolvimento sustentável que os governos de esquerda do PT implantaram. Parece que estão conseguindo. Esse é o país que eles querem, boicotaram o governo e a nação.

  7. André,
    Muito bom o

    André,

    Muito bom o post.

    Concordo plenamente com você e tenho certeza que o Nassif também.

    A politica neoliberal não se sustenta.

     

     

     

     

     

     

     

  8. Na minha opinião, se não

    Na minha opinião, se não fosse JK e sua política de deixar o Brasil um país industrializado, o país talvez nem tivesse tido qualquer indústria, seria tão-somente um exportador de commodities até hoje . Aliás, JK deve rolar no túmulo de raiva vendo o que esses economistas de mercado vêm fazendo com a indústria no país. 

  9. Mas se é isso…

    Mas se é isso… que está derrubando a Dilma, apesar de outros erros, quando ela tentou fazer a queda dos juros em 2012.

    Sendo essa condição para re-industrialização do país, acredito depois do que estamos vendo nenhum outro governo tentará mudar o foco, estamos regredindo aos anos 94.

    Interessante que vem com o apóio de varias “associações industriais”, o que prova que hoje, mesmo os industriais tem sua veia(ligação) com o mercado de juros.

     

  10. É uma barbaridade meu xará.
    É uma barbaridade meu xará. Tudo é tão surreal nesse país que o investimento estrangeiro não paga um tostão de imposto de renda sobre os lucros nas operações financeiras. Entra, ganha dinheiro e sai sem pagar nadinha, nem um cafezinho no buteco. Já o investidor nacional paga tudo. Não é a toa que os capitalistas nacionais externalizam seu capital para internalizá-lo maquiado de investmento estrangeiro. E mais vantajoso ser estrangeiro que brasileiro.

  11. Você se lembra da reserva de mercado da informática?

    Você se lembra dos “gloriosos” anos 80, tempo da reserva de mercado de informática, quando o Brasil fabricava os piores e mais caros computadores do mundo? Todo o mundo comprava o seu computador no Paraguai. É a esse tempo que você quer voltar? Se você afirma que os anos 90 inicaram uma etapa de baixo crescimento e futuro incerto, fico curioso por saber a sua opinião sobre os anos 80, última década de nacional-estatismo. Eu me lembro da conversa que tive à época com um colega que estagiava na Cobra Computadores. Ele contou que fez uma planilha de custos simples dos componentes de um computador que era vendido pela Cobra na época, e constatou que o preço de venda não cobria o custo. Perguntou ao chefe dele como tal coisa era possível, e ouviu a resposta: é simples, nós vendemos mas não entregamos. Como todas as estatais eram obrigadas a só comprar da Cobra, aí já viu.

    É como aquele pai que compra o botequim para o filho, compra os estoques e ainda vai lá beber cachaça para que o filho tenha faturamento. Esse modelo simplesmente não funciona!

    Ao mesmo tempo em que o Brasil fabricava esses computadores inviáveis e caríssimos, os novos países industrializados da Ásia lançavam no mercado computadores tecnologicamente avançados e mais baratos que aqueles fabricados nos EUA. Isso porque o modelo deles sempre voltado à exportação, e não à reserva de mercado. Só exporta quem faz melhor e mais barato. Desvalorização da moeda, você diz? Isso é uma meia verdade. A desvalorização da moeda, em teoria, torna as exportações mais competitivas, mas você se esquece que os produtos nacionais também contam com numerosos componentes importados em sua planilha de custos. Se o dólar sobe, o custo de produzi-los também sobe. Até a soja do planalto central depende de óleo diesel importado para chegar ao litoral.

    Não há nenhuma dicotomia entre monetaristas e desenvolvimentistas. O monetarismo é o bê-a-bá, querer o desenvolvimento sem a saúde financeira é o mesmo que querer aprender trigonometria sem haver aprendido aritmética antes. O mais é teoria conspiratória.

    1. A SEI-Secretaria Especial de

      A SEI-Secretaria Especial de Informatica tinha uma logica de criar um nucleo de tecnologia e formação de tecnicos no Brasil,

      não era uma tolice, Coreia do Sil, Taiwan, China e Tailandia começaram do zero suas industrias de informatica, a SEI cujo primeiro titular foi meu saudoso primo irmão Octavio Genari Neto, que tinha sido CEO da IBM do Brasil, tinho objetivos perfeitamente racionais no contexto da época.  Todos os paises industrias APÓS a revolução industrial na Inglaterra começaram com proteção de seu mercado interno, sem o que não se industrializariam, foi uma etapa classica adotada pela Alemanha a partir de 1870, pela Italia a partir de 1890, o sproprios EUA foram protecionistas quando começaram sua industria siderurgica , o Brasil só teve industria a partir da Lei do Similar Nacional, que era defendida pela Divisão Industrial da CACEX, chefiada por Namir Salek, com o qual tive terriveis desavenças mas que tinha por missão defender a industria nacional. Nenhum Pais é inteiramente ABERTO à invasão de produtos estrangeiros, nem os EUA e hoje uma das plataformas do candidato Donald Trump é combater a importação indiscrimada da China que liquidou com boa parte da manufatura americana, se Trump tem apoios é porque muitos americanos perderam seus empregos por causa de auma abertura exagerada. A China é a primeira a proteger sua industria, não aceita soja processada no Brasil, prefere importar

      soja in natura e dar emprego na China para seu beneficiamento. A tese de mercados absolutamente abertos tem tido enormes contestação em muitos paises e tem sido a base da emergencia de novissimos partidos e movimentos policos..

      1. Mas então…

        Mas se Coréia do Sul, China e Taiwan começaram do zero sua indústria de informática, por que eles hoje exportam computadores enquanto nenhum dos fabricantes que tínhamos à época da SEI existe hoje? Eles não fizeram a mesma coisa que fazíamos na época?

        Ou será que existe uma diferença importante entre o nosso modelo e o modelo deles, que não está sendo citada aqui?

  12. Surrealismo Total

    A máxima sandice eu li há poucos dias, no auge da votação do impedimento da preseidenta. A CNI defendendo a mudança na Lei de Partilha do Pré-Sal, o que implica a flexibilização ou anulação da exigência de conteúdo nacional, e consequentemente a destruição de boa parte da cadeia de óleo e gás, tão duramente reconstruida nos governos Lula e Dilma I, mesmo tendo aspectos que precisam ser aperfeiçoados. A outra foi a Fecomércio defendendo a necessidade de um ajuste nas contas públicas, onde o juro elevado é necessário. Pirei: comércio defendendo o discurso neoliberal que destroi o consumo e CNI querendo acabar com a indústria nacional???

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